Imagine uma cidadezinha cercada por montanhas altivas, com clima gelado, calçadas de pedra, estabelecimentos históricos incrivelmente preservados e até uma locomotiva ainda ativa disponível para passeios.
E se lá também houvesse deliciosas comidas típicas e uma recepção calorosa dos moradores locais? Minha imaginação me leva imediatamente a uma daquelas pequenas cidades europeias que vemos em filmes ou em sites de turismo… Mas aqui, me refiro a Passa Quatro, em plena Minas Gerais!
No último final de semana (20 e 21), este local encantador sitiou um dos maiores eventos de trail run do Brasil, que se concentrou no íntimo centro do município, bem ao lado da antiga estação de trem. Posso dizer que a La Misión Brasil foi uma das maiores provas de corrida de trilha do Brasil, que reuniu mais de 1.500 atletas.
Além disso, o evento contou com o apoio de uma das maiores empresas de artigos esportivos outdoor do mundo, a Salomon.
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Mais incrível do que viver tudo isso de perto, foi curti-lo em Minas Gerais, o estado em que nasci e onde vivo atualmente, o que, normalmente, poderia experimentar apenas em provas de trail de grande porte, já consolidadas ao redor do mundo.
O que vivenciei foi uma calorosa largada, no centrinho histórico de Passa Quatro, marcada pelo panorama incrível dos competidores atravessando uma dual paisagem de pórticos muito bem estruturados em uma pista de largada delimitada por flores, bandeirolas e um público extremamente envolvido, que fez jus a todo esse cenário quase que cinematográfico, montado para a competição.
A prova contou com as distâncias de 80 km, 50 km, 35 km e 15 km. Não se engane pela relação km vs tempo de prova. Em provas de sky running, como a La Misión Brasil, os atletas enfrentam um trajeto extremamente irregular e que acumula grandes distâncias verticais, tanto ascendentes, quanto descendes, produzindo como efeito uma prova com muito mais horas de duração do que aquelas mais planas e “corríveis”. Os participantes foram testados durante todo o percurso, especialmente ao encarar uma das travessias mais paradisíacas e desafiadoras do Brasil, a travessia da Serra Fina.
Participar de um evento em um lugar de natureza tão especial também tem suas desvantagens. O clima, por exemplo, é um fator que foge do controle da organização da prova, já que parte do percurso atravessou uma das montanhas mais altas do Brasil, com clima instável e pouco previsível. Digamos que a montanha apresenta temperamento próprio e muito forte. E para mostrar toda a sua força, a natureza não facilitou dessa vez.
Com a chegada de uma frente fria, a temperatura baixou mais do que o esperado, preocupando a todos, inclusive à Defesa Civil. Responsavelmente, a largada de quem correria a distância de 80km foi alterada das 21 horas de sexta para o sábado de manhã. Com essa mudança, os atletas não precisaram atravessar o alto da serra no período da madrugada com temperaturas tão baixas, evitando, assim, grande risco.
No início da manhã de sábado, mais precisamente às 6 horas, foi dada a largada, começando um dos eventos mais bonitos que já presenciei (e foram muitos, viu). Os corredores saíram da linha de chegada com uma energia contagiante, aquecendo todo o frio ambiente, e também o coração de todos os que estavam em volta da arena de largada. Foi inevitável experimentar a sensação incrível que eles nos passaram…
Como todos sabíamos que o percurso seria extremamente desafiador, que testaria verdadeiramente os limites físicos e emocionais de cada competidor, o público que estava ali, ansioso para acompanhar a tão esperada largada, não conteve as demonstrações de torcida e apoio. Foi uma alegria realmente contagiante!
Logo no início da jornada, os atletas subiram a Serra Fina e já começaram a enfrentar o perigoso clima da alta montanha. Ventos fortes com rajadas úmidas e frias desafiavam o corpo e o ânimo dos participantes. Mas nada disso foi maior do que a força de vontade e a determinação deles, que com pernas poderosas e muito preparo mental, aceleravam em direção a linha de chegada (que ainda estava muito distante).
Vamos falar um pouco sobre esse tipo de percurso, para esclarecer alguns pontos. A corrida de trilha se diferencia muito das corridas de rua por seus trechos técnicos e questões de natureza como clima e temperatura. Outro fator especifico da corrida “no mato” é a autossuficiência, ou seja, cada um precisa carregar equipamentos obrigatórios e itens de alimentação e hidratação, importantes para garantir a saúde e o bem-estar dos participantes.
A La Mission é uma prova classificada como Skyrunning, o que significa que apresenta grande acúmulo de altimetria. Esse fator, geralmente, se transforma em subidas intermináveis e muitos trechos de alta montanha para os corredores. Assim, é comum vê-los fazendo “escalaminhadas” e, até mesmo escaladas, com alguns trechos usando cordas ou escadas.
Os capacetes podem ser obrigatórios em alguns trechos, pois, durante a escalada, as pedras podem se deslocar. Cobertores de emergência também são essenciais para evitar a hipotermia. Segurança em primeiro lugar, não é?
Agora, imagine correr um longo percurso (80 km), com subidas extensas, frio incontrolável e, como se não bastasse, carregar uma mochila com vários itens de segurança, alimentos e bebidas? Mesmo usando equipamentos de alta qualidade, como os da Salomon, a tarefa não é fácil.
Durante a travessia da Serra fina, uma mistura de alegria, força de vontade e determinação exalava dos atletas, que encontravam pelo caminho paisagens de tirar o fôlego. E, após várias horas da largada, o público continuava na arena, aguardando os primeiros colocados atravessarem o pórtico.
Mesmo com tanta emoção prevista para o final da La Misión Brasil, ninguém poderia imaginar o que aconteceria na chegada da categoria mais longa e disputada da prova, a dos 80 Km masculina. Era a divisão mais longa e desafiadora, a distância mais almejada pelos grandes nomes do Trail Run do Brasil. E depois de quase 11 horas da largada, chegavam dois dos melhores atletas brasileiros. Lado a lado, eles disputavam o resultado após tantas horas de luta. Faltando 500 metros para a reta final dos 80 km, em um sprint difícil de imaginar, eles buscavam bravamente a vitória.
Wellington Noronha e Celinho enfrentaram praticamente juntos toda a prova, puxando de maneira saudável a competição para frente, em uma disputa que os levaria a baixar o menor tempo já feito anteriormente nessa prova. Eles chegaram juntos na reta final e cruzaram a linha de chegada, batendo o recorde da corrida de trilha, que já era do Celinho.
Celinho é um dos maiores e mais tradicionais nomes da corrida de trilha do Brasil, que mantinha o recorde da Serra fina. Wellington Noronha, menino novo que recentemente entrou para Elite do Trail brasileiro e que vem despontando exponencialmente. Guia local da cidade, vem com tudo pra garantir seu nome entre os maiores do Brasil. Esses guerreiros fizeram história no último final de semana!
Foi bonito e inacreditável vê-los se aproximando da reta final… Faltando menos de 500 metros para a chegada, eles iniciam uma grande disputa. Quando muitos achavam ser impossível, mesmo carregando o cansaço de 80 km percorridos em quase 11 horas de prova, deram “aquele” sprint, desafiando a musculatura humana. Ainda assim, seus corpos responderam ao chamado e, o que se passou foi algo emocionante e inacreditável.
Espera! O que foi aquilo? O que eu perdi? Muitos estão pasmos até agora, um dia depois!
Wellington Noronha sai na frente do sprint, mas a poucos passos da chegada, em uma mistura de emoções, ele desacelera e Celinho acaba ultrapassando-o e cruzando o pórtico um, apenas, um passo à frente.
Muita garra, fé e uma e força fizeram com que o primeiro colocado ficasse a 8 décimos de segundos do próximo colocado. Com certeza essa chegada passou fortíssimas emoções a todos os que estavam lá, naquele momento único. Realmente, único. Assim tivemos o desfecho dessa prova maravilhosa, que foi aberta e fechada com chave de ouro, com todos ali presentes entregando seu máximo: organização, atletas, público e cidade.
Foi um fim de semana realmente especial, que se fez valer a pena e o que foi vivenciado na cidade de Passa Quatro vai ficar para a história de seus participantes.
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Depois de tantas emoções, deixo aqui os parabéns a todos aqueles que, com seu maior empenho, fizeram acontecer e trouxeram momentos inesquecíveis e inimagináveis a atletas, familiares e amigos.
Só nos resta aguardar que tudo isso sirva de muita inspiração para outras provas e outros atletas, e que nós tenhamos no Trail Run brasileiro mais momentos memoráveis como esse.
Para saber mais sobre o trabalho de Samuel J. Eloy, acesse o site Vi-vendo Tv, seu canal no YouTube ou o perfil @sjeloy no Instagram.