Exercitar-se em cidades poluídas aumenta os riscos de asma, derrame e problemas cardíacos. Mas estudos revelam que pessoas que praticam esporte com frequência conseguem combater grande parte desse mal.
Quando os melhores atletas do mundo aterrissavam em Pequim para as Olimpíadas de 2008, uma grande especulação girava em torno do uso esportivo de um polêmico acessório: a máscara antipoluição.
Todos pareciam preocupados com os efeitos negativos do ar extremamente poluído de Pequim, e a imagem dos ciclistas de pista da seleção norte-americana descendo do avião usando máscaras cirúrgicas negras provocou o perfeito choque visual para inspirar dezenas de reportagens e notícias sobre o assunto. “Poluição: um perigo para quem se exercita”, tascou a revista Time em uma manchete. “Esportistas não podem correr da poluição”, proclamou outra.
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As evidências por trás desse tom alarmista eram sólidas. Respirar ar poluído provoca inflamação e aumenta o risco de asma, derrame e problemas cardíacos. Fazer exercício significa respirar profundamente, permitindo assim que mais partículas consigam passar pelos filtros nasais (os tais pelinhos do nariz) e se alojar nas vias respiratórias do corpo. Ou seja: uma corrida em um dia cinzento e esfumaçado torna uma situação ruim ainda pior.
A questão é: pior que o quê? Algumas vezes você tem a opção de ir à academia ou correr na esteira nos dias com ar de pior qualidade (cujos picos normalmente ocorrem em dias ensolarados, porque poluentes como o ozônio precisam de luz para se formar). Mas, em outras vezes, você tem que decidir se cancela o jogo de futebol ou o treino de bike. Nessas situações, exercitar-se em ar contaminado é pior que não fazer nada? Eis o dilema que os pesquisadores estão enfrentando agora, e há pistas de que os poderosos efeitos anti-inflamatórios proporcionados pelos treinos rotineiros contrapõem-se aos estragos do ar poluído.
No passado, a maioria dos estudos sobre exercício e poluição envolvia sujeitos – ratos ou seres humanos, por exemplo – saltitando em uma esteira por meia hora enquanto respiravam por um tubo de escapamento, e os pesquisadores procuravam problemas imediatamente posteriores ao teste. O que esses estudos deixavam passar eram os benefícios acumulativos do exercício praticado ao longo do tempo.
Novas pesquisas jogam luz sobre essa discussão. Em uma pesquisa publicada em uma renomada revista de medicina e ciência do esporte, o especialista em saúde ambiental Rodolfo de Paula Vieira e seus colegas da Universidade de São Paulo, no Brasil, alongaram o tempo de seus estudos para cinco vezes por semana. Os ratos que foram expostos aos resíduos de um escapamento a diesel sem se exercitar viram uma escalada vertiginosa em inflamação pulmonar e outros danos, como era esperado. Em contrapartida, os ratos que tinham se exercitado cinco vezes por semana durante aquele período estavam quase completamente protegidos contra os danos causados pela poluição.
Em estudos com seres humanos, os pesquisadores descobriram que internações diárias nos hospitais em conseqüência de problemas respiratórios e cardiovasculares estão em perfeita sincronia com os medidores de qualidade do ar. Porém, ao se observar melhor, os benefícios do exercício superam de longe os riscos. Em 2010, pesquisadores holandeses, usando dados epidemiológicos, estimaram que os efeitos da poluição do ar sobre uma pessoa que troca o carro pela bicicleta em pequenas viagens diárias por cidades poluídas diminuiria sua expectativa de vida entre 0,8 e 40 dias – mas o exercício adicional a estenderia em três ou quatro meses.
No laboratório de fisiologia ambiental da Universidade de British Columbia, no Canadá, os pesquisadores Michael Koehle e Luisa Giles estão liderando estudos que tentam desvendar se o equilíbrio entre os efeitos positivos e negativos do exercício e da poluição dependem de quão duro você está treinando. Voluntários vêm ao laboratório por sete dias consecutivos para pedalar sob distintas intensidades.
Um grupo respira ar contaminado com resíduos do escapamento de um motor a diesel; outro inspira ar limpo e filtrado. Depois é medido o efeito nos pulmões, corações e vasos sanguíneos de ambos os grupos. Os resultados ainda não estão disponíveis, mas os testes-piloto revelam-se promissores. “Ao que parece, o exercício está derrotando esmagadoramente os efeitos da poluição”, diz Michael. “Ainda não temos dados suficientes para transformar essa informação em algo mais concreto, porém nos espantamos bastante com os resultados preliminares de nosso estudo.”
Nem todo mundo se beneficia – ou sofre – igualmente. “Muito do que acontece realmente depende da genética”, diz Ken Rundell, ex-fisiologista do comitê olímpico norte-americano, agora funcionário da Pharmaxis, uma companhia farmacêutica focada em distúrbios respiratórios. Ambos os efeitos imediatos, como falta de ar e maiores riscos de enfermidades, parecem depender em parte de um conjunto de genes chamados glutathione-S-transferase. Se você nota que suas vias respiratórias ficam irritadas enquanto os outros a seu redor não parecem ter o mesmo problema, então deve tomar precauções extras.
Mas, se a escolha está entre se exercitar em ar poluído versus cancelar todos os seus treinos, a melhor opção é não deixar de ir correr ou pedalar ao ar livre e encontrar formas de minimizar sua exposição aos poluentes (veja o quadro ao lado). “Provavelmente há, sim, um aumento marginal dos riscos”, Michael Koehle reconhece. “Porém em pessoas jovens e saudáveis eu não acho que exista razão para preocupações. O exercício é uma arma tão forte que vence todo o resto.”
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Se o CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) indica concentrações de monóxido de carbono maiores que 750, e se você tem asma ou outras sensibilidades respiratórias, melhor ajustar seu treino seguindo alguns dos conselhos abaixo:
AFASTE-SE DAS RUAS MUITO MOVIMENTADAS: A poluição cai consideravelmente quanto mais você se distancia de ruas ou estradas congestionadas. A apenas 200 metros de distância, os níveis de poluição são quase quatro vezes mais baixos. Árvores também ajudam a melhorar a qualidade do ar.
COMECE CEDO: O ozônio, componente chave da fumaça, é produzido quando a luz do sol reage com os poluentes, fazendo com que os níveis de poluição subam de forma gradual ao longo do dia – por isso, os níveis mais altos são alcançados nos meses de verão. Seu treino de corrida deve ser a primeira coisa que você faz pela manhã.
USE UMA MÁSCARA: Máscaras classificadas como N95 bloqueiam em 95% a passagem de partículas extremamente pequenas. Lado negativo: é difícil encontrar uma com caimento adequado para a prática esportiva e, para muitos usuários, ela restringe a respiração.
TOME MAIS ANTIOXIDANTES: Em teoria, suplementos antioxidantes deveriam ajudar na prevenção de danos oxidativos induzidos pela poluição. Ainda não se sabe se eles realmente funcionam assim, mas com certeza comer mais frutas e vegetais ricos em antioxidantes (como brócolis, pimentas vermelhas e melão) não vai causar nenhum mal.