Backyard Ultra: os efeitos físicos e mentais de uma ultramaratona sem fim

Por Alex Hutchinson*

Backyard Ultra
Foto: Oleg Breslavtsev / Getty / Outside USA.

Cientistas recentemente examinaram a fisiologia das Backyard Ultras, formato de corrida cada vez mais popular, onde os atletas correm até desistir

A Backyard Ultra, ou “ultramaratona de quintal”, é uma modalidade peculiar de corrida que não para de ganhar novos adeptos. A prova, idealizada pelo fundador da Barkley Marathons, Gary Cantrell, em 2012, consiste em completar um circuito de 6,7 km (4.16 milhas) a cada hora, somando 160 km em 24 horas, até que você desista. No início, o recorde mundial foi para Harvey Lewis, que completou 108 voltas – equivalente a 725 km em quatro dias e meio.

Agora, algumas semanas depois, Lewis caiu para quarto no ranking após três belgas completarem 110 voltas no Campeonato Mundial de Backyard Ultra, que contou com equipes de 61 países. Cantrell estima que pelo menos 2 mil pessoas participaram de provas oficiais de backyard ultra só neste ano. O que começou como uma corrida de nicho agora se tornou uma forma surpreendentemente popular de testar os limites – o que torna o formato intrigante para cientistas que buscam entender o que define esses limites.

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De fato, o primeiro estudo sobre competidores de backyard ultra foi publicado recentemente no European Journal of Applied Physiology. Conduzido por uma equipe de pesquisadores belgas, liderada por Kevin De Pauw da Vrije Universiteit Brussel, o estudo realizou uma série de testes físicos e cognitivos em 12 competidores (incluindo ao menos um dos novos recordistas mundiais, embora os dados sejam anônimos) antes, durante e depois de um evento de backyard ultra que aconteceu em abril de 2023.

Veja o que eles descobriram.

Backyard Ultras não são apenas sobre limites físicos

É senso comum dizer que as corridas se tornam progressivamente mais sobre o lado mental do que o físico à medida que a distância aumenta. Qual a frequência cardíaca dos competidores antes de atingirem a exaustão? Quanto lactato circulava em suas veias? Não tão alta e nem tanto assim, na verdade. Tanto a frequência cardíaca (medida continuamente ao longo da corrida) quanto os níveis de lactato (avaliados com um teste de sangue a cada quatro horas) permaneceram relativamente constantes ao longo da corrida, caindo ligeiramente no final.

Os competidores completaram, em média, 34 voltas, com uma variação de 14 a 63 voltas. Para comparar entre essa variação, os pesquisadores dividiram os dados em quatro partes para cada competidor. Aqui está o que esses dados mostraram:

Foto: Reprodução / European Journal of Applied Physiology.

O formato peculiar da corrida torna os dados um pouco complicados de interpretar. O ritmo geral é fixo: você precisa correr 6,7 km a cada hora, mas não pode correr mais que isso. Se correr mais rápido, você ganha um tempo extra para descansar – e se alimentar ou ir ao banheiro – antes da próxima volta. Em média, os corredores tiveram 12,4 minutos de descanso ao final de cada volta, variando de 1,1 minuto (bem apertado!) a 25,8 minutos.

Com essa restrição de ritmo, talvez não seja surpresa que a frequência cardíaca e o lactato permaneceram estáveis, mesmo nas fases avançadas da corrida. O ritmo exigido é um pouco mais lento que 8,7 minutos por quilômetro, então a questão não é se suas pernas podem se mover tão rápido; é se você consegue encontrar motivação para pedir que elas continuem se movendo para mais uma volta. “A parte mais desafiadora,” disse Cantrell a England, “deve ser a distância entre a cadeira e o ponto de partida.”

Também não é só sobre fadiga mental

Há muito em jogo no aspecto mental dos backyard ultras. A privação de sono é o fator mais óbvio, com apenas cochilos ocasionais disponíveis por vários dias. Seria extremamente desafiador até jogar Uno por tanto tempo, quem dirá correr 6,7 km a cada hora.

Surpreendentemente, porém, os testes de função cognitiva realizados pelos pesquisadores não mostraram resultados tão alarmantes quanto se poderia esperar. Os competidores realizaram testes simples de tempo de reação a cada quatro horas durante a corrida. Não houve piora significativa ao longo da prova: os efeitos negativos da fadiga e da privação de sono foram compensados pelos efeitos positivos do exercício na função cerebral, segundo os pesquisadores. Após o evento, os tempos de reação pioraram – mas essa desaceleração não foi proporcional ao tempo que os competidores duraram na corrida. Houve algumas mudanças menores em outros testes cognitivos realizados antes e depois da corrida, mas nada que explique por que as pessoas desistem ou o que diferencia os melhores dos demais.

Resistência à fadiga faz campeões

Corredores partem para um loop de 6,7 km durante o Last Man Standing, em Maine, nos EUA. Foto: Portland Press Herald / Contributor / Getty / Outside USA.

Nos últimos anos, houve um aumento do interesse entre pesquisadores em uma característica às vezes chamada de “a quarta dimensão da resistência”, conhecida formalmente como durabilidade, resiliência fisiológica ou resistência à fadiga. A ideia é que medir características como VO2 máximo, limiar de lactato e economia de corrida (as três dimensões clássicas de resistência) no laboratório revela o quão bom alguém é quando está descansado – mas o que determina quem vence corridas longas é quanto esses valores se deterioram com o cansaço.

Em um estudo de 2022, o pesquisador Barry Smyth, da University College Dublin, e seus colegas analisaram dados do Strava de 82 mil maratonistas e avaliaram a razão entre frequência cardíaca e velocidade de corrida ao longo da prova. A ideia é que essa razão fornece uma medida de resistência à fadiga: se sua velocidade em uma determinada frequência cardíaca cai (ou, alternativamente, se sua frequência cardíaca em uma determinada velocidade aumenta), isso sugere que sua fisiologia se deteriorou em relação aos valores iniciais. De fato, Smyth descobriu que maratonistas mais rápidos tendem a ter melhor resistência à fadiga – ou seja, a razão frequência cardíaca/velocidade permanece mais próxima dos valores iniciais por mais tempo.

De Pauw e seus colegas fizeram uma análise semelhante para os competidores de backyard ultra e encontraram um padrão semelhante. Corredores que completaram mais de 35 voltas mantiveram uma razão frequência cardíaca/velocidade relativamente constante ao longo da prova. Mesmo após alguns dias correndo, o ritmo exigido ainda provocava basicamente a mesma frequência cardíaca. Aqueles que completaram menos de 35 voltas, por outro lado, viram sua frequência cardíaca subir na segunda metade da corrida, com um aumento acentuado no quarto final.

Para Backyard Ultras, é o esforço que conta

Esse padrão de resistência à fadiga é interessante, e cientistas sugeriram várias hipóteses sobre como melhorar a resistência à fadiga: maior volume de treino, melhor alimentação, ritmo mais constante. Mas isso claramente não é a única explicação para por que corredores eventualmente desistem em um backyard ultra.

Em vez disso, o maior indício nos dados de De Pauw é, na verdade, bem mais simples: a avaliação subjetiva de esforço, medida em uma escala de 6 a 20 a cada quatro voltas. Esforço é um conceito um tanto nebuloso: uma definição que gosto é que é “a luta para continuar contra o desejo crescente de parar.” É o jeito do seu cérebro integrar todos os sinais recebidos do corpo, mente e ambiente: o quão forte você está respirando, a frequência do seu coração, o quanto está quente… mas também o quão cansado ou entediado você está, se há espectadores torcendo por você, e assim por diante.

No primeiro quarto da corrida, as avaliações de esforço tiveram uma média de 9,7; depois 11,7 no segundo quarto, então 12,5 e 16,0 (correspondendo a algo entre “difícil” e “muito difícil”). Há evidências convincentes de que em exercícios mais curtos, é o esforço e não a dor que chega ao máximo e força você a desistir.

Os novos dados dos backyard ultras sugerem que o mesmo provavelmente é verdade, mesmo em corridas que duram vários dias. Os sinais específicos que fazem o esforço parecer progressivamente mais difícil variam de prova para prova – mas, no final das contas, seja em uma corrida de uma milha ou em um backyard ultra de vários dias, a sensação de que é simplesmente muito difícil continuar se torna uma profecia autorrealizável.

*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside USA.