Quando a pandemia parou o mundo, provas e expedições foram canceladas. Mas, em vez de desistirem, alguns aventureiros seguiram em frente cheios de criatividade. Confira as melhores aventuras de um ano muito estranho, 2020:

Uma pausa, para depois arrebentar

Fernanda Maciel – RED BULL CONTENT POOL

Parecia que a quarentena da ultramaratonista brasileira Fernanda Maciel seria tranquila. “Achei ótimo porque parei de viajar e competir tanto. Foram dois meses em que tive tempo para, por exemplo, focar em fortalecimento. Pude dar uma folga para meu corpo, já que geralmente só tenho dez dias de férias durante o ano inteiro”, conta. A mineira primeiro se dedicou a fazer exercícios funcionais, yoga e em curar de vez uma lesão que a incomodava havia meses, desde uma queda correndo na Ultra-Trail du Mont-Blanc no ano passado. Depois, alugou um chalé equipado com esteira de corrida para focar em treinamento indoor e não perder o condicionamento.

E, para não deixar passar em branco, em seguida realizou um super projeto que não infringia as regras de reabertura: subiu e desceu correndo, sem corda, o Gran Paradiso, montanha de mais de 4.000 metros no norte da Itália, e o mítico Matterhorn, com 4.478 metros, entre a Suíça e a Itália.

“Como não era possível viajar, eu pude treinar em Chamonix e cruzar só a fronteira da Itália para realizar esse desafio”, conta. Gran Paradiso garantiu a ela o recorde mundial feminino, com 2h40min, e também o de subir e descer, em 4h03min. Na sequência, a atleta foi de carro até a vila italiana de Cervinia, para então subir o Matterhorn, a montanha mais épica e técnica dos Alpes. O feito dos dois cumes foi realizado em menos de 24 horas, e a aventura virou o documentário Fernanda Maciel: Um Dia, disponível no site da Red Bull.

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Três vezes o Everest

Fazer um Everesting consiste em subir e descer a mesma montanha até acumular 8.848 metros de altimetria. A ideia foi ganhando adeptos entre atletas desde 2014, quando o ciclista australiano Andy van Bergen criou o desafio. De acordo com Van Bergen, cerca de 6.000 pessoas pelo mundo todo já concluíram o projeto de alguma forma desde o começo da pandemia, em março de 2020. Isso inclui o primeiro triathlon com Everesting, completado em 55h32min em abril por Mayank Vaid. O advogado de Hong Kong nadou 8,5 km em Clear Water Bay, pedalou 265 km e subiu correndo o High Junk Peak 26 vezes, cravando 8.848 metros de altimetria acumulada nas atividades de corrida e pedal e 9 km horizontais a nado.

No topo do mundo, mas perto do chão

melhores aventurasO escalador Felipe Camargo também aderiu ao Everesting no começo de julho. O brasileiro escalou o equivalente ao Monte Everest, mas em uma academia indoor, sem pisar no chão. Foram 8.848 metros, cerca de 11.800 movimentos e mais de 7h30min de esforço. Como muitos desafios indoor desta pandemia, ele buscou uma causa para associar à meta e conseguiu arrecadar 13 toneladas de alimentos para comunidades carentes, em parceria com a ONG Make Them Smile. O feito foi transmitido em uma live ambientada em uma parede montada especialmente por ele na Fabrica Escalada Indoor, em São Paulo, com um zigue-zague subindo e descendo uma parede horizontal. Claro, tudo com distanciamento social e muita, muita paciência para repetir tantas vezes a mesma movimentação em uma travessia de 50 metros.

Sem prova, sem problema

O site Fastest Known Time (FKT) – que divulga o tempo mais rápido de algum desafio – teve um aumento de 400% em recordes enviados na primeira metade de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019. Só nos EUA, foram quebrados recordes na Tahoe Rim Trail (Califórnia e Nevada), na rota Nolan’s 14 (Colorado), na Long Trail (Vermont), além dos 1.930 km da Ice Age Trail (Wisconsin). Talvez o recorde mais notável do FKT tenha sido o da corredora britânica Beth Pascall.

No fim de julho, ela estabeleceu uma nova marca feminina na Bob Graham Round, uma trilha de 106 km na Inglaterra com 8.229 metros de altimetria acumulada. Seu tempo foi de 14h34min26s, apenas uma hora e meia a mais que o “deus” das corridas de longa distância Kilian Jornet. “Quando todas as competições foram canceladas em março, eu pensei: é essa trilha que vou fazer”, disse Beth à Outside USA. “Para ser sincera, nem passou pela minha cabeça tentar algo diferente.”

KOM no Street Art

Atletas usaram a tecnologia de mapeamento do aplicativo Strava para desenhar todo tipo de coisa durante seus treinos de corrida ou pedal: de Papai Noel e dois políticos se beijando até a nave Millennium Falcon, do Star Wars. As imagens são impressionantes, apesar de não muito detalhadas, retratando os perfis e formas das figuras. Porém, em 23 de julho, Lenny Maughan subiu o nível. Depois de planejar a rota com cuidado, o corredor passou 101 horas percorrendo 190 km por São Francisco, na Califórnia, para formar no mapa do app uma enorme aranha em sua teia.

Corridinha caseira

O lockdown não impediu muitos corredores de cumprirem sua planilha. Na China, Pan Shancu fez 50 km em seu apartamento. Na França, Elisha Nochomovitz completou seis maratonas na varanda de sete metros de comprimento. Em abril, o ultramaratonista Ryan Sandes deu a volta de 18 metros ao redor da sua casa na Cidade do Cabo 1.463 vezes, completando um total de 160 km. Ele chamou o desafio de Home Run e levou mais de 26 horas para completá-lo (os degraus do percurso adicionaram 4.572 metros de desnível). “Provavelmente, não vou tentar isso nunca mais”, disse Ryan em um vídeo gravado pouco depois de terminar o desafio. Correndo no quarteirão Gary Cantrell começou a Big’s Backyard Ultra em 2012.

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Courtney Dauwalter

Em circunstâncias normais, o formato exige que os participantes corram uma volta de 6,71 km a cada 60 minutos em sua propriedade em Bell Buckle, no Tennessee, e a última pessoa em pé vence. Na primavera, quando se aventurar muito além de alguns quilômetros de casa parecia uma proposta arriscada, o ultramaratonista canadense Dave Proctor decidiu realizar uma versão virtual usando o aplicativo Zoom. Nascia o Quarantine Backyard Ultra. Mais de 2.400 corredores em 65 países competiram em esteiras ou correndo em círculos em seus próprios bairros.

 

 

Entre eles, estava uma série de campeões, incluindo Courtney Dauwalter, vencedora da Western States 100 de 2018. No fim, depois de 63 horas e 421 km nas ruas em frente à sua casa na Virginia, só tinha sobrado o ultramaratonista Mike Wardian. “Com tecnologia, um pouco de criatividade e força de vontade, 2.500 pessoas se reuniram e formaram uma comunidade, embora não estivéssemos fisicamente juntos”, conta ele. Seu prêmio? Um rolo dourado da mercadoria mais preciosa da quarentena: papel higiênico.

Rota COVID

As estações de esqui da América do Norte fecharam em meados de março, bem antes das festas tradicionais de fim de temporada. Mas os esquiadores ainda estavam na pegada. De acordo com o NPD Group, uma empresa de pesquisa de mercado, as vendas online de equipamentos para esqui de travessia aumentaram 134% em março comparado ao ano anterior. Em 11 de julho, os canadenses Sean Murray e Pierre Grabinski fizeram a primeira descida de uma rota na face leste do Monte Fay, um pico de 3.234 metros nas Montanhas Rochosas canadenses. “Essa linha foi uma das coisas mais técnicas que já esquiei”, escreveu Sean, um cientista ambiental de 32 anos, no Instagram. Eles apelidaram a rota de COVID Couloir.

Um jeito diferente de ir para o trabalho

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Zev Heuer – Foto: Karsten Heuer

Claustrofobia tem sido muito real durante o lockdown. Zev Heuer, de 16 anos, achou uma cura autenticamente canadense: quando terminou o ano escolar, saiu de canoa com seu cachorro Blaze de sua casa em Canmore, Alberta, para seu trabalho em uma fábrica de canoas em Missinipe, Saskatchewan (parece que ele realmente achou um emprego perfeito para seu estilo de vida). A dupla partiu no dia 1º de maio e percorreu mais de 1.207 km por rios até chegar pontualmente ao novo emprego no dia 28 de junho.

A travessia mais quente

Talvez ninguém tenha levado o distanciamento social mais a sério do que Roland Banas. Em agosto, o francês de 46 anos caminhou sozinho pelo Vale da Morte, na Califórnia, em um calor de 43,3°C. Foi a primeira travessia solo de verão sem qualquer tipo de apoio já registrada no deserto. Para sobreviver à rota de 290 km de Last Chance Range a Salt Spring Hills, que levou cinco dias e sete horas, Roland puxou um carrinho com 155 kg de suprimentos, incluindo 109 litros de água. Ele terminou bem a tempo – uma semana depois, a temperatura no vale atingiu 54,4°C, uma das mais quentes já registradas na Terra.

O invicto sub-20 do UTMB

Em 2019, o espanhol Pau Capell venceu a Ultra-Trail du Mont-Blanc (UTMB), com o recorde de 20h19min. A ultramaratona, que passa por terreno francês, italiano e suíço, foi cancelada neste ano por causa da pandemia, mas ele resolveu fazer o percurso sozinho, com o objetivo de quebrar a barreira das 20 horas, em um desafio que batizou de Breaking 20. Não deu: ele cumpriu o percurso em 21h17min18s. Mesmo assim, o feito é notável, por ele ter feito em solitário, sem a estrutura da prova. Pau segue como um dos mais rápidos a completar o percurso de 171 km e 10 mil metros de desnível positivo. Por enquanto, ninguém conseguiu ainda fazer a UTMB em menos de 20 horas.

Calendário para o fim da pandemia

O que um bando de viciados em montanha e escalada faz quando é obrigado a ficar trancado em casa na quarentena? Extravasa a criatividade em casa mesmo, claro. O coletivo italiano Truce Climbing se juntou em um prédio em Turim, onde mora um dos integrantes, para produzir um calendário escalando, acampando, fazendo trilha, pedalando, esquiando… nas escadas e hall do edifício. E lançaram um calendário hilário com as fotos para imprimir em casa e contar os dias até a volta da liberdade outdoor. Os italianos foram capa de nossa edição especial de pandemia Go Inside (disponível em nosso aplicativo).

“Renunciar temporariamente a essa paixão era (e até o fim da quarentena ainda é) a coisa certa a se fazer para poder voltar ao outdoor o quanto antes”, diz Michele Guarneri, um dos integrantes. Deu certo: com uma quarentena rígida, houve um controle parcial da epidemia na Europa, o suficiente para curtir o verão outdoor, nas trilhas e montanhas, pelo menos por alguns meses.







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