Em maio de 2020, logo após o começo da pandemia, escrevi um artigo para o The New York Times comparando a covid-19 a uma prova de endurance. Argumentei que chegar ao fim desse desafio demandaria paciência, ritmo, persistência e propósito; em resumo, dicas de resiliência que usamos em desafios de resistência.
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E, apesar de isso tudo ser então verdade (e ainda é), os leitores chamaram a atenção para o fato de a minha metáfora estar errada, em pelo menos um aspecto: em desafios de longa distância, você sabe onde está a linha de chegada, ao contrário do que acontece com o coronavírus. De qualquer maneira, graças ao desenvolvimento de vacinas altamente eficientes, parece que o fim pode finalmente estar à vista – ainda que longe, no verão ou outono do ano que vem para nós, brasileiros. Isso porque uma massa crítica de pessoas precisa ser vacinada para que cheguemos à imunidade de rebanho.
O paradoxo brutal de uma maratona é que, bem quando você consegue farejar a chegada, geralmente entre os Km 32 e 36, a prova entra em seu trecho mais longo e parece que o fim não chega nunca. O mesmo provavelmente deve acontecer com a covid-19. A fadiga pelas mudanças que tivemos que implementar em nosso estilo de vida não para de aumentar, ou deixou suas sequelas. Por isso há uma boa chance de que esse trecho final pareça interminável. Aqui estão seis dicas de resiliência para te ajudar a encarar esse desafio com foco, serenidade e priorizando seu autocuidado.
- Estabeleça expectativas adequadas
Felicidade é uma equação do que sobre quando você tem a realidade menos a expectativa. Se suas expectativas são maiores do que sua experiência, você provavelmente se sentirá triste e desapontado. Quando recebemos as notícias de vacinas eficientes, muitas pessoas se sentiram bastante otimistas, e com razão! Mas é importante lembrar que vacinas não ajudam em nada enquanto não estiverem sendo aplicadas em seu braço e nos braços de todos ao redor. E isso vai levar tempo. É melhor se preparar para o pior, e se tudo sair maravilhosamente bem, então você poderá ficar positivamente surpreso.
Em minha carreira como coach, venho trabalhando com meus clientes para que adotem a postura mental de que as coisas vão melhorar a partir de outubro, mas devem seguir bastante difíceis até lá.
- Pratique o otimismo trágico
Diminuir as expectativas não quer dizer que você não possa ter esperança. O objetivo é apenas não passar os próximos meses se desesperando. Em vez disso, procure absorver o bom e o ruim ao mesmo tempo. Psicólogos chamam isso de “otimismo trágico”, ou “a habilidade de manter a esperança e encontrar significado na vida apesar da dor, da perda e do sofrimento inevitáveis”. A abordagem reconhece e aceita uma situação difícil pelo que ela é. E então diz: “Bem, isso é o que está acontecendo agora, então vamos ver o que eu posso controlar e o melhor que posso fazer”. Pessoas que demonstram otimismo trágico sentem a mesma – e às vezes até mais – dor e tristeza em curto prazo quanto os que ficam pessimistas e desesperados. A diferença é que os otimistas trágicos fazem o trabalho duro de sentir a dor e seguir em frente mesmo assim. Como resultado, estudos mostram que eles têm menor probabilidade de experimentar sofrimento psicológico duradouro e mais chances de encontrar significado e até mesmo prosperar em meio ao caos.
- Continue mexendo seu corpo
Apesar de fazer frio lá fora e as academias estarem fechadas, você deve manter alguma forma de rotina física. Conforme escrevi muitas vezes antes, apesar de a atividade física não ser de forma alguma uma panaceia para depressão e ansiedade, centenas de pesquisas demonstram que ela pode ajudar.
Faça o que puder para que se movimentar seja uma prioridade diária. Não precisa ser algo heroico: mesmo um circuito de 20 minutos com exercícios usando o peso do corpo ou uma caminhada em ritmo firme podem fazer maravilhas. Lembre-se de que você não precisa estar se sentindo bem para começar, só precisa começar, e então dar a si mesmo a chance de se sentir bem. Apenas comece.
- Mantenha-se conectado
Quando o termo “distanciamento social” foi usado pela primeira vez, argumentei que ele precisava ser remodelado (um rebranding, como dizem os publicitários). Defendi que “distanciamento físico” seria muito mais apropriado. Isso porque, talvez agora mais do que nunca, precisamos de conexão. Décadas de pesquisas mostram que enfrentar tempos difíceis junto a outras pessoas é bem mais fácil do que fazer isso sozinho.
Apesar de existir pouca pesquisa sobre as melhores formas de usar as mídias digitais durante uma pandemia (a última foi em 1918, muito antes da internet), em minha experiência, quanto mais presente você puder estar em uma conversa virtual, melhor. Se estiver fazendo outras tarefas enquanto bate papo no Zoom ou ao telefone, você provavelmente não se sentirá muito melhor depois de desligar. Em outras palavras, quando estiver conversando com alguém, lhe dê atenção total. Feche as janelas do browser do seu computador e desligue a televisão.
Como explica um artigo de 2018 no The Journal of Social Psychology, realizar múltiplas tarefas está associado a uma menor satisfação com a tarefa principal sendo executada – qualquer um que já ficou navegando na internet enquanto conversava no telefone e se sentiu meio vazio depois sabe que isso é verdade. É realmente horrível não podermos nos encontrar pessoalmente. Todo mundo está se sentindo pelo menos um pouco solitário neste momento. Saiba que você não está só e continue se esforçando para se manter conectado de todas as formas que forem possíveis.
- Crie uma rotina, mas aceite ter que mudá-la
Scott Kelly é um ex-astronauta da Nasa que passou 340 dias na Estação Espacial Internacional em 2016 – o maior período que um norte-americano já esteve no espaço. Em uma entrevista recente para a CNN sobre viver em isolamento, Scott enfatizou a importância de criar uma rotina: “Se você tem a sorte de poder trabalhar de casa, faça uma agenda desse tempo de trabalho. Eu até agendaria as refeições. Se você seguir esse planejamento, e se o planejamento tiver variedade, acredito que vai achar que os dias passam mais rápido”. Essa é uma das dicas de resiliência que você mais vai poder aplicar em outros períodos de crise ou estresse.
Como já escrevi, rotinas são benéficas por várias razões. Elas nos estimulam quando estamos menos animados, automatizam decisões para que não tenhamos que depender de força de vontade e preparam nossos sistemas corporais e mentais para que entrem mais facilmente na tarefa que precisa ser executada. Talvez a maior vantagem de ter uma rotina agora na pandemia, porém, é que ela ajuda a marcar a passagem do tempo. Com as formas tradicionais de delinear dias e semanas tragicamente eliminadas (como ir ao trabalho, a um restaurante ou curtir uma viagem no fim de semana), rotinas podem ajudar a combater a névoa da covid-19, na qual dias, semanas e meses derretem um no outro. Apenas se certifique de mudar as coisas quando elas começarem a dar a sensação de vencidas ou velhas. Ter uma rotina sempre faz sentido, mas não precisa ser sempre a mesma.
- Não se renda à preguiça agora
Antes de vacinas eficientes serem autorizadas, não tínhamos nenhuma pista se a vida seria assim por meses ou anos. Felizmente, agora sabemos que existe um ponto final, uma linha de chegada. Isso significa que, se você conseguir chegar ao fim desse perrengue sendo cuidadoso, seguindo as orientações da ciência e praticando autocompaixão, pode sonhar com a diversão, o bem-estar e a normalidade (ou parte dela) do outro lado. Ao fim dessa maratona, você não vai ganhar uma medalha, mas uma injeção (ou duas) no braço. E será incrível.
* Brad Stulberg (@Bstulberg) dá treinamento de performance e bem-estar e escreve a coluna “Do it better” (Faça melhor) na Outside norte-americana. Ele é autor do livro best-seller Peak Performance.