Ao ativar o reflexo de mergulho, atletas que praticam apneia podem aumentar os glóbulos vermelhos e, possivelmente, a resistência.
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Se fosse possível patentear e vender a ideia de segurar a respiração antes de um exercício para melhorar o desempenho, seria um sucesso de vendas. Não porque necessariamente funcione — isso ainda está em debate. Mas porque a lógica é muito boa, a fisiologia é fascinante, e a técnica é incrivelmente simples.
Sem uma motivação comercial por trás, a ideia tem circulado há anos, sem respostas claras sobre sua eficácia. Agora, um estudo publicado no European Journal of Applied Physiology, conduzido por uma equipe liderada por Yiannis Christoulas, da Universidade Aristóteles de Tessalônica, na Grécia, oferece o sinal mais encorajador até agora de que a prática de segurar a respiração pode funcionar como uma forma legal de “doping sanguíneo” caseiro para aumentar temporariamente a resistência.
A base: o reflexo de mergulho dos mamíferos
A ideia é baseada no reflexo de mergulho dos mamíferos, um conjunto de respostas fisiológicas que são automaticamente ativadas quando você mergulha a cabeça na água. De várias formas, o corpo entra em modo de conservação de oxigênio para garantir que ele não acabe enquanto você está submerso. Por exemplo, o ritmo cardíaco desacelera e o fluxo sanguíneo para as extremidades é reduzido.
Como mergulhadores aumentam seus glóbulos vermelhos
O mais relevante aqui é que o baço armazena uma reserva extra de glóbulos vermelhos ricos em oxigênio. Quando você mergulha, o baço se contrai, liberando esses glóbulos vermelhos extras na circulação geral. Isso é o que Christoulas e seus colegas descrevem como semelhante às intervenções de doping sanguíneo: em vez de se submeter a uma transfusão de sangue, você obtém os glóbulos vermelhos do próprio baço. Experimentos anteriores sugerem que a contração do baço pode aumentar os níveis de hemoglobina e o VO2 máximo em até 5%.
Ninguém está sugerindo que você deva fazer mergulho livre alguns minutos antes de sua próxima maratona. Mas é possível ativar aspectos do reflexo de mergulho apenas segurando a respiração, e essa resposta pode ser intensificada ao fazê-lo com o rosto submerso em água fria. Essa é a ideia por trás de um artigo de 2010, de pesquisadores franceses, que sugeriu a apneia — ou seja, prender a respiração — como “um novo método de treinamento no esporte”.
Desde então, várias tentativas foram feitas para explorar os benefícios de segurar a respiração para ganhos atléticos, usando diferentes atividades (natação, ciclismo) e protocolos (uma única apneia, apneias repetidas, várias durações de recuperação). No início deste ano, Jan Bourgois e colegas da Universidade de Ghent, na Bélgica, publicaram uma visão geral dessas tentativas no Experimental Physiology. No geral, a fisiologia é real, mas os efeitos práticos parecem pequenos demais para serem medidos. Exercícios intensos já fazem com que o baço se contraia naturalmente, então pode ser que pré-contrair o baço segurando a respiração não ofereça benefícios adicionais.
Submergir o rosto na água pode ser a chave para o sucesso
O novo estudo de Christoulas adota uma visão diferente, argumentando que estudos anteriores não acertaram o protocolo. Em particular, os estudos falhos pediram aos atletas que segurassem a respiração, mas não submergiram seus rostos na água, o que significa que o baço não se contraiu completamente. O novo estudo envolveu 17 voluntários que realizaram um teste incremental de ciclismo até a exaustão, durando cerca de dez minutos, com e sem uma série de cinco apneias máximas com o rosto submerso em água a 10 graus Celsius. Eles tiveram dois minutos de recuperação entre cada apneia e começaram o teste de ciclismo dois minutos após a última apneia.
Os participantes eram atletas recreativos sem treinamento prévio em mergulho livre ou apneia. O tempo médio de apneia foi de 71 segundos — embora seja interessante notar que a duração de cada apneia sucessiva aumentou. A primeira durou pouco mais de 40 segundos; a segunda passou de 60 segundos; as últimas chegaram a cerca de 80 segundos.
Aqui estão os tempos médios de apneia (BHT, sigla em inglês), com mais ou menos os desvios padrão, para as cinco tentativas:
Essa progressão é parcialmente resultado da ação dos glóbulos vermelhos extras liberados pelo baço. De fato, exames de sangue mostraram que os níveis de hemoglobina e a contagem de glóbulos vermelhos aumentaram em 4% ao final da última apneia.
Resultados na performance
O principal resultado foi que os participantes duraram, em média, 0,75% mais tempo no teste de ciclismo após as apneias, uma diferença pequena, mas estatisticamente significativa. Além disso, demoraram mais para atingir o segundo limiar ventilatório, o ponto em que a respiração se torna realmente ofegante.
Não é só o aumento dos glóbulos vermelhos
Vale ressaltar que outros mecanismos podem estar envolvidos além da contração do baço. Prender a respiração aumenta os níveis de dióxido de carbono no sangue, o que, por meio de um mecanismo chamado efeito Bohr, facilita que os músculos liberem oxigênio dos glóbulos vermelhos em circulação. Isso melhora o metabolismo aeróbico e ajuda a explicar por que os exames de sangue também mostraram que os níveis de lactato em repouso caíram 15% após as apneias. O quadro fisiológico completo é bastante complexo, mas o resultado final é que os participantes do novo estudo apresentaram uma resistência um pouco melhor.
O que isso significa na prática?
Pessoalmente, não consigo imaginar realizar cinco apneias máximas dois minutos antes de uma corrida. Mas alguns pesquisadores sugeriram que uma única apneia pode ser suficiente para obter a maior parte dos benefícios. Se você observar o gráfico dos tempos de apneia, parece que a maior mudança ocorre após a primeira tentativa, com menos alterações nas subsequentes. Talvez duas apneias alguns minutos antes de uma competição sejam viáveis.
Outra grande questão é se um bom aquecimento intenso alcança o mesmo efeito. No novo estudo, todos os participantes fizeram um aquecimento de dez minutos, incluindo corrida leve e “alongamentos dinâmicos para o corpo todo”. Mas é possível que um aquecimento mais longo e mais intenso possa desencadear a contração do baço sozinho. Essas são perguntas que estudos futuros terão que responder — e espero que o façam, de uma forma ou de outra, porque é revigorante considerar uma fonte estranha e maravilhosa de possíveis “ganhos marginais” que, para variar, está ao alcance de todos.