Alguns homens correm mais rápido depois de se tornarem pais. Embora faltem pesquisas sobre o tema, corredores e cientistas têm suas teorias para explicar o fenômeno.
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Em fevereiro de 2024, Rory Linkletter, 28 anos, viajou para a Espanha para correr a Maratona de Sevilha, levando junto a esposa, Jill, e seus dois filhos pequenos. O corredor profissional canadense precisava fazer a prova da vida dele — baixar dois minutos do seu recorde pessoal — para atingir o índice olímpico de 2h08min10s e garantir uma vaga na equipe olímpica do Canadá. Era um sonho de infância, e ele queria que sua família estivesse presente para apoiá-lo e inspirá-lo. Se existisse um momento perfeito para invocar a chamada “força de pai”, era esse.
“Fazer parte da equipe olímpica era fundamental para a minha estabilidade financeira como atleta”, disse Linkletter. “Eu estou provendo para a minha família, que é uma das minhas responsabilidades.”
A ideia de que a paternidade dá uma vantagem a atletas não é nova. Alguns chamam isso de mito, mas evidências anedóticas sugerem que pode haver algo de verdadeiro. Em 2012, a esposa de Mo Farah, Tania Nell, teve gêmeos dias depois de ele conquistar o ouro nos 5.000 e 10.000 metros nos Jogos Olímpicos de Londres. Uma década depois, Lucas McAneney, um canadense de 35 anos, venceu a Maratona de Buffalo empurrando o carrinho de seu filho de dois anos. E no ano passado, Casey Clinger, então no último ano da Universidade Brigham Young, terminou em sexto lugar no campeonato nacional de cross country da Divisão I da NCAA — sua melhor colocação — poucos dias antes do nascimento de seu primeiro filho.
Assim como esses outros atletas, o timing de Linkletter era inegável. Seus melhores tempos — recordes pessoais na meia maratona (1h01min08s) e na maratona completa (2h10min24s) em 2022 — vieram um ano depois do nascimento de seu primeiro filho. Agora, com o segundo filho nascido há menos de um ano, ele estava em Sevilha, pronto para se superar novamente.
A viagem não começou fácil — seu filho não dormiu durante o voo de nove horas — mas, depois de chegarem, a família conseguiu se adaptar a uma rotina. Eles ficaram hospedados juntos em um Airbnb nos primeiros cinco dias, o que ajudou Linkletter a tirar o foco da corrida.
“É muito fácil, quando você está sozinho em viagens como essa, ficar preso nos próprios pensamentos pensando na prova”, disse ele. “De muitas maneiras, a rotina de ser pai e atleta me manteve centrado até o dia da corrida.”
No final, ele correu para 2h08min01s e garantiu sua vaga olímpica. Claro, outros fatores também podem ter contribuído para sua performance. Mas, ainda assim, ele conseguiu o objetivo como pai de dois filhos, levantando a questão: será que existe mesmo algo chamado “força de pai”?
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Não é mais só sobre correr
Para Dylan Wykes, ex-maratonista profissional, integrar a equipe olímpica do Canadá em 2012 foi um marco na carreira. Mas se tornar pai, em 2014, mudou sua perspectiva sobre a corrida e sobre a vida. A paternidade o ajudou a perceber que acertar um treino não era a única coisa que importava, e cuidar da família reduziu a pressão que ele sentia nos treinos.
“Foi um momento bom para mim, para que tudo não girasse apenas em torno de mim o tempo todo”, disse Wykes. “Ter um propósito maior no que você faz, fora de si mesmo, pode ser uma grande motivação tanto para treinar quanto para competir.”
Linkletter compartilha dessa visão, afirmando que ter filhos o forçou a amadurecer. Quando era mais jovem, ele dava importância exagerada à corrida. A paternidade o tornou mentalmente mais forte.
A corrida, segundo ele, pode ser um esporte egoísta. Atletas estão sempre buscando melhorar — ajustando treinos, refinando a alimentação, se preocupando com cada detalhe do próprio corpo.
“É um privilégio, é algo incrível, mas não é tudo”, disse ele.
No início da carreira, Clinger também se dizia obcecado com treinos e competições. Ele não queria perder uma única corrida, uma hora de sono, muito menos um treino. Cuidar de um recém-nascido o forçou a se adaptar. Hoje, a maioria das decisões que toma leva em conta o futuro da família.
“A corrida continua sendo extremamente importante para mim, mas agora tenho esse novo membro na minha família, que eu amo profundamente. Tudo o que mais quero é que ele seja saudável e feliz”, afirmou Clinger.
O espectro da força parental
No esporte, “pai” não é exatamente o primeiro adjetivo que vem à mente quando falamos de um atleta homem. “Quando se fala de atletas mulheres que são mães, os comentaristas dizem: ‘Ela é mãe, tem um bebê’”, comentou Sydney Smith, gerente de pesquisa na Universidade Carleton e autora principal de um estudo sobre corredoras de elite que voltaram a competir após a maternidade. “Você não ouve o mesmo sobre atletas homens.”
Muitas atletas — Serena Williams, Melissa Bishop-Nriagu, Sara Bjork Gunnarsdottir, entre outras — foram amplamente celebradas por alcançar o topo de suas modalidades pouco depois de darem à luz. Kara Goucher integrou a equipe olímpica de maratona dos EUA dois anos após o nascimento de seu filho, Colt. Elle St. Pierre conquistou o título mundial dos 3.000 metros indoor em 2024, apenas um ano após o nascimento de seu filho, Ivan.
A “força de mãe” tem, de fato, respaldo científico. Apesar dos desafios que a maternidade impõe à performance, há benefícios fisiológicos comprovados para algumas mulheres: o aumento do volume sanguíneo e da produção de glóbulos vermelhos melhora a entrega de oxigênio aos músculos; mudanças hormonais — como elevação da testosterona e da relaxina — podem aumentar a força, a flexibilidade e a tolerância à dor. Um estudo liderado por Smith em 2023, com 42 corredoras de elite, mostrou que, das mulheres que planejavam voltar às competições após o parto, 60% conseguiram retornar entre um e três anos — e quase metade voltou ainda mais rápido.
Para os homens, o impacto biológico é menos evidente. Pesquisas indicam que os níveis hormonais dos homens também mudam durante e após a gravidez da parceira — incluindo alterações na testosterona, cortisol, ocitocina e vasopressina —, o que pode influenciar a formação de vínculos e o cuidado com o bebê. No entanto, ainda não há evidências de que essas mudanças tragam alguma vantagem física no desempenho esportivo. A teoria de que o impulso emocional e psicológico dos novos pais para proteger e prover para seus filhos melhora o desempenho ainda não foi estudada. Um relatório de 2023 da National Library of Medicine destacou a falta de dados sobre como a paternidade impacta corredores de elite.
Francine Darroch, professora de Ciências da Saúde da Universidade Carleton e coautora do estudo, afirma que a ausência de pesquisas sobre a paternidade reforça o estereótipo de que as mulheres devem carregar o peso principal dos cuidados com os filhos. Ela, que também é casada com Wykes, disse que o estudo foi uma tentativa de iluminar o papel dos pais atletas e desafiar essa percepção.
Paternidade em equipe
Ajustar-se à nova rotina foi o maior desafio para Clinger. Ele precisou entender que adiar ou até encurtar um treino de vez em quando não comprometeria sua preparação. Sua esposa, Morgan, ex-jogadora de vôlei da BYU, compreende bem o que é treinar em alto nível. Ainda assim, foi preciso um tempo de adaptação para que eles encontrassem o equilíbrio nos cuidados com o bebê.
No começo, eles revezavam as noites, alternando quem acordava para atender o filho. Cada um conseguia blocos de cerca de três horas de sono. Mas isso não funcionava para Clinger, que precisa de até dez horas de sono para aguentar a carga pesada dos treinos.
O casal então combinou que Morgan ficaria responsável pelas noites, enquanto Clinger cuidaria do bebê no meio do dia, permitindo que ela pudesse descansar ou fazer seu próprio treino.
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“É importante para mim ter um momento para mim durante o dia, e para ele ter o sono de que precisa”, disse Morgan. “Nunca sinto que estou sozinha nessa. Sinto que estamos fazendo tudo juntos.”
Clinger reconhece que não haveria “força de pai” sem o apoio de Morgan. “Nossas esposas carregam um peso enorme e fazem muitos sacrifícios para que a gente possa fazer o que fazemos”, disse ele.
É o mesmo equilíbrio que acontece na família Linkletter. Jill, que geralmente acorda sozinha com as crianças durante a noite, diz que seu marido está mais presente do que um pai típico que trabalha das 9h às 17h. Linkletter vai e volta de casa várias vezes ao dia, o que facilita sua interação com os filhos entre um treino e outro ou entre sessões de massagem.
Dependendo da fase de treinamento, Jill conta que Linkletter passa de quatro a seis horas por dia com as crianças.
“Assim que ele volta de uma corrida, já entra em ação para ajudar”, disse Jill. Ela mesma acorda antes das 5h da manhã todos os dias para fazer seus treinos e ainda dá aulas de ginástica para mães. Jill sabe que há um tempo limitado em que seu marido poderá competir em nível olímpico, então faz questão de apoiá-lo ao máximo — na certeza de que, se um dia os papéis se inverterem, ele fará o mesmo.
“Você precisa dar tudo de si nesse período que tem”, disse Jill. “E, para mim, está tudo bem. Amo ser mãe.”
Repriorizando o que importa
Olhando para frente, com a Maratona de Boston no horizonte, Linkletter sente que a paternidade acrescentou uma nova dimensão à sua força. Ele ficou mentalmente mais resiliente e mais consciente de suas próprias emoções.
Ter filhos, ele diz, obriga você a trabalhar em si mesmo. Ele tem menos medo de um treino ruim ou de ser paralisado por nervosismo antes das provas. Quando você é responsável por ajudar uma criança a lidar com as próprias emoções todos os dias, começa a prestar mais atenção nos seus próprios altos e baixos.
“Você passa a se preocupar com outras coisas, e acaba tirando o foco de si mesmo. E isso, de certo modo, te liberta”, disse Linkletter. “No esporte, às vezes, você precisa segurar as coisas com uma mão leve. Porque, se apertar demais, acaba sufocando o que é mais importante.”
Além de levar a família para a Europa para uma maratona crucial, Linkletter tenta envolver seus filhos em sua rotina de treinos. Seu filho, agora com três anos, já começou a perguntar sobre as corridas — algo que Linkletter acredita estar ajudando a ensinar os filhos a sonharem grande.
“A melhor maneira de ensinar qualquer coisa a alguém é dando o exemplo”, disse.
Em fevereiro de 2025, Linkletter estabeleceu mais um recorde pessoal na meia maratona, correndo 1h00min57s no Japão. Seis dias depois, embarcou para o Arizona, onde venceu a Meia Maratona de Mesa. Logo após cruzar a linha de chegada, avistou Jill atrás de uma cerca, com a filha no colo. Quando ele se aproximou, a menina sorriu e estendeu o bracinho em sua direção.