Antigamente consideradas simplesmente imortais, as sequoias gigantes estão morrendo aos montes em incêndios maiores, mais quentes e longos que em qualquer outro momento da história humana. Salvá-las é possível, mas a gestão dos bosques do oeste norte-americano é uma caixa de Pandora cheia de difíceis escolhas.
Não é que minha família tenha realmente praticado o exercício de escolher uma árvore espiritual para cada um de nós, mas se tivéssemos feito isto, meus pais teriam escolhido sequoias-vermelhas. Meu pai cresceu em Larkspur, Califórnia, na baía de São Francisco, numa casa construída entre sequoias tão grandes que ele, seus três irmãos, e sua irmã juntos não conseguiriam abraçá-las unindo todos os seus braços.
Minha mãe conheceu meu pai em Arcata, na costa norte da Califórnia, onde tinham ido para estudar na Universidade Humboldt State. Humildes, astutos e ansiosos por provar que podiam abrir seus caminhos no mundo, ambos começaram a trabalhar para a antiga madeireira que vendia madeira recuperada de sequoias-vermelhas. Minha mãe classificava tábuas fresadas de acordo com a claridade e a linearidade de seus grãos. Meu pai recuperava troncos de árvores antigas que outras madeireiras tinham cortado e deixado para trás porque era muito difícil recuperá-los.
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Uma vez ele usou um cabo estrangulador e um caminhão imenso para rebocar um tronco mais grosso que uma kombi de um desfiladeiro. O tronco era tão pesado que as rodas da frente do caminhão se levantaram do chão, ameaçando virar meu pai e toda a operação de cabeça para baixo. Quando conta essa história, ele finge ser um personagem da Looney Tunes, dirigindo feliz e distraído até de repente se dar conta de que não há solo debaixo de seus pés. Se meu irmão, Garrett, escolhesse uma árvore agora, seria uma sequoia.
FALTA UM ANO e meio para o incêndio Washburn irromper perto do famoso bosque de sequoias Mariposa Grove, no Parque Nacional do Yosemite, em meados de julho de 2022, e Garrett está dentro do tronco escavado de uma sequoia queimada pelo incêndio Castle.
Aquele incêndio, que começou fora dos Parques Nacionais de Sequoia e Kings Canyon no dia 19 de agosto de 2020, se propagou por uma área de 174.000 acres de Sierra Nevada. A cavidade na base da árvore é tão grande que você conseguiria estacionar um Fiat dentro dela. “Posso ser a única pessoa que já ficou de pé dentro de um buraco como este”, diz Garrett, assombrado ao percorrer com os olhos o tronco chamuscado em direção ao céu azul.
Flutuar pelo rio Colorado ao lado do Grand Canyon costuma ser visto como uma viagem no tempo porque você desliza sobre rochas que já estavam lá quando a terra se formou, 4,5 bilhões de anos atrás. Caminhar por um bosque de sequoias gigantes também é assim, o seu entorno te conecta com uma era antiga e distinta. As árvores são dinossauros vivos, quase literalmente. Elas são descendentes diretos de uma das poucas espécies que sobreviveram ao impacto de um asteroide 66 milhões de anos atrás, evento que alterou o clima global e aniquilou os brontossauros. A linhagem das sequoias avançou lenta e tranquilamente ao longo de milhões de anos desde então. As maiores têm mais de 90 metros de altura e 30 metros ao redor de sua base. Suas cascas têm 60 centímetros de espessura. As mais antigas estão vivas há mais de 3.000 anos e, com seus galhos retorcidos do tamanho de pinheiros maduros, realmente aparentam a idade que têm.
Ao longo da vida de uma sequoia, seu topo pode quebrar e cair, ou um incêndio pode queimar seu tronco e abrir um buraco com forma de caverna, a dezenas de metros do chão. Algumas crescem verticalmente até que um acontecimento natural, como um relâmpago, força um movimento lateral lento que pode levar décadas, formando troncos com formas de Us, Ts ou Js. Cada uma delas é única, e deliciosamente extravagante.
Nenhuma planta ou animal exerceu um impacto tão profundo e imediato na conservação moderna. Estas árvores levaram à criação do Serviço de Parques.
As sequoias maiores têm mais de 90 metros de altura e 30 metros ao redor de sua base. Suas cascas têm 60 centímetros de espessura. As mais antigas estão vivas há mais de 3.000 anos e, com seus galhos retorcidos do tamanho de pinheiros maduros, realmente aparentam a idade que têm.
Em 1864, apenas 12 anos depois de gringos saqueadores darem de cara com um bosque de sequoias durante o auge de violência da doutrina do Destino Manifesto, o presidente Abraham Lincoln e a Califórnia protegeram o Mariposa Grove, lar de 500 sequoias, e o vale do Yosemite. Turistas viajaram para o oeste do país para ver esta exótica forma de vida. “Elas serão mais apreciadas e valiosas daqui a mil anos do que agora, devem portanto, com extremo cuidado e prudência, ser preservadas até então”, escreveu Horace Greeley, editor do New York Tribune, depois de vê-las pela primeira vez.
Parece que tanto nosso cuidado como nossa prudência não foram extremos o suficiente. As sequoias que permanecem, de 50.000 a 80.000, crescem naturalmente em aproximadamente 70 lugares espalhados pelas faldas de Sierra Nevada. O antigo sistema de gestão de incêndios e a mudança climática as condenaram a arder catastroficamente.
Ao longo de seus 1500 anos de vida, a saliência sob a qual Garrett se posiciona, já viu cerca de outros cem incêndios menores, incêndios sobre os quais um alce poderia pastar confortavelmente ou onde uma pessoa poderia jogar amarelinha. Mas os superincêndios modernos podem abranger áreas maiores que alguns dos estados do leste dos Estados Unidos inteiros, com chamas uma vez e meia mais altas do que a altura que esta árvore costumava ter. Depois de aproximadamente 200 milhões de anos no planeta, o que Garrett considerava a maior e melhor coisa que jamais existiu, está agora morrendo devido à negligência humana.
Os olhos de Garrett estão fechados, e ele apalpa a parte de baixo da casca da sequoia, em busca de pulso. Ele tinha sentido isso antes em um exemplar sobrevivente derrubado por um vendaval – um grande volume de água bombeando das raízes em direção a um topo desfalecido sobre o solo, mas não conseguiu encontrar pulso nesta árvore, tampouco em nenhuma das outras 10.000 gigantes que agora se erguiam negras e sem vida no bosque ressecado atrás dele. Quatro meses atrás, mais de 20 por cento de todas as sequoias gigantes restantes viviam aqui. Agora parece que dá para com os dedos da minha mão as que restam.
GARRETT E EU lutamos contra o fogo pela primeira vez juntos. Naquela ocasião éramos adolescentes mochilando por Tuolumne, e nos deparamos com um relâmpago no meio da floresta. Estudantes aplicados das lições do urso Smokey (campanha publicitária norte-americana criada nos anos 1940 para educar sobre o perigo dos incêndios florestais), usamos os calcanhares de nossas botas para criar uma linha ao redor da zona ardente – não maior que uma piscina para crianças – e continuamos a andar.
GARRETT TEM 40 ANOS agora e ele lidera os ecologistas florestais do Yosemite. Ele também é um pragmático “uma incapacidade infantil para observar suas próprias emoções”, de acordo com a própria descrição de si mesmo . Como seu irmão mais novo, sei que isso não é precisamente correto, mas gira em torno da verdade. Pergunte-lhe como ele veio trabalhar no Yosemite e nunca passaria pela sua cabeça que as viagens quase anuais de nossa família para lá, quando éramos crianças, fazendo trilhas durante semanas em Tuolumne e no Vale do Yosemite, lhe deram inúmeras razões para querer voltar.
Ele também não dirá que nossa avó passou sua juventude lá, relaxando em cima das rochas do rio Merced e paquerando jovens que em breve seriam enviados à Alemanha ou ao Japão. Seu relato de como ele acabou comprometido com o Yosemite conta que depois de acabar um mestrado em restauração de ecossistemas durante a recessão de 2008, o único emprego que conseguiria era um que ele não queria: capinar em parques nacionais.
Em retrospecto, Garrett acabaria vendo sua luta, e a do Serviço Nacional de Parques, contra espécies de ervas invasoras como um prelúdio da luta contra a mudança climática em que desempenharia um papel central durante o resto de sua carreira Plantas invasoras bloqueando as nativas são um sinal precoce de que nem tudo está bem no Éden. Durante seis anos, Garrett usou uma motosserra, o herbicida Roundup e seu amplo conhecimento sobre plantas para eliminar cedros salgados e outras espécies invasoras dos principais parques do oeste norte-americano. Ele se tornou ecologista de vegetação do Yosemite em 2013. Oficialmente, o trabalho dele é ajudar a orientar a supervisão de qualquer planta de dentro dos 3.074 quilômetros quadrados do parque. Como os incêndios queimam sobretudo folhagem, sua função também o torna uma peça essencial do programa de gestão de incêndios do parque. Juntos, meu irmão e outros especialistas tentam promover bons incêndios e evitar os ruins.
Garrett nunca imaginou que incêndios florestais representassem uma séria ameaça para as sequoias gigantes. “Elas caem”, ele diz, descrevendo como estas grandes árvores costumam morrer. Foi só em 2015 que incêndios se tornaram causa de alarme por ameaçar sequoias monarcas, como são conhecidas as árvores gigantes que produzem sementes para a próxima geração. Naquele ano, o incêndio Rough matou cerca de cem monarcas nos Parques Nacionais de Sequoia e Kings Canyon. Dois anos mais tarde, outro conjunto de incêndios matou outras 110.
Entre 2013 e 2020, Garrett se tornou o cara a quem o Serviço de Parques recorria quando sequoias eram ameaçadas por incêndios. Depois de dez fogos deste tipo, ele ganhou a reputação de único especialista em plantas disposto a se colocar a si mesmo diante do avanço das chamas. Seus companheiros agora possivelmente chegam a uma centena de pessoas. Três vezes ele orquestrou uma resposta nos bosques do Yosemite depois que os incêndios o forçaram a evacuar sua casa em El Portal, uma cidade do Serviço de Parques perto da entrada de Arch Rock ao vale do Yosemite. Enquanto sua esposa, Erin, que também trabalha no parque, levava rapidamente o filho pequeno deles para entornos mais seguros, Garrett ia em direção às grandes árvores.
Ao longo do tempo, ele criou métodos precursores para proteger as sequoias do fogo. Ele as envolveu com abrigos contra fogo para manter as brasas longe de seus troncos. Instalou sistemas de irrigação nos bosques para incrementar a umidade e diminuir a intensidade do fogo. Limpou os galhos e os restos de folhas acumulados nas cavidades do tronco – chamadas cat faces por sua aparência – durante aos incêndios anteriores para que as árvores não se tornassem chaminés. Uma vez, ele pediu que os smokejumpers, ou “paraquedistas de incêndios”, escalassem 60 metros até o topo de uma sequoia em chamas para lançar água dentro de seu tronco.
Apesar destes esforços, quando a neve finalmente terminou com a temporada de incêndios na Califórnia no final de dezembro de 2020, o futuro das sequóias gigantes parecia terrivelmente sombrio. Um de cada cinco exemplares gigantes tinha morrido apenas nos últimos dois anos. Calcular quanto tempo as restantes permaneceriam de pé não é difícil.
“Cinco anos atrás, ninguém estava disposto a fazer nenhuma das merdas que eu estive fazendo”, diz Garrett. “Agora está bastante claro que se não fizermos nada, não sobrará nenhuma para mostrarmos a nossos filhos”.
Na primavera passada, Garrett me ligou para perguntar se eu o ajudaria a fazer um filme para difundir a notícia. Então meu irmão e eu começamos um projeto para documentar o que estava acontecendo com as árvores ao longo da temporada de incêndios de 2021.
Um de cada cinco exemplares gigantes morreu apenas nos últimos dois anos. “Cinco anos atrás, ninguém estava disposto a fazer nenhuma das merdas que eu estive fazendo”, diz Garrett Dickman. “Agora está bastante claro que se não fizermos nada, não sobrará nenhuma para mostrarmos a nossos filhos”.
É QUASE MEIA-NOITE de um dia de outubro de 2021, e eu estou vendo as chamas escalarem a casca dobrada de uma sequoia gigante cujo tronco é mais grosso que o pilar da maioria das pontes. Estou andando ao longo de uma linha de fogo da largura de uma calçada, poucos quilômetros ao sul da entrada dos Parques Nacionais de Sequoia e Kings Canyon, que desce por uma crista no extremo norte do KNP Complex, um incêndio intratável de 88.307 acres que se espalha sobre a região de maior concentração de sequoias gigantes do planeta, um arvoredo conhecido como Redwood Canyon. Complex é o termo usado quando dois ou mais incêndios se combinam, e este já ardeu perto de Giant Forest e do Muir Grove, destaques dos Parques Nacionais de Sequoia e Kings Canyon. O KNP Complex ameaçava a repetir a destruição causada pelo incêndio Castle, desta vez nos arvoredos mais conhecidos do mundo.
Joe Suarez, superintendente da equipe Arrowhead Hotshots (grupos de cerca de 20 bombeiros criados especialmente para responder a incêndios grandes e de alta prioridade nos Estados Unidos), com base nos Parques Nacionais Sequoia e Kings Canyon, convidou a mim e a dois cinegrafistas para gravar a operação desta noite, porque ninguém nunca tinha filmado sequoias ardendo antes – queimando do chão ao céu. Assim como a famosa foto de Robert Capa de um soldado miliciano sendo atingido no coração por um tiro durante a Guerra Civil Espanhola, talvez a visão de chamas de 60 metros de altura engolindo um destes gigantes majestosos da natureza instiguem o público e os políticos a realizar as mudanças necessárias para salvar as árvores mais antigas do parque.
A meu redor, bombeiros seguram tochas de gotejamento e ferramentas manuais, estão de pé com as costas para as chamas e devaneiam em voz alta sobre as viagens que farão quando a temporada de incêndios terminar. Este é um fogo controlado iniciado para reduzir a quantidade de combustível no caminho do avanço do verdadeiro incêndio. No momento, este incêndio está no cânion de baixo. Ver o fogo atravessar sequoias é como ver a água voltar a fluir por um riacho no deserto que não recebia água há centenas de anos. Depois de um século de supressão agressiva de incêndios, os bosques estão ressecados.
As pinhas das sequoias parecem bombons. Elas guardam 200 sementes cada. Quando um incêndio arde na base da árvore, a seiva cerosa que mantém as pinhas fechadas se derrete, e as sementes caem, dezenas de milhares de sementes flutuando entre a fumaça.
Às vezes, cada uma delas aterrissa nas chamas e todo o material genético acaba cozido. De vez em quando, algumas ou até mesmo muitas sementes pousam onde o fogo limpou o chão e deixou o solo mineral à mostra. Quando o calor arrefece e as chuvas invernais retornam, as mudas de sequoia empurram as cinzas e crescem mais rápido que praticamente todos os seus competidores. Elas são como ervas daninhas. Depois de alguns incêndios, formam camadas espessas como carpetes. Você não consegue encaixar a sola de uma bota entre os talos.
No entanto, a maioria das pequenas árvores acaba morrendo mais cedo ou mais tarde, porque durante uma ou duas décadas depois de um incêndio, o clima é quente demais, ou seco demais, ou frio demais, ou não há luz suficiente, ou outro incêndio passa e queima os bebês antes que qualquer uma das pequenas arvorezinhas tenha alcançado altura suficiente para escapar das chamas mais baixas ou desenvolvido uma casca grossa o suficiente para resistir ao calor de um incêndio. Mas para que um exemplar monarca cumpra sua obrigação para a espécie, é necessário apenas que ao longo de sua vida de 2.000 a 3.000 anos, somente uma das milhões de sementes que ela produz alcance a maturidade, o que leva cerca de 300 anos. A estratégia de sobrevivência das sequoias é uma razão de probabilidade baixa, que depende de realidades que estão mudando mais rápido que a capacidade de adaptação da espécie.
Cientistas observaram recentemente que, intencionalmente ou não, as sequoias regulam a intensidade do fogo aumentando a umidade do bosque. Elas descartam parte dos 2.250 litros de água que sorvem diariamente por meio de suas raízes de volta à atmosfera através de seus estômatos, as células das folhas que as árvores usam para trocar água por dióxido de carbono. Antes, um incêndio costumava arder com maior calor sob algumas árvores e menor sob outras. Antes, costumava acontecer que, no dia especial em que um incêndio finalmente chegava, as probabilidades eram boas o suficiente para que pelo menos uma monarca do bosque tivesse sorte.
As sementes estão caindo das sequoias gigantes agora. Algumas muito provavelmente germinarão na primavera (e depois morrerão devido à seca), mas pode ser que elas germinem sob a sombra das monarcas mortas que as produziram. Se a umidade estiver alta nesta noite no bosque, isto pode não importar. De repente escuta-se um rugido, como o som de um jato decolando. O mundo pulsa em cor de laranja, e uma jovem sequoia desaparece atrás de uma cortina de fogo de 45 metros de altura. O hotshot que está mais perto de mim estica o pescoço, rastreando as centelhas de confete que flutuam para cima. As brasas se misturam brevemente com as estrelas antes de baixarem lentamente pelo cânion.
GARRETT NÃO ESTAVA comigo no KNP Complex. Ele estava trabalhando no incêndio Windy, que ardia no extremo sul da região de maior concentração de sequoias. Ele avaliava a possibilidade de os bombeiros salvarem alguns dos 11 bosques que o Windy ameaçava. Num determinado momento, ele e sua equipe se dirigiram – antes do incêndio – ao Starvation Creek Grove, onde cortaram os pinheiros e abetos menores que estavam embaixo das sequoias gigantes. Eles tinham limpado apenas quatro sequoias quando um chefe dos bombeiros chamou Garrett pelo rádio e lhe disse “saiam daí agora”. O incêndio tinha saltado as faixas de contenção; a equipe dirigiu de volta ao acampamento com uma parede de chamas flanqueando o caminhão.
Quando Garrettt retornou ao Starvation Creek, uma semana mais tarde, a cabeça do incêndio tinha seguido em frente. O vento retorcia uma poeira demoníaca de cinzas sobre o carvalho que queimava lentamente. Com uma motosserra, ele cortou e removeu três árvores que tinham caído sobre a estrada. Bem antes de chegar ao bosque, ele pôde ver as silhuetas negras das sequoias contra o horizonte azul, fumaça serpenteando de seus topos. Das 160 árvores do bosque, apenas as quatro que sua equipe tinha limpado sobreviveram. As outras eram como os contornos de giz que a polícia desenha no chão, disse Garrett. “Nenhuma agulha. Nenhuma pinha. Nenhum galho”.
O destino das sequoias gigantes está quase todo nas mãos de alguns poucos gestores intermediários, que trabalham em alguns poucos parques e que navegam por leis ambientais enigmáticas e sistemas de financiamento atados a concessões públicas.
ESTAMOS NO FINAL DE MAIO DE 2021, e Joe, o superintendente dos Arrowhead Hotshots, está despejando diesel com uma tocha de gotejamento ao redor da base de um pinheiro. Turistas, de longe a coisa mais perigosa que há aqui, passam dirigindo, olhando fixamente para a fumaça branca que flutua vagarosamente pelas paredes do El Capitan.
Não é nenhum segredo que a melhor forma de lidar com incêndios florestais é reduzir o combustível disponível. Mas poucos administradores de terras têm gosto pelo risco que incêndios controlados envolvem, e têm ainda menos paciência ou pessoal necessário para realizar este trabalho em escala significativa. Queimadas prescritas foram utilizadas em 35.000 acres da Califórnia no ano passado; os incêndios florestais queimaram 2,5 milhões.
A equipe de incêndios do Yosemite levou três anos para se preparar para esta queimada programada de 200 acres. Falou-se sobre a possibilidade de realizar um similar no bosque de sequoias de Merced Grove desde 1970. Queimadas prescritas requerem o cumprimento de leis ambientais, e levantamentos sobre as espécies ameaçadas e a presença de artefatos arqueológicos têm que ser feitos, o que pode levar anos para se completar.
Elas também demandam um conjunto de condições climáticas únicas: seco o suficiente para que o fogo se propague, mas não tão seco que ele escape; com vento suficiente para levar a fumaça para longe das comunidades mais próximas, mas não tão ventoso a ponto de fazer as chamas explodirem. Quando Joe começou sua carreira nos anos 1990, a Califórnia tinha duas temporadas de queimadas, primavera e outono. Agora o outono é o pico da temporada. Em todo o estado, há mais ou menos uns dez dias ao ano com um clima seguro o suficiente para uma queimada prescrita. Este é um destes dias, e como na maioria deles, as condições mudam excessivamente rápido.
Durante a tarde do segundo dia, os pontos de fogo tinham superado a área delimitada para a queimada na base do El Capitan, e os bombeiros encerraram a operação bem antes de alcançar a superfície total prevista. O risco a curto prazo era muito alto. Três milhões e meio de turistas visitaram o vale do Yosemite no ano passado, e esta paisagem icônica movimenta o equivalente a um bilhão de dólares em infraestrutura. Até agora os bombeiros foram bem-sucedidos ao mantê-la longe de incêndios destruidores; é melhor apostar que eles continuarão conseguindo ao invés de correr o risco de enfrentar a situação caótica nas relações públicas ocasionada com uma queimada acidental de algum dos recursos do vale. As pessoas podem aceitar desastres que elas consideram naturais. Acidentes são outro assunto.
Joe encolheu os ombros diante da notícia de que tinham encerrado a queimada. Era o esperado. Na Califórnia, incêndios controlados são, sobretudo, assunto levantado por jornalistas como eu. Joe começou a lutar contra o fogo em 1994. Nas quase três décadas desde então, enfrentou várias centenas deles e viu como foram se transformando em algo novo e aterrorizante. Ele trabalhou no incêndio Cerro Grande, de 2000, que provocou um desastre para seguradoras ao ameaçar o Laboratório Nacional Los Alamos, no Novo México, e acabar atingindo a cidade e causando danos refletidos em um bilhão de dólares em fianças.
Ele estava na linha de fogo quando o incêndio Camp destruiu a cidade de Paradise, Califórnia, em 2018 (pelo menos 85 mortos; 14.000 casas perdidas) e quando as chamas arrasaram Napa, o condado do vinho, em 2017 (44 mortos; 8.900 casas perdidas) e quando elas destroçaram subúrbios na costa central naquele mesmo ano (dois mortos; 1.000 casas perdidas). Estava em San Diego em 2003 (15 mortos; 2.323 casas perdidas), e em Redding em 2018 (8 mortos; 1.000 casas perdidas). Ele enfrentou um incêndio que cobriu uma área de um milhão de acres – o incêndio Dixie, de 2021 – e presenciou os primeiros incêndios jamais registrados na história que estenderam suas chamas por todo o caminho entre a região do vale central da Califórnia, conhecida como Central Valley, até (e mais além) da crista de Sierra Nevada. Ele tinha lutado contra o incêndio Rough, que atraiu pela primeira vez a atenção dos cientistas sobre a vulnerabilidade das monarcas, e contra o incêndio Castle, logo em seguida. Eu escrevi sobre a maioria destes incêndios, usando-os como exemplo para a pior crise de queimadas do oeste dos Estados Unidos. Joe sobreviveu a eles. Mas viver na linha de fogo estava cobrando seu preço.
“O que a natureza está fazendo não é natural”, ele diz.
Joe tentou abandonar o hotshotting dois anos atrás, depois de Bryan Hughes, um companheiro de equipe e amigo íntimo, morrer enquanto os Arrowhead Hotshots lutavam para manter o incêndio Ferguson fora do Yosemite. O topo de uma árvore morta pela seca e pelos besouros se quebrou e caiu na cabeça dele. Joe ficou afastado durante um ano depois da morte de Hughe, tentando descobrir como não se culpar por uma tragédia que ele não tinha feito nada para ocasionar. O ano acabou sendo um fracasso a este respeito, e ele voltou aos incêndios porque este mundo é seu mundo e esta gente é sua gente. Não foi fácil.
“Não quero dizer que não seja tão divertido como costumava ser”, diz Joe. “Mas acho que sempre acabávamos com a sensação de que tínhamos ganhado, e agora estamos perdendo”.
O fogo na Califórnia é um predador de ponta. Quando o sistema está equilibrado, ele queima o que é jovem e fraco. Quando o sistema está desequilibrado, como agora, controlar a fera pode ser impossível se ela está faminta e tudo entra no cardápio.
CHRISTY BRIGHAM, diretora de ciência do Sequoia e Kings Canyon, e Garrett estão de pé na frente de um anexo que os bombeiros conseguiram salvar das chamas do incêndio Castle, sob a sombra irregular de uma árvore de 2.000 anos que eles não salvaram. Os bombeiros protegem a vida e a propriedade antes de qualquer outra coisa – mesmo que sejam buracos feitos apenas para cagar, contanto que estejam rodeados por paredes. Escutar os dois compararem pontos de seus trabalhos deixa claro que o destino das sequoias gigantes está quase inteiramente nas mãos de alguns poucos gestores intermediários, que trabalham em alguns poucos parques, que navegam por leis ambientais enigmáticas e sistemas de financiamento atados a concessões públicas. Se a morte das sequoias é produto de um impasse norte-americano, a sobrevivência delas acontecerá graças à tenacidade de alguns poucos indivíduos.
A conversa de Garrett e Christy enfatiza a realidade de suas vidas e de seus trabalhos. Eles mencionam como uma centena de anos de supressão de incêndios e o término forçado do manejo indígena do fogo alteraram completamente as florestas de Sierra Nevada, que deixaram de ser lugares com árvores amplamente separadas e vegetação baixa reduzida – que pegavam fogo à baixa intensidade uma vez a cada 15 ou 30 anos – para se tornarem barris de pólvora a ponto de explodir a qualquer momento. Falam de como a indústria madeireira que prosperou e depois faliu instaurou um regime de replantação que priorizou pinheiros de crescimento rápido e transformou grande parte de Sierra Nevada, antes lar de algumas das florestas de maior biodiversidade do mundo, em uma monocultura de árvores aproximadamente do mesmo tamanho e idade. Como ovelhas e gado vagaram pelas montanhas, desnudando-as da relva que alimenta os incêndios de baixa intensidade. Como árvores jovens que não teriam sobrevivido às queimadas mais frequentes cresceram, se espicharam e se juntaram, até a competição pela escassa água disponível ocasionar um surto de besouros que acabou com 163 milhões de árvores de 2010 a 2019.
Como todas aquelas árvores que morreram de pé agora estão caindo, criando enormes quantidades de gravetos debaixo das árvores que sobreviveram à seca anterior mas que estão agora morrendo porque a seca atual é mais intensa que qualquer outra ocorrida na Califórnia nos últimos 1.200 anos. Como redes de alta tensão e campistas estão produzindo faíscas que incendeiam encostas de montanhas inteiras nos momentos piores e de maior vento. Como políticos destroem o estado administrativo, despejando trilhões de dólares nas forças armadas e ajustando os orçamentos relativamente pequenos das agências de gestão da terra enquanto enfrentavam problemas que cresciam de forma desmesurável. Como os efeitos da mudança climática chegaram 80 anos mais cedo do que qualquer pessoa esperava. E como tudo isso explica porquê incêndios de alta-intensidade estão ardendo com uma frequência quatro vezes maior que um século atrás.
“Os próximos dois anos podem ser ruins num sentido que jamais vivenciamos”, diz Garrett. O Serviço de Parques sabe o que está por vir. Depois de 60 anos tentando andar para trás ao gerenciar suas terras para que elas sejam o que o conservacionista Starker Leopold, que inventou a filosofia guia da agência do final dos anos 1960 até 2021, chamou de “vinhetas da América primitiva”, o Serviço de Parques mudou de caminho para reconhecer oficialmente que os gestores do parque devem intervir de formas consideradas opostas à sua missão há apenas dois anos. A nova diretiva pede que o público abra sua mente a todas as coisas, do desbaste mecânico à extração limitada de madeira. “Vimos o decorrer dos fatos quando não se fez nada”, diz Christy. “Foi terrível. Milhares de árvores de 2.000 anos de idade foram queimadas num instante”.
“Já não nos acontecerão coisas boas”, diz Garrett.
Recentemente, o Serviço de Parques deu prêmios a Garrett e Christy em reconhecimento por seus trabalhos com visão de futuro para a preservação das sequoias. A estratégia de Garrett é expandir os corta-fogos e preparar as florestas para queimadas e incêndios prescritos com um desbaste limitado como objetivo. Para isolar o Yosemite de incêndios piores, ele está começando pelos 80 quilômetros de estradas que passam entre as sequóias do parque e pelos sopés inflamáveis das montanhas que vão em direção oeste, onde os incêndios recentes mais destrutivos começaram. Em oito meses, a madeireira que ele contratou retirou com um caminhão 14.000 toneladas de biomassa, a maior parte dela árvores que morreram devido à seca, e as levou às fábricas de cogeração que queimam a vegetação para produzir energia para 1.300 lares ao ano. Eles concluíram apenas 10 quilômetros de estrada, podando 60 metros de calçada.
O projeto, que custou US$ 19 milhões e levará sete anos para se completar, é exatamente o que tem que ser feito para proteger as sequoias contra futuros incêndios. (Ampliá-lo aos nove milhões de acres das florestas que precisam de restauração custaria US $9 bilhões e levaria nove anos).
Enquanto isso, nos parques que supervisiona, Christy quer plantar sementes de sequoia no bosque silvestre onde o incêndio Castle ardeu com tamanha intensidade que a ressemeadura fracassou. Sem intervenção, os bosques de sequoia podem ser apagados da paisagem para sempre. Ela também considera o uso de sementes de árvores mais resistentes à seca nos arvoredos mais ao sul. Mas fazer uma floresta futura que pareça em algo com a do passado ainda requer o cumprimento das leis ambientais, mesmo numa era que Christy vê como uma crise.
Garrett nunca imaginou que incêndios florestais representas sem uma ameaça séria para as sequoias gigantes. “Elas caem”, ele diz, descrevendo como essas grandes árvores costumam morrer. Apenas em 2015 que os incêndios se tornaram causa de alerta por ameaçá-las.
“O Decreto da Água Limpa. O Decreto de Política Nacional do Meio Ambiente. O Decreto Nacional de Preservação Histórica. O Decreto de Espécies Ameaçadas e em Risco de Extinção. Leis fantásticas todas elas”, diz Christy. “Mas foram criadas numa época em que a principal ameaça eram pessoas fazendo coisas ruins – extraindo madeira, garimpando. Agora, a principal ameaça é a inação. A burocracia é lenta. Os incêndios florestais são rápidos. E a burocracia precisa ser infinitamente mais rápida se quisermos persistir e não perder tudo que nos resta”.
Naquela noite, Christy foi para casa; Garrett e eu dormimos debaixo das sequoias gigantes. Acendemos uma fogueira e a mantivemos pequena, queimando apenas alguns gravetos.
O FOGO NA CALIFÓRNIA é um predador de ponta. Quando o sistema está equilibrado, ele queima o que é jovem e fraco. Quando o sistema está desequilibrado, como agora, você pode construir caixas onde deixar o fogo fora e caixas onde deixar o fogo dentro, mas controlar a fera pode ser impossível quando ela está faminta e tudo entra no cardápio.
ESTOU ENCOLHIDO atrás do quebra-vento do caminhão que aluguei enquanto brasas do tamanho de um punho estouram sobre o asfalto. Elas atravessam a estrada, tilintando como cacos de vidro. O fogo de retaguarda se expandiu pela colina e eu estou agora na estrada que Joe esperava usar para limitar o KNP Complex. Não está indo bem. O calor ascendente proveniente do incêndio inferior se mistura com o vento que sopra ladeira abaixo atrás de nós, e o ar remoinha em círculos de sentidos alternados. De repente, brasas agarradas por um pequeno tornado giram através da estrada. Um tronco sem vida começa a arder. Os hotshots saem correndo. Quatro deles escalam um rochedo com uma mangueira e encharcam o tronco antes do fogo se instaurar em ambos os lados da equipe.
Eles conseguem neutralizar o fogo neste ponto, despejando o equivalente a um caminhão inteiro de água, mas ele continua vivo. O fogo tinha ganhado ímpeto. Agora avança rapidamente em direção ao alto de um canyon, tão espesso devido às árvores mortas e às sequoias enfraquecidas pela seca que o calor empurra uma coluna de fumaça para cima numa inversão térmica às três da madrugada. À medida que a fumaça se eleva, o fogo se eleva com ela.
Minha última visão de Redwood Canyon é de um mirante na estrada. Me inclino sobre um muro de pedra e olho para baixo enquanto as sequoias ardem uma depois da outra. Elas começam lentamente. O fogo rasteja pela base de pinheiros que servem de escada. Os galhos mais baixos da sequoia começam a arder, depois os mais altos. A árvore inteira é engolida, e chamas espiraladas se elevam dez metros acima do topo da árvore, numa coluna de fogo de mais de cem metros de altura. Consigo escutar o fervilhar do fogo a 800 metros de distância.
ÁRVORES CAPTURAM 70 por cento do carbono que armazenam durante sua segunda metade de vida. As sequoias monarcas, e suas primas irmãs, as sequóias-vermelhas, são capazes de armazenar mais carbono que qualquer outra árvore do planeta. Uma monarca madura pode armazenar a mesma quantidade de carbono que 250 árvores de outras espécies. E assim como estas outras espécies, as monarcas o liberam quando queimam.
PRESTON LESLIE é o dono da madeireira que Garrett contratou para remover pequenas árvores das encostas da floresta de Mariposa Grove. Ele está dirigindo ao longo de seu projeto, ao lado de grandes quantidades de troncos cortados dentro do parque. Veículos de uma das faixas de circulação se acumulam atrás de sua placa de “PARE”, e um trator feller buncher – um tipo de colheitadeira para troncos – está abaixo dos carros, cortando ainda mais árvores.
Preston, que tem 50 anos, cresceu cortando troncos aqui. Ele dirigia caminhões em estradas de terra aos 14 anos, e ama contar histórias dos velhos e bons tempos, quando havia centenas de serrarias na Califórnia. Agora existem cerca de 30. Ele considera a si mesmo um ambientalista, mas “não do tipo que você está pensando”, ele diz. Na opinião dele, o aproveitamento da madeira que ele faz salva as florestas da Califórnia desbastando-as antes da chegada do fogo.
Ele culpa de forma correta, embora incompleta, a coruja-pintada e a administração Clinton pelo fim da exploração madeireira em terras públicas; e ignora a parte em que o Senado aprova, em 1973 e por unanimidade, o Decreto de Espécies Ameaçadas, pelo menos em parte porque as madeireiras tinham passado o século anterior inteiro dizimando florestas sem consideração ética alguma pela terra. Grandes comerciantes de madeira ficaram ricos; o público pagou o preço. E um subproduto daqueles anos desagradáveis em que o governo apoiava o excesso é o movimento meio-ambiental moderno que ainda vê qualquer motosserra num bosque como retorno a um passado criminoso.
O trabalho que Preston está fazendo para Garrett faz com que sua empresa embolse US $9.000 por dia pelo trabalho de nove pessoas ao mando de cinco máquinas colheitadeiras e dois caminhões. É uma considerável redução no que ele ganha vendendo a madeira que retira das terras públicas que ele arrenda do Serviço Florestal. Mas, diferente da extração de madeira, é um trabalho estável.
“Garrett mexe seus pauzinhos com as subvenções, então eu consigo dinheiro garantido”, diz Preston. “Eu poderia ganhar mais se o Serviço Florestal levantasse a bunda da cadeira e colocasse mais madeira à venda, mas eles não fazem isto”.
Sua visão de um futuro melhor seria colocar madeireiras infra-utilizadas em cidades madeireiras empobrecidas, onde voltariam a trabalhar nos bosques – não cortando troncos, mas “limpando o desastre em que esta zona se encontra”, diz Preston. Acontece que esta visão combina intimamente com a de Garrett e Christy. Acontece que o governo da Califórnia também concorda em grande parte. No ano passado, funcionários públicos do estado reservaram US $536 milhões para projetos como o Mariposa Grove. Enquanto isso, na primavera passada a administração Biden financiou uma ordem executiva dizendo às agências de administração da terra para intensificar ao máximo o ritmo e a escala de projetos abrangendo ecossistemas inteiros – redução de combustível seguido por queimadas prescritas – e o Serviço Florestal lançou um plano de dez anos que prioriza, pelo menos no papel, a resiliência do fogo ao invés de sua supressão.
Estes decretos não alteram as leis ambientais, é claro, nem mudam o zeitgeist dos grupos conservacionistas e do público em geral cujas ideias sobre a proteção da vida selvagem não avançaram desde a década de 1960. Aquelas ideias tendem a se referir a um lugar que existe fora da influência do homem. Nunca existiu tal lugar neste país, e certamente ele não existe agora.
As mudanças chegarão lentamente. Ainda demandarão que ambientalistas lutem as batalhas do passado para se adaptar ou, o que é mais provável, envelhecer. No curto prazo, esta resistência fará com que o progresso chegue tarde demais para preservar muitos lugares ameaçados pela destruição. Alguns acreditam que tudo bem, que a natureza encontrará seu equilíbrio.
E que quando isto acontecer, será o equilíbrio certo para as gerações que estão por vir. O que me assusta sobre esta perspectiva – chame-a de negacionismo – é que ela ignora tanto a ciência que diz que a natureza é rápida se tornando tóxica para nossa espécie e para quase todas as outras, e a pura verdade de que ações direcionadas reduzem o impacto da mudança climática sobre os seres vivos.
NO COMEÇO DE uma tarde de maio de 2022 perto da minha casa no Novo México, estou empurrando meu filho de cinco anos, Bridger, numa balança de corda presa num pinheiro ponderoso que é tão alto quanto qualquer outra árvore do estado. Uma luz sépia atravessa a fumaça proveniente de um dos muitos incêndios em processo que em breve farão deste o pior ano do estado em recorde de incêndios. Nossa família será evacuada dentro de poucos dias.
Meu telefone soa repetidas vezes com mensagens de texto de amigos preocupados (“É tão devastador”. “Diga-nos como podemos ajudar”).
“Sobre o que se trata sua matéria?”, Bridge me pergunta. Tenho trabalhado bastante ultimamente.
“É sobre as sequoias”
“O que sobre elas?”
“Como elas estão morrendo”
“Ah, por isso você tem que sair e ver os grandes incêndios, como aquele lá?”. O incêndio Cerro Pelado começou uma semana atrás e está agora a oito quilômetros da nossa casa. Bridger costumava ter pesadelos com incêndios. Agora sua irmã mais nova, Tallie, também está sonhando com eles.
“Eu sei”, eu digo. “Como você se sente sobre isso?”.
“Não quero que você chegue perto deles”.
“Eu apenas tiro fotos e escrevo notas sobre estas grandes árvores antes que elas morram”.
“Mmm. Eu quero ver as sequóias antes delas irem embora”.
“Eu quero que você as veja”.
“Ei, papai?”.
“Sim”.
“Você acha que nossa casa vai pegar fogo?”.
“Eu não sei, Bridge”.
“Ok. Posso pegar este graveto e lançá-lo da balança?”.
“Sim, você pode fazer isto”.
A maior parte dessa terra jamais se recuperará. Há muito trabalho, poucos trabalhadores capacitados para realizá-lo, muito risco para acender queimadas prescritas e o Congresso não pagará por isso.
ESTAMOS EM NOVEMBRO de 2021, um mês depois do incêndio KNP Complex finalmente se extinguir, e eu estou num avião voltando para Redwood Canyon. Não sou um correspondente de guerra, mas escrever sobre incêndios e desastres climáticos pode ser brutal. Escrevi uma reportagem sobre o terrível incêndio que matou 19 bombeiros no Arizona em 2013. Coletar declarações de suas esposas e familiares me atormenta desde então, e as matérias sobre incêndios que escrevi depois nunca foram mais fáceis que aquela. A maioria delas envolveu mortes.
Esta matéria não, pelo menos não ainda, e estou grato por isso. Voltar a Redwood Canyon para contar as sequoias que morreram, o que estamos fazendo agora, já parece nefasto o suficiente. Suportar o testemunho da morte massiva de árvores que se enraizaram quando havia apenas 50 milhões de pessoas no planeta dá a sensação de estar vendo a Califórnia de joelhos.
Se as sequoias gigantes desaparecerem, elas levarão junto as florestas da qual fazem parte. E quando as florestas se forem, me parece impossível que uma matéria sobre a morte de árvores não acabe se tornando uma matéria sobre a morte de pessoas.
DEPOIS DE SOBREVOAR Sierra Nevada, minha visão desde o assento de passageiro é do vale central da Califórnia. A noite está incandescente. O estado inteiro é alimentado por uma eletricidade que se move dentro de fileiras de cabos saídos de represas nas montanhas, percorrem o entorno mais inflamável do planeta e terminam nas cidades da costa. Quarenta milhões de pessoas moram na Califórnia, mais que em qualquer outro estado norte-americano.
Um certo dia, muitas delas estão se deslocando a bordo de carros alimentados por fogo, levando fogo em seus bolsos, cozinhando com fogo em suas casas. Na década passada, um de cada oito acres da Califórnia pegou fogo, a maioria deles depois do fogo saltar de mãos humanas e cair sobre a terra. No entanto, os gestores da terra continuam não se beneficiando da possibilidade passageira de produzir incêndios prescritos, com o apoio de centenas de bombeiros profissionais, devido ao medo do que poderia acontecer se eles saíssem do controle. A maioria deles não sai, mas alguns sim. Como aconteceu com dois incêndios no Novo México, o Calf Canyon e o Hermit ‘s Peak, ocasionando a maior queimada da história do estado, cerca de 350.000 acres. Este erro em particular foi odioso, e um processo judicial é iminente. Várias centenas de casas foram perdidas.
O Serviço Florestal identificou 82 milhões de acres de florestas que requereriam restauração para voltar a serem como eram quando o homem branco lançou os olhos sobre elas pela primeira vez (um ponto de referência equivocado mas, estando na América, é o que se utiliza). A realidade é que a maior parte desta terra jamais se recuperará. Há muito trabalho, poucos trabalhadores capacitados para realizá-lo, muito risco para acender queimadas prescritas, e o Congresso não pagará por isso de jeito nenhum.
Também tem o fato de que a agência que é realmente responsável por incêndios prescritos se recusa a conduzir esta questão. A gestão de florestas é uma caixa de Pandora de escolhas ruins. Mais do que oferecer esta explicação dura embora necessária ao público depois do desastre do Novo México, o Serviço Florestal publicou uma moratória míope e politicamente conveniente sobre queimadas prescritas que não mudará nada.
Diante da ausência de vontade ou coragem necessárias para transformar nossas florestas de uma forma que nos permitirá viver com o fogo, o que acontecerá é exatamente o que está acontecendo (de novo) no Yosemite agora mesmo. Apesar dos esforços heroicos e dos gestos extraordinários dos bombeiros, os incêndios continuarão abrindo buracos nos bosques e produzindo incrementos de um milhão, meio-milhão e um-quarto de milhão de acres aos já existentes.
Num momento desconhecido do futuro, as novas florestas estarão tão arrasadas pelas cicatrizes dos incêndios que os incêndios se auto-regularão e voltarão a diminuir de tamanho, porque o combustível deixará de ser tão contínuo. Nessa altura, as cidades e infraestruturas que estiverem no meio do caminho terão se queimado. A composição de animais e plantas dos bosques terá se rearranjado completamente. Muitos terão se extinguido. A natureza terá alcançado um novo equilíbrio.
E, no entanto, embora seja algo previsível, não justifica a inação.
ÀS SEIS DA MANHÃ do dia seguinte ao meu voo, está chovendo forte no vale central. Nas montanhas, onde estou, está nevando. Mas os sopés das colinas estão verdes debaixo dos pessegueiros e carvalhos vivos, e parece um lugar completamente diferente daquele de um mês atrás, quando a relva estava marrom e quebradiça e o vale central tão cheio de fumaça que doía respirar.
Os caras com quem estou fazendo o documentário ouvem um podcast sobre um site que ensina as pessoas a se suicidarem. Não posso escutar. O tema faz com que eu me contorça. Então coloco fones de ouvido e me distraio lendo uma reportagem da New Yorker sobre a COVID no Novo México. Tinha sido escrita por um médico frustrado com seus pacientes. Eles o procuravam à beira da morte. Ele tinha parado de perguntar porque não tinham tomado a vacina que teria salvado suas vidas, porque nenhuma resposta que dessem alteraria o resultado. Ao invés disso, ele as deixava o mais confortáveis possível enquanto morriam mortes evitáveis.
NÓS NÃO IREMOS ao Redwood Canyon hoje. A neve e a chuva promoveram deslizamentos de terra sobre a General ‘s Highway, e a rodovia está fechada. Então, ao invés disso, gravaremos dentro de Grant Grove, um grupo de várias centenas de sequoias que inclui a General Grant, a segunda maior árvore do mundo em volume, com 80 metros de altura (A General Sherman, outra árvore da região, nomeada durante a Reconstrução, é maior).
Somos as únicas pessoas por aqui. O bosque está em silêncio, e eu me esforço para escutar o som dos flocos de neve caindo. Um veado caminha ao redor da General Grant. Leroy Grafe, o cameraman, se afasta, esperando conseguir um registro do animal pastando ao lado da árvore gigante com a neve que cai presa nos sulcos de sua casca. Se existe um momento mais solene para estar em um bosque de sequoias, o desconheço.
Leroy é um cara do contra que acredita que a maioria das narrativas que contamos a nós mesmos ignora fatos inconvenientes. Quando ele retorna, alguma coisa sobre estar neste lugar, neste momento, nos leva a grandes ideias. Na faculdade, ele teve aulas sobre povos ancestrais norte-americanos e ecologia, e falamos sobre como eles se moveram pela terra ao longo do tempo. Evidências arqueológicas e ecológicas sugerem que o povo Clóvis, por meio do advento de pontas de rocha grandes e originais que usavam para caçar, provavelmente tenham contribuído com a extinção dos mamutes do continente 12.500 anos antes dos euro-americanos riscarem os bisontes das planícies com seus rifles e ganância.
Edward Osborn Wilson escreveu que não por acaso, a época de maior biodiversidade da história do mundo foi 60.000 anos atrás – a mesma era em que os humanos apareceram como espécie. A história da humanidade é feia e desorganizada. Estivemos desmantelando ecossistemas desde que emergimos deles. A diferença agora é que industrializamos o processo e deixamos a natureza sem trégua.
SISTEMAS ECOLÓGICOS são como nossos corpos no que diz respeito a como suas funções dependem de uma gama estreita e estável de condições. Pense em como você se sente quando está correndo a uma temperatura de 38oC, apenas dois graus acima do normal. É essencialmente o que a terra está vivendo agora, e isto explica o aumento recente dos desastres naturais: inundações, incêndios, ondas de calor, furacões.
Mesmo que a humanidade seja bem-sucedida em realizar um esforço global unificado para restringir a emissão de gases de efeito estufa, no melhor cenário – como explicado por um estudo recente publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences – os ecossistemas de nosso mundo estariam passando por algo parecido com uma febre de 40oC. Ampliar esta analogia à pior das hipóteses, a única que acompanha nossas emissões atuais mais de perto, parece uma opção excessivamente desalentadora para ser contemplada.
O DESPONTAR DO dia é frio. Há 15 centímetros de neve sobre o chão. Uma nuvem baixa paira sobre os topos das sequóias queimadas. O departamento de transporte fechou a estrada que leva ao centro do Redwood Canyon, onde o KNP Complex alcançou maiores temperaturas. Mas o parque nos deixou acompanhar Joe até a parte do bosque que não tinha ardido a temperaturas excessivamente altas. Parece muito melhor do que esperava. Mesmo desde a estrada, posso ver o topo de sequoias vivas elevando-se 15 metros acima dos pinheiros queimados.
Pense em como você se sente quando está correndo a uma temperatura de 38oC, apenas 2oC acima do normal. É essencialmente o que a Terra está vivendo agora, e isso explica o aumento recente dos desastres naturais.
No final das contas, entre 1.300 e 2.300 sequoias gigantes morreram em Redwood Canyon, cerca de 20 por cento do total de vítimas do incêndio Castle. Por causa do fogo de retaguarda de Joe e de sua vontade de transformar incêndios ruins em bons, e também devido aos recentes incêndios prescritos no bosque, cerca do mesmo número, ou mais, sobreviveu. Desde 2015, em torno de 65 por cento das sequóias gigantes da Califórnia já viram chamas. Garrett e Christy veem isto como uma oportunidade. É pouco provável que árvores que queimaram e sobreviveram voltem a vivenciar fogos de alta intensidade até que a floresta volte a se tornar inflamável, dentro de outros 11 anos. Incêndios florestais realizaram em sete anos o que pessoas nunca teriam conseguido com incêndios prescritos. A questão agora é se Garrett e Christy poderão se agarrar a esta pequena vantagem que a natureza lhes deu.
PESQUISADORES DE INCÊNDIOS ainda não anunciaram como o último super incêndio que ameaçou as sequóias começou. Mas a primeira fagulha surgiu numa quinta-feira, 7 de julho, depois de várias semanas em que o clima no Yosemite não trouxe raios. Ele começou ao longo de uma trilha percorrida naquele dia por milhares de turistas, que sobe do estacionamento de serviço do Mariposa Grove em direção a 500 das maiores árvores do planeta. Poucas horas depois da ignição, o incêndio Washburn já tinha se espalhado por diversas centenas de acres, e proteger as sequoias se tornava novamente uma prioridade nacional.
Até mesmo enquanto o fogo crescia em saltos de centenas e depois de milhares de acres, aparecendo em alguns lugares através do topo de pinheiros e de cedros-do-incenso, havia algo distinto desta vez. Isto é o que o Serviço de Parques tinha se preparado para enfrentar. O bosque tinha sido queimado por 21 incêndios prescritos ao longo dos últimos 50 anos. Quando o incêndio Washburn chegou perto destas áreas e dos lugares que tinham sido desbastados por Preston e Garrett, as chamas diminuíam Elas ficavam menores e manejáveis. Sementes saíam das pinhas das sequoias e flutuavam por meio da fumaça aos milhões. E a probabilidade é bastante alta de que, quando as chuvas retornem, em algum lugar do bosque de árvores que representa a ideologia por trás do Serviço de Parques, algumas dezenas de sequóias gigantes voltem a ter sorte.
DURANTE A CHUVOSA PRIMAVERA, meses antes do Washburn começar, o Serviço de Parques realizou um seminário de treinamento opcional no Auditório East do Yosemite, uma sala abobadada de concreto e sem janelas no vale do Yosemite. A sessão era sobre o problema da mudança climática. Cético, Garrett compareceu.
O mestre de cerimônias colocou quatro itens em um círculo no centro da sala e pediu aos dez participantes que escolhessem um que simbolizasse seus sentimentos sobre a mudança climática e depois compartilhassem um pouco de suas razões com os demais. O graveto representava raiva. A pedra representava medo. A tigela representava vazio. E a folha de carvalho representava pesar. Quando chegou a vez de Garrett, ele escolheu a folha e, segurando-a, tentou dizer aos presentes que ele era responsável pela proteção das sequoias do Yosemite. Que a burocracia e a logística eram as armas que ele empunhava para defender estas grandes árvores da mudança climática.
Mas sua voz o deixou na mão. Ele tinha descoberto recentemente que seu trabalho poderia parar devido a um grupo ambientalista, o Earth Island Institute, que processava o parque pelo que insistiam ser extração ilegal de madeira, como se o Serviço de Parques tivesse agora um negócio de venda de ativos. Chad Hanson, o diretor executivo do instituto, entrou em contato com publicações importantes – o Los Angeles Times, o San Francisco Chronicle, o Sacramento Bee, a Outside – e usou uma linguagem provocativa para descrever projetos que os jornalistas nunca tinham visto. Ele chamou os corta-fogos de desmatamento e o desbaste de pequenas árvores extração descarada de madeira. Os projetos de Garrett agora enfrentam atrasos, e os bosques de sequoia do Yosemite um futuro incerto. Ele colocou a folha morta sobre a palma de sua mão.
“Não quero ter que fazer isso”, ele conseguiu soltar, querendo dizer que não queria ponderar sobre o dano emocional de seu trabalho. Ele queria ser otimista, dizer que acreditava que, graças à sua colaboração e à de seus colegas, seu filho, Theo, e meus dois filhos poderiam mostrar essas grandes árvores às gerações seguintes. Mas ele não conseguiu se livrar da convicção de que a década passada havia sido o marco inicial da mudança climática.
“Ninguém deveria ter que fazer isso”, ele murmurou. Mas todo mundo terá que fazer isso – chorar pelo mundo que estamos perdendo. E Garrett chorou, segurando uma folha, numa sala cheia de estranhos.
Kyle Dickman (@kyledickman) é colaborador da Outside USA.