Meu nome é Pedro Henrique Marques, mas pode me chamar de Drope (@dropeslack) . É assim mesmo que minha mãe já me chamava na infância, quando nem poderia imaginar que este mesmo apelido, anos mais tarde, se afirmaria na minha conexão com o slackline. “Drope” no slackline se refere ao movimento de ficar de pé sobre a fita, e essa é uma das artes que domino bem.
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Tenho 25 anos de idade, criado em Barão de Cocais, cidadezinha do interior de Minas Gerais, onde também nasci, em 15 de setembro de 1996. Venho de uma família humilde, cresci sem a presença do meu pai, e ao longo da vida dividi a casa com minha mãe e meus avós maternos. Até os 8 anos tive meu avô como uma espécie de figura paterna em casa. Depois disso seguimos nós três; eu, minha mãe e minha avó, que foram sempre minha base. Essa vivência fez muita diferença para o bem da minha evolução: crescendo junto a duas mulheres guerreiras pude absorver conhecimentos e forças que me desenvolveram como uma pessoa honesta e focada em batalhar pelos objetivos desde cedo. Meus familiares mais próximos não concluíram nem o ensino fundamental, mas mesmo assim não mediram esforços para que eu tivesse acesso aos estudos, e assim pude concluir o ensino médio e técnico na rede pública.
Comecei a ter contato com a natureza ainda na infância, através de passeios com familiares e amigos: caminhadas aos finais de semana por trilhas perto de casa e aventuras junto aos amigos do bairro para nadar nos rios e cachoeiras, ou andar de bicicleta pelas estradas da antiga linha férrea. As atividades ligadas à natureza se mantiveram sempre muito presentes, lapidando em mim o desejo de me dedicar à preservação do meio ambiente e ao desenvolvimento dos esportes. Desde cedo carreguei comigo o sonho de me tornar atleta.
Tendo como ancestrais indígenas e negros, sinto a força de toda a luta dos que passaram por essas terras e que de alguma forma são pilares responsáveis pela minha existência e dos meus iguais até os dias de hoje. Conecto-me com essa força e ela me leva adiante para romper limites do impossível na conquista de meus objetivos.
Essas metas alimentam meu propósito de me consolidar como atleta no cenário outdoor, em busca de alcançar títulos e condições para continuar trabalhando em prol da evolução dos esportes e educação ambiental através de oficinas de ensino. Desejo também seguir contribuindo com o crescimento do ecoturismo e turismo esportivo locais, e deixar um legado para que gerações futuras possam dar continuidade e desfrutem ainda mais todo o potencial natural desta região.
Tive a oportunidade de me aprimorar como guia de ecoturismo e multiatleta outdoor em modalidades como highline, trail run, escalada, mountain bike e trekking. Esta evolução partiu do instinto e da vontade de estar conectado às coisas que mais me fazem sentir vivo. Com esta consciência, fui dando pequenos passos e me aperfeiçoando por conta própria, num estilo de vida simples e aventureiro. Segui sempre treinando e me mantendo junto aos esportes, desafios e pessoas do meio outdoor, a fim de absorver conhecimentos e me qualificar para crescer profissionalmente.
Em 2017, junto com amigos, criei o Cambotas Team Slackline (@cambotasteam), composto por atletas locais que cultuam a arte do equilíbrio sobre a fita, dedicados a trazer mais pessoas para este esporte maravilhoso. Já no ano seguinte fomos convidados a participar do Festival de Highline Cambotas Extreme, um festival internacional. A participação no festival como monitores nos rendeu bons frutos, incluindo a contribuição para a conquista do recorde sul-americano de highline em 2018, (que aconteceu em terras cambotenses, ao lado dos grandes nomes do highline no Brasil) e um convite para integrar a organização do mesmo festival nas edições seguintes.
Em 2019 veio a oportunidade de trabalhar como instrutor de slackline e inserir pela primeira vez na cidade aulas da modalidade voltadas para o público infantojuvenil na Associação Estrela Guia. Hoje, além de expandir o trabalho como guia de Ecoturismo, faço parte do Conselho de Turismo e Viagens da cidade, e recentemente me classifiquei para uma das provas mais esperadas de trail run do ano, a Cambotas Trail Fest (@cambotastrailfest), que acontecerá em dezembro, reunindo atletas de relevância nacional a internacional.
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Mesmo tendo nascido em uma região com grande potencial para o desenvolvimento através das práticas outdoor, nunca fui incentivado diretamente a praticar esportes ao ar livre ou a acreditar que seria possível me firmar e profissionalizar neste meio, por causa da falta de informação ou mesmo de oportunidades dos que me instruíam vida afora. As dificuldades, no entanto, não me impediram de estar sempre ativo, transitando em diversas modalidades, desde as mais comuns, como o futebol. Mas o chamado que mudou minha trajetória veio das montanhas, aos 17 anos, quando me lancei para explorar mais a cidade onde moro. Foi através dessa imersão que acessei profundamente minha essência e pude projetar minha caminhada como guia de ecoturismo para contar a história dos meus antepassados e manter viva a nossa cultura. Busquei também me manter próximo da Serra de Cambotas, o lugar onde mais gosto de estar. Foi com este conjunto de fatores que ganhei impulso para seguir em frente, apesar de desafios sociais e dificuldades que enfrentamos como cidadãos negros no Brasil.
Sei da importância da representatividade no cenário outdoor para meus iguais e com a força de minhas raízes não vou me entregar: estarei sempre de pé, semeando boas ações para gerar bons frutos em abundância.
Axé pra quem é de amar!
Agradeço a todos os que acreditam no potencial do meu trabalho, e em especial o coletivo Negritude Outdoor (@negritudeoutdoor) e à revista Go Outside, pela oportunidade de contar minha história e falar da Serra de Cambotas.
Este post integra uma série especial comandada pelo Negritude Outdoor na Semana da Consciência Negra. Ao longo dos próximos dias, vamos apresentar pessoas do coletivo nas plataformas da Go Outside. Estendemos o convite a toda a comunidade outdoor para refletir e agir com a gente: O que podemos fazer para entendermos uns aos outros e caminharmos juntos?