Entre as áreas consideradas guardiãs de uma natureza ainda selvagem no planeta, duas estão nos dois extremos do nosso continente: a Patagônia e a Amazônia. Estas grandes áreas têm mais em comum do que imaginamos. Conectadas pela Cordilheira dos Andes, as duas regiões também nos remetem a água, umidade, muitas espécies de fauna e flora só encontradas ali, e florestas centenárias capazes de contribuir significativamente com o equilíbrio climático da América do Sul. Verdadeiros sumidouros de vida natural.
Experimentar a conexão com estes ambientes é uma oportunidade única de ver de perto lugares ainda intocados, livres da ação humana. Somente isso seria o suficiente para ligar o sensor de quem é apaixonado por natureza, mas para essas pessoas, existe um passaporte sob medida.
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Destinado para desvendar em detalhes cada um dos 17 Parques Nacionais, distribuídos em 2.800 quilômetros do sul do Chile, o passaporte da Rota dos Parques da Patagônia foi criado pelo governo do Chile em parceria com seus ministérios responsáveis por conservação de áreas e turismo, e a Fundação Rewilding Chile.
Uma região que abarca mais de 90% do Território dos Parques Nacionais do país, com mais de 24 ecossistemas que são refúgio de muitas espécies ameaçadas. Em cada um deles, uma vasta extensão com florestas antigas, vulcões, geleiras, rios com corredeiras, e muitos caminhos a percorrer.
Ligando um parque ao outro, uma estrada famosa, a Carretera Austral, e muitas cidades pequenas que ainda resguardam uma cultura patagônica forte, impressa em sua culinária, artesanato e na maneira de receber. São mais de 60 comunidades ao longo de todo o trajeto. A valorização e respeito a estas comunidades tradicionais, está em destaque em todo o material que o viajante recebe junto com o passaporte.
Cada área tem atividades caraterísticas, que vão de caminhadas e contemplação da natureza, a trekking até as geleiras, camping, rafting, cavalgada, observação de aves.
O caminho começa na Patagônia Verde, na Região dos Lagos, que preserva três parques nacionais e duas reservas naturais e é na cidade chilena de Puerto Montt que tudo começa.
Em maio, época de outono, quando passamos pela rota, era fácil entender, já nos primeiros quilômetros, o porquê do “verde” na descrição natural desta região. Formada por um cordão de vulcões e uma parte da Cordilheira dos Andes muito próxima ao mar, a influência do Pacífico cria um ambiente com muita precipitação, umidade e florestas que só se encontram ali. Em pleno outono já nevava em algumas partes.
As combinações de ambientes ajudaram a manter as áreas mais preservadas. Inclusive, um alerce, árvore típica da Patagônia, foi considerado recentemente a árvore mais antiga do planeta, com mais de cinco mil anos, de acordo com estudo na Revista Science.
Na Patagônia de modo geral e mais ainda nesta da Região dos Lagos, o viajante passa por quatro climas por dia. Pode chover, nevar e fazer sol em apenas 24 horas. Por isso, em todas as saídas para caminhada ou camping deve ser considerado o fator climático mutante.
Chaitén é a primeira cidade da Patagônia Verde e muitos usam esta base como ponto de parada, ou de descanso para visitar os parques. Assim como Futaleufú, são cidades importantes para quem quer acessar os Parques Nacionais de Hornopirén, Corcovado ou o Pumalín Douglas Tompkins.
Este último, teve grande destaque na série documental Os Parques Nacionais mais fascinantes do mundo, apresentada por Barack Obama. Foi mostrado através da dinâmica de sua fauna, uma Patagônia selvagem, onde os ambientes se recuperam quando a natureza é deixada em paz. A contemplação e regeneração desta paisagem, com geleiras, vulcões e florestas milenares, foi o que motivou, ainda nos anos 90, a criação de uma área particular por iniciativa do empresário Douglas Tompkins, fundador da The North Face, morto em 2015 vítima de congelamento em um acidente de caiaque.
Depois, fruto de uma parceria inovadora e construção conjunta de ações de áreas protegidas, a área foi doada para o governo do Chile e possibilitando assim a conexão importante com outros Parques Nacionais para a criação da Rota. Ao lado de Torres del Paine, mais ao sul, o Pumalín é um dos mais emblemáticos deles.
Com 12 opções de caminhadas e circuitos, é possível subir o vulcão Chaitén, visitar a geleira do vulcão Michimauida, descer até os fiordes que margeiam o parque ou ainda, atravessar as florestas de alerces.
Pelo caminho Ranita de Darwin – que tem este nome pela presença endêmica de uma espécie de rã identificada somente nesta área – em pouco mais de três horas, passamos por bosques, pontos de observação dos vales do parque e muitas espécies de flora úmida típicas.
A cada avanço e visita em cada um dos pontos, os guarda parques vão carimbando o passaporte. Talvez seja este um dos grandes estímulos para percorrer esta região. Restam poucos lugares no Planeta onde podemos nos conectar e contemplar uma natureza ainda tão primitiva.
A região do Pumalín é atravessada por rios importantes, como Yelcho e Futaleufú. Neste último é possível descer por suas corredeiras. Outro acesso ao rio, se dá a partir da pequena comunidade de Palena, um pouco fora da Carretera Austral, mas com forte vocação para o turismo rural, com cavalgadas e rotas pelas montanhas em mais altitude. É em Palena, quase na divisa com a Argentina, que mais neva em toda a Patagônia Verde. Por aqui, todo mês de fevereiro acontece uma grande descida pelo rio Futaleufú.
Com a criação do Passaporte, é possível conhecer a extensão patagônica em diferentes épocas. A visitação, atividades e experiências em áreas protegidas pós-pandemia têm criado oportunidades de se conhecer a cultura e culinária locais através da interação com moradores, que compartilham histórias e saberes de quem vive no sul do continente. São essas comunidades, afinal, que preservam locais tão preciosos.
Vai lá:
Passaporte Verde
Para ter acesso ao Passaporte acesse pasaporte.rutadelosparques.org e solicite virtualmente. Ao chegar à região da Rota, basta apresentar a solicitação da confirmação, e um guarda-parques entrega o documento.
Patagônia Verde
Para chegar na Patagônia Verde existem dois caminhos. De avião até Puerto Montt e de lá até a região de Chaitén. E a partir de então, segue-se pela Carretera Austral.
Outra alternativa é sair de Puerto Montt de bicicleta ou carro, e ir avançando pela estrada e por balsas, acessando as pequenas cidades que compõem a emblemática estrada.
Dependendo da época do ano, não é recomendado o camping, principalmente entre o outono e o inverno, justamente quando esta região da Patagônia apresenta muita precipitação, ou seja, neve e chuva.
As cidades de Chaitén, Palena, Futaleufú apresentam diversas opções de alojamentos, desde pequenos hotéis, hostels e pousadas na Patagônia chilena.
Para se aprofundar
Livro: Transpatagônia: Pumas não comem ciclistas, de Guilherme Cavallari, editora Kalapalo. O autor expedicionário narra seus seis meses atravessando de a Patagônia chilena de bicicleta.
Documentário: Os Parques Nacionais mais fascinantes do mundo, disponível na Netflix
Sites
>> www.rutadelospaqrques.org
>> www.patagonia-chile.com
Matéria originalmente publicada na revista Go Outside edição nº176.