A revolução da recuperação continuará em curso, assim como o entusiasmo coletivo pelo esporte feminino. Oráculos do universo fitness e de bem-estar nos revelam o que acreditam ser tendências de agora em diante.

No começo de 2023, a Associação da Língua Alemã revelou que a “palavra do ano” do alemão havia sido Zeitenwende, que se traduz aproximadamente como “ponto de inflexão histórico”. A razão aparente para esta escolha foi a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas como lembrado pela Associação, a palavra se aplica de forma mais ampla a qualquer coisa que possa constituir o começo de uma nova era.

Neste sentido, 2022 pareceu ser um ano especialmente preenchido pelo espírito do Zeitenwende: na vida pós-pandêmica, muita gente recriou o conceito de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. A aquisição, por um bilionário megalomaníaco, de um popular website inspirou uma introspecção em massa sobre como queremos que seja nossa vida nas redes sociais. Em momentos assim, a única coisa mais perigosa que tentar decifrar o presente é tentar acertar o que o futuro nos reserva.

A Outside norte-americana entrou em contato com diversos especialistas em saúde e bem-estar para pedir suas opiniões e previsões para a tal nova era que pode estar começando. Entre os destaques: o surgimento dos treinos prescritos por inteligência artificial, a proliferação das ferramentas de recuperação e a crescente convicção – entre membros da geração do milênio – de que exercício é a nova religião.

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Os mais influentes se afastarão de suplementos sofisticados

Por Christine Byrne, nutricionista

A inflação está alta e isto está prejudicando o poder de compra das pessoas nos supermercados e restaurantes. Os preços dos supermercados subiram 12,4% nos Estados Unidos em outubro de 2022 com relação ao ano anterior e provavelmente continuarão subindo ao longo de 2023. ​​O salto é tão grande que está afetando quase todo mundo – em uma pesquisa de opinião, mais da metade dos participantes com rendas familiares superiores a US$ 100.000 disseram que o aumento dos preços era o principal desafio que enfrentavam ao comprar comida. No Brasil,  o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que apura a inflação oficial do país, atingiu 0,84% em fevereiro deste ano, tendo acumulado elevação de 4,65%, nos últimos 12 meses, segundo a Agência Brasil.

Considerando que o preço acessível será uma das principais prioridades na hora de escolher alimentos, até mesmo entre os consumidores mais abastados, a partir de agora pode ser que finalmente nos afastemos de suplementos caros e tendências alimentares sofisticadas (pense em sachês de açaí, refeições congeladas e veganas e potes de manteiga de castanha). Especialistas em nutrição têm dito faz tempo que não existe nada mágico nestes alimentos e que a maioria dos suplementos não são necessários, mas a cultura do bem-estar continuou apoiando produtos luxuosos e caros deste tipo. Agora que as pessoas precisam vigiar de perto seus gastos com alimentação, talvez percebam que não precisam realmente de nenhuma destas coisas. Estou empolgada para ver itens de primeira necessidade, acessíveis e nutritivos – como grãos, leguminosas, frutas e vegetais congelados – voltarem a estar no centro das atenções no que diz respeito ao bem-estar.

Uma máquina pode criar sua próxima planilha de treino

Por Alex Hutchinson, autor da coluna Sweat Science da Outside

É difícil não ficar impressionado com o ChatGPT, o quase-onisciente novo chatbot (programa de computador que simula um ser-humano ao conversar com as pessoas) e/ou precursor da morte da civilização humana que tem se alastrado pela internet. No quadro de mensagens da comunidade de corrida do Reddit, pedir para o ChatGPT te fazer uma planilha de treinos para maratona já está deixando de ser uma novidade: “precisamos de um robô que faça as pessoas pararem de postar planilhas do ChatGPT”, queixava-se um usuário cansado. Mas o ChatGPT é simplesmente a manifestação mais visível do drástico progresso das habilidades de inteligência artificial e de aprendizagem automática da última década – e já há exemplos de planilhas de treino adaptáveis produzidas por IA no mercado, assim como outras aplicações emergentes, como a avaliação biomecânica. Não sei onde tudo isso vai nos levar, mas acho que vamos ouvir falar muito mais sobre IA no mundo do fitness a partir de agora, e talvez a gente se  acostume à ideia de delegar parte de nossas decisões sobre treinamento às máquinas.

fitnessAcademias substituirão igrejas

Por Anthony Vennare, co-fundador do Fitt Insider

Minha tendência favorita é a crescente popularidade dos “terceiros lugares” dedicados ao fitness e ao bem-estar. De clubes exclusivos para membros a academias de escalada e estúdios de bem-estar, terceiros lugares focados no fitness querem recuperar um sentido de comunidade. Segundo uma pesquisa de opinião realizada pela Gallup nos Estados Unidos, 30% dos jovens das gerações do milênio e Z não pertencem a nenhuma religião. Por outro lado, a adesão a igrejas entre os adultos do país caiu recentemente a menos de 50% pela primeira vez. À medida que a participação em religiões organizadas declina e aumenta a desconfiança com respeito às instituições sociais, as gerações mais jovens veneram com devoção crescente a igreja do bem-estar. Finalmente livres das precauções com a COVID, pessoas famintas de conexão humana estão se jogando em busca de sentido de pertencimento e bem-estar.

Mais gente vai se apaixonar pelos treinos de força 

Por Casey Johnston, criadora da She’s a Beast Newsletter e do Liftoff

O ano de 2023 será o ano em que treinos de força (realizados com mais carga e menos repetições) se tornarão não apenas OK para todo mundo, mas poderão até mesmo se tornar o treino padrão de muitos de nós. O corpo humano está criado para reconstruir os músculos que perdemos ao ficar muito tempo sentados ou ao fazer muita dieta; músculos que precisamos para o funcionamento metabólico e para poder agachar para pegar algo do chão sem sentir pontadas na lombar. Mais pessoas perceberão que treinar força não significa apenas ficar mais forte; muitos movimentos que trabalham força, como agachamentos e levantamentos terra, também proporcionam mobilidade e flexibilidade cruciais.

Exercícios de força não estão reservados apenas para atletas profissionais. Qualquer um pode praticar e colher seus benefícios, da mesma forma que pode correr, fazer spinning, yoga ou pilates, e – aqui está a chave – sem ter que progredir nessas outras atividades antes. Treinos de força não são a fronteira final do universo do exercício; são apenas outro tipo de movimento (no entanto, um tipo com benefícios únicos e severamente subestimados). Muita gente também verá que este estilo de treino é na realidade mais agradável que muitos outros tipos de exercícios convencionais. Três séries de cinco repetições de três movimentos diferentes, ou meia hora seguida na esteira? Eu sei o que eu escolheria.

O silêncio dos esteroides pode enfim terminar

Por Chris Cohen, editor de bem-estar da revista GQ

Se você acompanha a retaguarda mais bizarra do fitness na internet, provavelmente não perdeu o lance, no ano passado, de que o Liver King, influencer e magnata da indústria de suplementos, utilizava poderosos esteroides anabolizantes para ganhar massa muscular. Se você já viu alguma foto dele, isto não é nada chocante. Mas o afasta bastante do estilo de vida “ancestral” e da alimentação baseada em vísceras cruas que ele recomenda a seus seguidores. Houve, naturalmente, um vídeo com sinceros pedidos de desculpas e um divertido episódio da série Joe Rogan Experience com o Youtuber que desvendou a história, o More Plates, More Dates.

E sim, ele é simplesmente um personagem conscientemente disparatado das redes sociais. Mas você não precisa se aprofundar muito no canal do Youtube More Plates, More Dates, para escutar o Derek (ele utiliza apenas seu primeiro nome) acusando, de coisas parecidas, alguns rostos conhecidos de Hollywood. É verdade que é fácil acusar qualquer grandão de tomar bomba, mas dado que músculos grandes são algo cada vez mais necessários entre atores e influencers, provavelmente o Liver King não é o único nome famoso usando potentes anabolizantes. Parece que 2023 é o ano perfeito para que qualquer um deles abra o jogo sobre como realmente conseguiu esse físico de ator de filme de super-herói.

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Foto: Shutterstock.
Treinar será mais uma questão de constância do que de esforço máximo

Por Michael Joyner, fisiologista e anestesista da Clínica Mayo

Estamos há mais de uma década imersos no estilo de treinamento de circuitos de alta intensidade – adeptos da mentalidade “pegue pesado ou vá para casa”. Acho que veremos mais pessoas desafiando-se a ser consistentes sem a sensação de precisar dar tudo. Elas focarão mais em intensidades baixas: simplesmente fazendo alguma coisa e inserindo atividade física no dia a dia. Para pessoas de meia-idade e idosos, o foco principal será equilíbrio e tonificação, não tantos esforços excessivamente intensos.

Maratonistas de elite correrão mais que duas vezes ao ano

Por Becky Wade, colaboradora da Outside e autora de Run the World

A partir de agora, acho que mais maratonistas norte-americanos se inspirarão na abordagem de Yuki Kawauchi sobre a frequência de competição – o que quer dizer competir nos 42 quilômetros muito mais que as habituais duas vezes ao ano. Não tenho certeza se foi a vitória de Kawauchi na maratona de Boston de 2018 que desencadeou isso, mas estamos começando a ver mais e mais profissionais se arriscando ao competir em múltiplas maratonas ao ano (e se recuperando delas), incluindo Sara Hall, Keira D’Amato e Maegan Krifchin, citando apenas alguns poucos nomes do pelotão feminino. Mais competições, menor pressão…. Gosto disso!

O mercado de recuperação vai continuar se expandindo

Por Joe Holder, fundador do The Ocho System e colunista de bem-estar da revista GQ        

Ao longo dos últimos cinco anos, marcas como Hyperice, Oura e Whoop retiraram o conceito de recuperação do mundo da alta-performance e o tornaram mais acessível para atletas comuns. À medida que mais pessoas procuram otimizar descanso e recuperação, o ecossistema de produtos ao redor disso se expandirá. No entanto, acho que as pessoas querem mais que simples produtos; elas querem conhecimento e experiências construídas ao redor de metas alcançáveis. As redes sociais e a internet transform com frequência saúde e bem-estar em consumo passivo ao invés de participação ativa; cho que haverá mais experiências cara a cara para atender a esta demanda.

O esporte feminino vai florescer

Por Christine Yu, colaboradora da Outside e autora de Up To Speed

O ano de 2022 mostrou (novamente) o poder e o potencial das mulheres nos esportes. Vimos os desempenhos de medalha de ouro de Eileen Gu e Chloe Kim nas Olimpíadas de inverno, a edição inaugural do Tour de France feminino e o novo recorde americano na maratona de Keira D’Amato e Emily Sisson. A audiência e o investimento na WNBA estão subindo, enquanto na Inglaterra, os espectadores dos jogos da Super Liga Feminina de futebol aumentaram 200% com respeito ao ano passado.

As pessoas se manifestaram para trazer Brittney Griner à WNBA e para celebrar a evolução de Serena Williams longe do tênis, mas também pediram reformas na Liga Norte-Americana de Futebol e no atletismo universitário. O que mostra que elas se importam com os esportes femininos e que também acreditam que mulheres atletas merecem algo melhor. Acredito que o esporte feminino vai atrair um pouco mais de toda a atenção e investimento que merece. Além disso, a Copa do Mundo feminina será monumental e um monte de livros novos sobre o tema manterão as mulheres no centro das conversas.

Matéria originalmente publicada na edição nº179 da revista Go Outside.







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