A montanhista norueguesa Kristin Harila fala sobre a busca por Tenjen “Lama” Sherpa e Gina Rzucidlo, seus sentimentos ambíguos em relação a recordes de velocidade e o lado sombrio da fama na internet
+ Temporada no Everest começa com drones, drama e perigo
+ Vídeo: como Tyler Andrews escalou o Manaslu em tempo recorde
Quando soube que a famosa montanhista norueguesa Kristin Harila estava de volta a Katmandu nesta temporada, mandei uma mensagem para saber se ela toparia uma entrevista. Harila, de 39 anos, ganhou destaque na cena do montanhismo mundial em 2023, quando ela e o alpinista nepalês Tenjen “Lama” Sherpa escalaram os 14 picos do mundo com mais de 8.000 metros de altitude em apenas 92 dias — feito que ainda é considerado um recorde mundial.
“Quase não dou mais entrevistas”, Harila me disse. “Sempre escrevem errado, mesmo nas menores revistas de aventura da Noruega — eles só querem manchete.”
Nos encontramos no movimentado salão de café da manhã do hotel Aloft, com vista para o agitado bairro turístico de Thamel, no coração de Katmandu. Harila usava um moletom com estampa patchwork e já comia uma omelete com torradas. O ambiente fervilhava de turistas indianos e trekkers chamativos, vestidos com roupas de polipropileno coloridas e calças com zíper no joelho.
Talvez ninguém no mundo do montanhismo tenha vivido emoções tão extremas quanto Harila nos últimos dois anos. As críticas à sua expedição em busca de recordes surgiram enquanto ela ainda escalava os picos. Poucos dias após a ascensão ao K2, em 27 de julho de 2023, começaram a circular boatos de que ela e Lama teriam passado por cima de um trabalhador agonizante na montanha a caminho do cume. Desde então, Harila falou publicamente sobre o episódio e apresentou provas de que ela e Lama passaram várias horas tentando salvar o homem.
Em agosto de 2023, a tragédia veio: Lama morreu em uma avalanche no Shishapangma, no Tibete, a 8.027 metros de altitude. Ele guiava a alpinista americana Gina Marie Rzucidlo, que buscava se tornar a primeira mulher dos EUA a completar os 14 picos de 8.000 metros. Minutos após o deslizamento fatal, outra avalanche matou a americana Anna Gutu e seu guia, Mingmar Sherpa. As mortes impactaram profundamente Harila.
“Não encontrei paz desde o K2, desde que o Lama morreu”, disse. “Estou tentando encontrar uma forma de voltar às montanhas, mas não sei se vou conseguir. Espero que essa jornada agora seja tranquila, mas vamos ver como vai ser.”
Harila voltou ao Nepal este ano tentando obter permissões para retornar ao Tibete e procurar por Lama e Rzucidlo, cujos corpos continuam enterrados em algum lugar do Shishapangma. Primeiro, ela pretende fazer uma caminhada na região do Everest junto com o filho mais velho de Lama, para se aclimatar enquanto espera. Se tiver tempo, disse que talvez faça algo mais leve, como escalar o Nuptse ou correr a Maratona do Everest.
“Queria procurar pelo Lama novamente, mas tenho certeza que essa é minha última vez. Ainda farei viagens curtas, mas não por dois meses”, me contou. “Terminei com as expedições longas.”
Esta é a segunda tentativa de Harila de encontrar Lama e Rzucidlo, após uma tentativa malsucedida em outubro passado. Em maio de 2024, o alpinista Nirmal “Nims” Purja e sua equipe da Elite Exped localizaram os corpos de Gutu e Mingmar. Para a busca de 2025, Harila espera contar com um helicóptero, um piloto de resgate francês e um scanner RECCO, capaz de captar sinais dos refletores nos casacos usados por Lama e Rzucidlo.
A empresa que ajudou Harila a alcançar seu recorde, a Seven Summits Treks, está atualmente cuidando da complexa logística e das permissões necessárias para sua missão.
“Ninguém mais tem interesse em encontrá-los, além de mim, da Seven Summits e das famílias do Lama e da Gina. Estou pagando tudo do meu bolso”, contou Harila. “Não me importo com dinheiro.”
Enquanto conversávamos, Harila mal tocava na comida. Falava rápido, com ênfase. “Seria importante para todos trazê-los de volta para casa”, disse. “E se não conseguirmos, provavelmente tentarei voltar no outono para tentar novamente. Estou tentando dizer que essa é a última vez, mas sei que vai ser difícil, se houver uma expedição, dizer: ‘não vou.’”
Perguntei se ela sentia que sua expedição recordista de 2023 contribuiu para a cultura que levou à tragédia no Shishapangma.
“Só posso dizer que eu não estava lá”, respondeu. “Essa foi uma lição que aprendi no K2. As únicas pessoas que podem dizer o que aconteceu no Shishapangma… estão mortas. Os quatro. Então não posso falar por eles — e nenhum deles está aqui para se defender.”
E acrescentou: “Nunca imaginei que terminaria assim. Se eu soubesse, jamais teria feito. Muitos dos acidentes que aconteceram não deveriam ter acontecido.”
Nossa conversa seguiu por outros caminhos. Quando Harila se levantou para pegar um café, um trekker britânico de meia-idade, vestindo uma camiseta de corrida verde-limão, se inclinou em minha direção e perguntou: “Desculpe incomodar, mas… é ela?” — sem nem dizer o nome, apenas levantando as sobrancelhas em reverência. Confirmei. “Uau”, disse ele. “Simplesmente uau.”
Harila contou sobre sua viagem ao Tibete em 2024 para tentar localizar os alpinistas desaparecidos. Seus receios de que os corpos estivessem em uma das duas fendas gigantes foram amenizados após investigações: um sherpa sobreviveu ao deslizamento sem ferimentos, e outros encontraram a mochila de Lama e as calças e sapatos de Rzucidlo.
Hoje, Harila apoia financeiramente os dois filhos de Lama, de 15 e 18 anos, e tenta levá-los para estudar na Noruega. Ela falou sobre a fundação que criou em seu país, a Lama Sherpa Foundation, que busca estabelecer diretrizes de segurança para trabalhadores de montanha no Nepal. Harila sonha com a criação de um programa de certificação independente para empresas de expedição, alpinistas e trabalhadores de alta altitude. “Precisamos apenas fazer tudo de forma mais segura e melhor”, afirmou.
Compartilhou também seus sonhos de ter uma fazenda na Noruega e experimentar outros esportes, como corrida e triatlo.
Confesso que me senti um pouco desconfortável ao ouvir Harila falar sobre seus planos e esperanças para o futuro. Como muitos no mundo da escalada, acompanhei sua vida se desdobrar nas redes sociais ao longo do final de 2023 e durante 2024. A expedição de 2023 a tornou famosa, mas depois da polêmica no K2, ela passou por um término doloroso com o então namorado — seguido da morte de Lama. Cada acontecimento foi, ao mesmo tempo, pessoal e público.
Perguntei se ela sentia que a fama a fez ser tratada injustamente pela mídia. “Sim, mas não só por causa das pessoas que escreveram coisas erradas sobre mim”, respondeu. “Claro que tive, sei lá, umas 20 mil mensagens negativas e ameaças de morte nas redes sociais depois do K2.”
Ela continuou: “Mais de 200 pessoas escreveram dizendo que viriam me matar. Tenho isso todos os dias, ainda. Ainda tenho pesadelos com tudo isso”, disse. “Hoje mesmo acordei, e olha só, isso aqui é o que recebo nas redes sociais — todos os dias.”
Pegou o celular e me mostrou uma série de capturas de tela com comentários inflamados em norueguês e inglês, confirmando o que dizia. “As pessoas ainda acreditam naquela história. E isso acontece todos os dias.”
Mas as redes sociais são um mal necessário na vida dela. Harila admitiu que, atualmente, é praticamente impossível para alpinistas profissionais financiarem expedições a picos de 8.000 metros sem manter uma presença ativa em redes como o Instagram. Ser influenciadora virou parte do trabalho — na melhor das hipóteses, disse ela, as plataformas permitem que se expresse diretamente ao mundo.
Essa última observação me fez lembrar da primeira vez que conheci Harila — foi no saguão deste mesmo hotel, no verão de 2022, minutos após seu retorno da primeira ascensão bem-sucedida ao Makalu, de 8.485 metros. Naquele momento, Harila estava bronzeada, exausta e radiante, cheia de energia e determinada a provar ao mundo que mulheres podiam escalar tão rápido — ou até mais rápido — que os homens. Fiquei impressionado com sua convicção e confiança: uma demonstração de força em cada passo com crampons na neve.
Menos de três anos depois, as montanhas parecem representar algo diferente na vida de Harila: um lugar de luto e dor, um cenário de tentativas para recuperar os corpos de amigos próximos.
Ao nos despedirmos, Harila me acompanhou até o saguão de mármore polido do hotel, onde o trekker britânico de camiseta verde nos esperava. Ele contou sobre sua próxima caminhada até o Acampamento Base do Everest — um sonho de vida — e perguntou se poderia tirar uma selfie. Me ofereci para tirar algumas fotos dos dois. Pousando diante da vidraça, Harila e o homem sorriram. Ele a agradeceu efusivamente, elogiando-a sem parar. Naquele instante, vi sua luz brilhar novamente.
“Tá vendo?”, disse ela. “Ainda tem gente que me valoriza.”