Entenda a ciência por trás daquilo que todos nós já desconfiávamos: a música pode realmente melhorar o desempenho esportivo, aumentar o bom humor e diminuir a sensação de cansaço.
Na prova Nike Rio Corre 10 km em 2013, os corredores atravessavam uma espécie de túnel inflável, batizado de Powersong. Nele, batidas de músicas no volume máximo entram sem pedir licença na mente da galera. O resultado final não é novidade para ninguém: a maioria dos atletas sai do túnel com gás renovado, pronta para encarar os quilômetros finais até a linha de chegada.
Mas, afinal, o que acontece exatamente em nosso corpo quando imergimos nas batidas de nossas canções preferidas? Por que nomes de peso como o nadador norte-americano Michael Phelps incluíram a música em sua preparação esportiva? Quais os prós e os contras de se ouvir som durante o treinamento?
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Referência no assunto, o treinador e pesquisador britânico Costas Karageorghis, especialista em psicologia do esporte da Universidade de Brunel, em Londres, estuda há mais de 20 anos a relação entre música e atividade física. Em 2009, um estudo coordenado por ele concluiu que corredores que ouvem música podem ter seu desempenho melhorado em até 15% – em especial quando o som em questão responde a alguns critérios.
Segundo a pesquisa, escolher a “música certa” depende de fatores externos e internos. Os externos têm a ver com o contexto em que ela está inserida, ou seja, o modo como o ouvinte interpreta aquela canção – e isso varia muito de pessoa para pessoa, já que cada indivíduo possui uma relação toda própria com determinadas composições. Além disso, a associação extra-musical que fazemos com algumas músicas, como a emblemática “Eye of the Tiger”, da banda norte-americana Survivor – tema do filme Rocky –, também pode elevar aspectos positivos do humor, como entusiasmo e felicidade, e ajudar no desempenho.
Já os fatores internos dizem respeito à estrutura da música e são determinados pelo número de batidas por minuto (bpm) – as músicas mais rápidas possuem, claro, mais batimentos. Costas Karageorghis explica que cada tipo de treino de corrida (caminhada, trote ou ritmo forte) e, consequentemente, a zona cardíaca de esforço correspondente, requerem uma quantidade de batimentos específicos. “Sincronizar os batimentos e a frequência é o objetivo da minha pesquisa. Concluímos que esse sincronismo é a chave para se obter um melhor desempenho esportivo”, diz ele. “Por isso, cada tipo de treino pede músicas com bpms equivalentes.”
Atletas que aceleram junto com a música
O etíope Haile Gebrselassie, considerado um dos maiores fundistas da história e conhecido como o “imperador das maratonas”, usou essa tática para superar seus próprios recordes. Nas Olimpíadas de Sidney, em 2000, ele cismou que, se corresse no ritmo de “Scatman”, de Scatman John, seria o mais rápido na prova dos 10 mil metros rasos. Então pediu para que o sistema de som da organização do evento tocasse essa música durante a prova. Assim atingiu seu feito com uma arrancada histórica, que o fez cruzar a linha de chegada 0,9 segundos na frente de seus adversários.
Outro atleta alvo de grandes discussões sobre o assunto tem sido o nadador norte-americano Michael Phelps. Dono do maior número de medalhas em Jogos Olímpicos, ele costuma ouvir música antes de participar de competições. Em Londres 2012, ficaram célebres as cenas de Phelps entrando no ginásio olímpico com um fone de ouvido grandão, que usava tanto para conseguir se concentrar diante de gritos da platéia como para dar uma animada na alma.
O método de Phelps gerou polêmica. Houve até quem apontasse o uso do fone como uma espécie de doping, entre eles o pesquisador israelense Alexei Koudinov, editor do site Doping Journal (dopingjournal.org). Em parceria com o Instituto Max Plank para Cognição Humana e Ciências do Cérebro, na Alemanha, ele divulgou estudos comprovando que a música tem influência sobre, por exemplo, a respiração, por meio de efeitos emocionais e estímulos internos que aumentam a excitação.
Sua pesquisa demonstrou que a música provoca efeitos positivos internos que levam a um aumento na transferência de oxigênio do corpo (via respiração), consequentemente melhorando o desempenho esportivo – atitude que, aos olhos de cientistas mais radicais como Alexei, pode ser vista como um estímulo ilegal.
O que ouvir nos treinos
Para quem quer acelerar durante o treino, o ideal é escutar músicas que variam entre 147 e 160 batimentos por minuto. Já para um exercício moderado o ideal é 137 a 138 batimentos, como “Erva Venenosa”, da cantora brasileira Rita Lee, que tem aproximadamente 137 bpm.
O estudo de Costas Karageorghis demonstrou ainda que a música certa reduz a percepção de intensidade do exercício em cerca de 10%. Esse estímulo externo é capaz de, literalmente, bloquear estímulos internos desanimadores que tentam chegar ao cérebro, como mensagens sobre fadiga nos músculos.
Nem todos os atletas, no entanto, utilizam esse “truque” da música para melhorar o desempenho esportivo, pelo menos não em todas as situações. O mountain biker brasileiro Edivando de Souza Cruz, por exemplo, também usa os benefícios do som, mas não quando está na cidade ou estrada, por questões de segurança.
O pesquisador Costas concorda que não é sempre que ouvir música se revela uma estratégia bem-vinda. “A música pode distanciar a pessoa de outros sons produzidos durante a atividade, como a respiração e o impacto das passadas, no caso da corrida. São sinais importantes do corpo, que não devem passar despercebidos”, diz o estudioso, que sugere aos atletas que primeiro conheçam bem seus limites, para depois aumentarem o volume do tocador de MP3.
Afinal, independentemente de qualquer “mãozinha” externa, muito esforço e dedicação são fatores imprescindíveis em qualquer esporte.