O projeto de uma tirolesa de 755 metros, que vai ligar o Pão de Açúcar ao Morro da Urca, no Rio de Janeiro (RJ), tem gerado debate entre montanhistas e escaladores que frequentam os picos da Zona Sul carioca.
Com previsão de ser inaugurada no segundo semestre deste ano, a obra é uma iniciativa da Companhia Caminho Aéreo do Pão de Açúcar e faz parte de um projeto de ampliação da estrutura de visitação do local.
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Na tirolesa, os visitantes vão percorrer 755 metros, içados por cabos, numa descida de aproximadamente 50 segundos, podendo atingir a velocidade máxima de 100km/h. Para os idealizadores do projeto, o obra de R$ 50 milhões será “uma nova forma de vivenciar as maravilhas do Rio.”
Com 91,5 hectares, o Monumento Natural dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca (MoNa) também é uma área verde bastante frequentada pelos montanhistas, sendo considerada um dos maiores centros de escalada do Brasil.
O local, que abriga os morros do Pão de Açúcar (396m) e da Urca (220m), é um complexo montanhoso ideal para a prática do esporte, com mais de 325 vias de variados graus de dificuldade.
Além disso, o MoNa também forma uma Unidade de Conservação (UC) municipal de extrema importância para o Rio de Janeiro, com fauna e flora da Mata Atlântica preservada.
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Entenda a polêmica
Em fevereiro deste ano, o movimento Pão de Açúcar sem Tirolesa criou um abaixo-assinado pedindo a paralisação imediata da obra e a revogação da licença obtida pela Cia Caminho Aéreo do Pão de Açúcar junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A petição, que já conta mais de 6 mil assinaturas, também é apoiada por montanhistas, ambientalistas e moradores da região.
De acordo com o documento, a tirolesa causaria diversos transtornos ao local, entre eles a interferência na paisagem, poluição sonora e um grande impacto ambiental na Unidade de Conservação. Além disso, também faltariam informações suficientes sobre o projeto.
“A instalação de uma multitirolesa (quatro novos cabos de aço, a serem somados aos muitos já existentes), entre os morros do Pão de Açúcar e da Urca, começa a se concretizar sem que a população tenha informação suficiente, ou tenha sido consultada através de suas representações civis, a respeito desse impacto no monumento natural mais emblemático da cidade do Rio de Janeiro, seu mais famoso cartão-postal”, afirma o documento.
“Será que esse aparato é, de fato, interessante para a cidade? Quem se beneficia desse projeto? Será que o número de turistas atraídos compensa o impacto ambiental na Unidade de Conservação? E o impacto na vizinhança, foi avaliado? A própria estrutura de transporte para o topo, comporta o impacto do público? Todas as consequências foram, de fato, avaliadas pelas instâncias públicas responsáveis? Afinal, estamos falando, relembramos, do monumento natural mais simbólico da cidade!”, questionam os idealizadores do abaixo-assinado.
Para os montanhistas, a construção de uma tirolesa entre o Pão de Açúcar e a Urca poderia alterar algumas vias clássicas de escalada, além de atrapalhar a comunicação verbal, colocando os escaladores em perigo.
O que diz a FEMERJ
A FEMERJ (Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro) é a entidade que representa os montanhistas no Rio de Janeiro e tem acompanhado de perto o projeto.
Procurada pela reportagem, a Federação demonstrou preocupação com a preservação da montanha e da prática da escalada no local. No entanto, a FEMERJ preferiu se pronunciar através de nota oficial e do documento intitulado “Contribuição para o projeto de tirolesa no Pão de Açúcar”.
“A FEMERJ tem especial atenção aos projetos realizados em áreas de montanhismo e/ou impactem na integridade do ambiente de montanha. A preocupação é que esses projetos tenham uma concepção que conflita com os Princípios e Valores do Montanhismo Brasileiro, as boas práticas e diretrizes de mínimo impacto.”
Em depoimento ao jornal O Globo, Sandro Fernandes CEO do Parque Bondinho, responsável pela operação do local, ressaltou que todas as licenças necessárias para a construção da tirolesa foram obtidas junto a órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com os impactos do empreendimento estudados e debatidos.
O empresário disse que a capacidade da tirolesa não passará de 100 pessoas por hora, o que não significaria um aumento de fluxo no parque. Hoje, esclarece Fernandes, os bondinhos carregam até mil pessoas por hora montanha acima — ou seja, dez vezes mais do que suportará a tirolesa.
A empresa também divulgou uma nota oficial, em que reforça seu compromisso com o meio ambiente, ressaltando que o projeto da tirolesa foi aprovado para ser executado em áreas dentro do limite do Parque.
“O Parque Bondinho Pão de Açúcar informa que a obra para a instalação da tirolesa que vai ligar os morros do Pão de Açúcar e da Urca está totalmente regular e esclarece que, para a realização da obra, consultou previamente os interesses da sociedade civil por meio de organizações competentes junto ao Monumento Natural dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca (MoNa) e cumpriu com todos os requisitos técnicos solicitados pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRHP) e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico Inovação e Simplificação (SMDEIS). O Parque Bondinho pontua também que o principal objetivo do projeto é gerar felicidade nas pessoas, garantindo acessibilidade e continuando a contribuir com o turismo consciente e positivo do Rio de Janeiro. Por fim, informa que Integridade, Sustentabilidade e Segurança fazem parte dos seus valores, sendo base para o seu propósito de inspirar felicidade em todas as pessoas.”
No final de fevereiro e início de março, a Companhia Caminho Aéreo do Pão de Açúcar reuniu moradores da região, ambientalistas e montanhistas para apresentar mais detalhes sobre o projeto, mas a ideia não tem agradado boa parte dos frequentadores dos cartões-postais do Rio e novas reuniões já estão agendadas.
“Cada cantinho do Pão de Açúcar e do Morro da Urca transpira história. Pendurar uma gritante tirolesa entre esses dois ícones cariocas é um desrespeito, atitude de quem não gosta do Rio e só vê a cidade como fonte de lucro”, afirmou Sávio Teixeira, ambientalista e criador do projeto Pão de Açúcar Verde, em depoimento repercutido pela página Pão de Açúcar sem Tirolesa.