Exercício em uma pílula: cientistas prometem remédio tão eficaz quanto correr 10 km

Por Redação

Até que ponto devemos nos animar com a LaKe, substância desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca? Foto: Peeraporn Kwanprom / Shutterstock.

Será que uma pílula pode realmente imitar todos os benefícios do exercício? É o que muitas reportagens parecem sugerir quando falam de substâncias que “podem tornar a ida à academia desnecessária”.

Recentemente, pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, anunciaram que um medicamento chamado LaKe “coloca o corpo em um estado metabólico correspondente a correr 10 km em alta velocidade com o estômago vazio”. Mas o que isso realmente significa? Mesmo que uma pílula consiga replicar alguns dos efeitos do exercício, quão útil isso realmente é?

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Primeiro, o termo mais comum para drogas como a LaKe é “miméticos”, pois elas simulam os efeitos biológicos do exercício sem a necessidade de esforço físico. Essa ideia já existe há algum tempo: em 2008, o Instituto Salk de San Diego apresentou ao mundo uma droga chamada GW501516 (ou apenas 516), que ativa genes para queimar gordura em vez de açúcar, ajudando ratos a correr por mais tempo sem “quebrar”.

Em testes posteriores, dois ratos apelidados de “Rato Preguiçoso” e “Rato Lance Armstrong”, ambos alimentados com uma dieta de pellets gordurosos e açucarados, realizaram a mesma quantidade de atividade física diária. No entanto, o “Rato Lance Armstrong”, que recebeu doses de 516, aumentou significativamente sua resistência e permaneceu mais magro do que o “Rato Preguiçoso”. Uma variante do 516 logo chegou ao mercado negro como agente de doping chamado Endurabol, e a Agência Mundial Antidoping emitiu avisos aos atletas sobre os riscos. Mas outros miméticos já estavam em desenvolvimento.

O Composto 14, anunciado em 2015, começou a ser desenvolvido como tratamento para outras doenças, mas logo os pesquisadores descobriram que ele podia reduzir os níveis de glicose no sangue em jejum, melhorar a tolerância à glicose e promover a perda de peso em camundongos obesos. Desde então, também houve pesquisas sobre o Lac-Phe, uma substância produzida no corpo durante o treinamento de resistência, e uma nova molécula chamada SLU-PP-332, que aumenta o metabolismo e a resistência, ajudando ratos a correrem 50% a mais do que conseguiam antes. Esta última, segundo seu pesquisador principal, instrui os músculos a fazerem mudanças típicas do treinamento de resistência. Isso tem o potencial de ajudar pessoas em dieta a manter a massa muscular durante a perda de peso ou idosos a evitarem a sarcopenia, já que seus corpos respondem menos ao exercício.

A LaKe ainda está na fase de estudos com ratos, então não se sabe ao certo se os resultados se aplicam a humanos. Mas parece que essa substância provoca primeiro um aumento rápido de lactato no corpo – imitando o efeito de um exercício de alta intensidade – seguido por um aumento gradual de um composto chamado beta-hidroxibutirato (BHB). O BHB é uma cetona, ou seja, uma substância sintetizada no fígado a partir de ácidos graxos para fornecer energia ao corpo na ausência de glicose – daí a ideia de “correr com o estômago vazio”.

Essas duas mudanças parecem reduzir os níveis de ácidos graxos livres no sangue e também suprimir o apetite – efeitos que se esperam do exercício em jejum, o que pode ajudar a reduzir o risco de condições como doenças cardíacas, derrames e diabetes tipo 2 a longo prazo. E (ainda em ratos) a pílula não mostra sinais de toxicidade – diferentemente das primeiras versões do 516, que promoviam o crescimento rápido de células cancerígenas nos testes com ratos. Parece promissor, mas será que é tão simples assim?

É difícil dizer. O exercício afeta quase todos os sistemas do corpo, de maneiras complexas que ainda estamos longe de entender (o maior programa de pesquisa dedicado a compreender seu impacto em nível molecular, envolvendo quase 2.600 voluntários, ainda está em andamento). Juntas, muitas das drogas mencionadas acima poderiam imitar alguns desses efeitos – talvez em conjunto com intervenções já aprovadas por governos, como o Ozempic, para promover uma série de benefícios.

Mas qualquer suplemento tem limitações: o exercício é uma experiência de corpo inteiro, com efeitos que incluem desde o aumento da densidade óssea até a melhoria do sono. Ele eleva o humor e a autoestima, além de reduzir o estresse, e parece ter propriedades que protegem contra a demência. Todos esses impactos resultam de interações complexas entre vários efeitos biológicos – e mesmo que a ciência pudesse replicá-los com pílulas, seria muito mais difícil recriar as vantagens psicológicas de correr 5 km com amigos ou bater um novo recorde pessoal no agachamento.

Ainda estamos relativamente longe de encontrar medicamentos seguros que possam replicar os efeitos mais benéficos do exercício em humanos, mas quando eles existirem, provavelmente serão mais úteis para idosos, doentes, pessoas com dificuldades de locomoção ou que, por algum motivo, não conseguem se exercitar.

Esses remédios poderiam ajudar pessoas em recuperação de cirurgias – ou até astronautas, que, mesmo se exercitando em órbita, sofrem com a perda de massa óssea e muscular devido à menor exigência física na microgravidade.

Para o resto de nós, os benefícios de uma caminhada ou de alguns agachamentos são difíceis de mimetizar com pílulas e relativamente fáceis de obter sem elas. Talvez, um dia, possamos “tomar nosso exercício” em forma de pílula – mas, por enquanto, é muito mais fácil sair e colocar o corpo em movimento.

Com informações de The Guardian.