Desvendamos cinco roteiros menos manjados de trekking no Brasil para você fugir do “arroz com feijão” e cair nas melhores trilhas do país
Por Bruno Romano
Parques Nacionais, Floresta Amazônica e um imenso litoral formam um cenário que atrai todo bom aventureiro dentro e fora do Brasil.
As condições melhoram ainda mais no inverno, época que reúne ótimas condições para se conhecer de perto as trilhas do país: menos chuva e clima mais ameno para caminhar e acampar. Para te ajudar nessa doce missão, separamos cinco roteiros brasileiros menos manjados, porém com uma pitada extra de aventura.
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Rebouças-Mauá, via Rancho Caído (RJ e MG)
Este trekking dentro do Parque Nacional de Itatiaia, na divisa do Rio de Janeiro com Minas Gerais, ficou cerca de 20 anos fechado por questões ambientais. Felizmente desde 2011 está aberto novamente ao público. Para percorrer com tranquilidade e segurança essa clássica e privilegiada travessia de 45 quilômetros é necessário pernoitar ali.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelos parques nacionais brasileiros, exige autorização prévia para se acampar no local. Você pode consegui-la preenchendo o formulário.
Pé na trilha
O melhor a fazer é programar a logística de apoio de carro na entrada e saída da travessia. Outra opção é chegar de ônibus até Itanhandu (MG) ou Resende (RJ) e, de lá, fretar um veículo para a parte alta do Parna Itatiaia, onde começa a trilha. No fim da travessia, em Maromba (RJ/MG), os ônibus da Viação Resendense retornam para Resende, mas têm horários irregulares.
Dentro do parque, a trilha é bem marcada e o pernoite pode ser feito no camping selvagem do Rancho Caído. “Há um limite de 20 pessoas por dia, e as reservas podem ser feitas no site do ICMBio, respeitando o prazo de 10 a 30 dias de antecedência”, explica Leonardo Cândido, analista ambiental e coordenador do Parna Itatiaia.
Por exigência do parque a travessia deve ser iniciada no máximo às 10 horas da manhã, evitando maiores problemas pela falta de luz natural. O ICMBio também oferece em seu site uma lista de guias credenciados para operar dentro do parque. O guia é opcional (custam a partir de R$ 75 por pessoa) e não há despesas para as reservas. A taxa de entrada no parque é de R$ 25, com desconto de 50% para brasileiros (R$ 12,50).
Imperdível
Repleta de araucárias, a trilha tem pontos de observação das Agulhas Negras, da Cachoeira do Aiuruoca e do Pico do Maromba. No fim do trajeto, vale aproveitar a Cachoeira do Escorrega, atrativo bem conhecido da região.
Os mirantes para o “mar de montanhas” do Itatiaia são o ponto forte durante todo o trekking. “Aproveite o inverno, pois esta época do ano é a melhor chance de não dar azar com o tempo e aproveitar o lindo visual de Itatiaia”, diz Jorge Soto, um dos mais experientes trekkeiros do Brasil, que já desbravou diversas vezes as trilhas da região.
Não se esqueça
Durante o dia, a forte incidência do sol na altitude pede boa proteção. Durante a noite, as temperaturas despencam com facilidade, por isso um saco de dormir adequado e roupas de frio são indispensáveis.
O percurso possui diversos cursos d’água para abastecimento. Mesmo assim, a vegetação da região é bastante seca no inverno – mais um motivo para respeitar a proibição da administração do parque de fazer fogo no local.
Contato
Todas as informações para a realização deste trekking podem ser encontradas no site do ICMBio.
Monte Caburaí (RR)
O Brasil não vai do Oiapoque ao Chuí. Se você quiser comprovar isso com os próprios olhos, pode encarar o desafiador trekking até o Monte Caburaí, o verdadeiro extremo norte brasileiro, localizado 80 quilômetros acima do Oiapoque.
Situado dentro do Parque Nacional do Monte Roraima, o Caburaí marca a fronteira com a República da Guiana, em um dos pontos mais remotos da Amazônia. Em 1930, uma inédita expedição liderada pelo Marechal Cândido Rondon foi a primeira a chegar ao local.
Outra empreitada, em 1998, desta vez em uma ação conjunta de diversos órgãos federais (entre eles o Ibama, a Funai e as Forças Armadas), confirmou o Caburaí como o ponto mais setentrional do país.
Pé na trilha
O caminho mais recomendado para esse trekking sai de Manalai, uma comunidade acessível por avião fretado de pequeno porte saindo de Boa Vista, capital de Roraima. É bom chegar com dois dias de antecedência na cidade para organizar os mantimentos e o que mais for necessário. Reserve no mínimo quatro dias de caminhada (seis horas diárias) até o cume do Caburaí, onde se faz um pernoite antes de retornar, em três dias, ao ponto inicial.
Mesmo com todo trajeto demarcado recentemente em coordenadas geográficas, não existe uma trilha totalmente aberta. Há bastante rasga-mato, material orgânico caído e uma intensa umidade no ar. É preciso passar por trilhas indígenas – alguns nativos, aliás, costumam trabalhar como carregadores em pacotes para trekkeiros. A expedição para o Caburaí exige experiência e bom preparo físico, com acampamentos selvagens em todas as noites.
“Muitas vezes você anda em cima de um ‘colchão’ de folhas, em um terreno muito irregular e cheio de raízes, o que exige bastante das pernas”, diz Déa Torres, médica de 53 anos, primeira mulher a completar o desafio, em uma expedição no fim de 2013.
Imperdível
A passagem pela comunidade indígena ingarikó é um dos pontos altos do roteiro. A oportunidade de ver mata virgem e atravessar rios e pântanos também chama a atenção. Durante a trilha é preciso cruzar quatro vezes o rio Panari, que impressiona em alguns trechos pela beleza de suas águas avermelhadas. No Caburaí nasce outro rio, o Uailã, cercado de espécies endêmicas.
Não se esqueça
É bom administrar bem a água, pois o calor é forte durante o dia. Esteja preparado, pois a possibilidade de chuva é constante. Uma rede prática e confortável é indispensável, assim como mochila cargueira (60 a 75 litros), um bom par de botas e calça impermeáveis. “Atenção com visitantes indesejados na barraca e nas botas, como aranhas e escorpiões, abundantes na região”, reforça Déa Torres.
Contato
A agência Roraima Adventures organiza passeios a partir de R$ 4.750, sem aéreo (95-3624-9611).
Travessia Cassino – Chuí (RS)
Esta pitoresca caminhada atravessa cerca de 220 quilômetros de areia ligando o balneário de Cassino, em Rio Grande (RS), até o arroio do Chuí, o extremo sul do Brasil.
Totalmente inóspita, a região convida o viajante para um contato intenso e desapegado com a natureza. Além da companhia constante do oceano Atlântico e das dunas, a estação ecológica do Taim e a Lagoa Mangueira se destacam ao longo do trajeto.
Pé na trilha
São sete dias de caminhada, com média de sete a oito horas diárias em movimento. Todos os acampamentos são selvagens, com necessidade de estrutura de apoio, pois não há cidades ou campings no percurso. Empresas especializadas organizam essa logística, já que ficaria difícil levar suprimentos para tanto tempo de caminhada, principalmente água.
Imperdível
É possível observar leões-marinhos e barcos naufragados na areia e no mar. Logo no início da travessia, o navio Altair, encalhado desde 1976, atrai os olhos. Durante o trekking há quatro faróis, de onde se pode apreciar a região de outro ponto de vista.
Não se esqueça
Como a temperatura é amena (média anual de 17ºC), um saco de dormir pequeno e um isolante térmico são suficientes. O percurso é completamente descampado, por isso vale a pena ter cuidado redobrado com a incidência do sol.
A agência Pisa Trekking organiza roteiros na região e seus coordenadores de viagens recomendam: “Evite bota de caminhada, dando preferência a um tênis mais arejado. Além disso, leve apenas o necessário, pois o desapego é a principal palavra dessa travessia”.
Contato
A Pisa Trekking oferece roteiros de nove dias pela região, a partir de R$ 2.850, sem aéreo (11-5052-4085).
Travessia do Segredo (MG)
Com cerca de 100 quilômetros de trekking selvagem, o Segredo é uma ótima pedida para percorrer a parte mineira da Serra da Mantiqueira, cruzando o Parque Estadual da Serra do Papagaio (MG), região de rica beleza natural.
O trajeto termina no sudoeste do estado, em uma região próxima à divisa com São Paulo conhecida como Serra do Garrafão. Atravessando longos trechos descampados e desbravando serras, é possível ver antigas construções jesuítas, que se tornaram ruínas e foram tomadas pela natureza, criando um aspecto único no lugar.
Inóspita e preservada, a região é morada da onça parda, que com sorte pode ser admirada caminhando pelos campos.
Novidades nos Guimarães
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) confirma a abertura de uma inédita travessia dentro do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, ainda neste ano – sem data fixa definida para liberação aos turistas.
A Travessia da Casa do Morro já tem traçado estabelecido e manejo executado e vai unir diversas trilhas e atrativos já abertos à visitação dentro do parque. Será uma opção de caminhada de pouco mais de 20 quilômetros, a ser feita em dois dias, com pernoite dentro do parque.
Pé na trilha
A cidade de Aiuruoca (MG) é o ponto de partida da trilha, que se desenrola por uma vasta e plana região de campos de altitude. Como o trajeto é longo, são recomendados dois pernoites e a presença de um guia, já que há diversas bifurcações no caminho, partindo para outras trilhas e rotas tropeiras que cruzam o parque estadual.
O trekking passa pelo Pico do Gamarra, conhecido como Canjica pelos locais, um dos pontos mais altos da Serra do Papagaio – grande parte do trajeto, aliás, é feito na média dos 2.000 metros de altitude. Afluentes, rios e cachoeiras são constantes no percurso.
Imperdível
“O destaque na paisagem fica por conta das matas primárias, com araucárias centenárias dominando vales inteiros”, conta Willian Peres, guia da Montañero Expedições, empresa que organiza travessias para turistas na região.
“Em outros pontos da trilha é possível flagrar antigas atividades mineradoras, onde montanhas inteiras foram reviradas atrás de pedras preciosas. A natureza se encarregou de maquiar todo esse cenário, o que deixa o visual bem peculiar”, completa Willian.
Não se esqueça
Por cruzar áreas naturais bastante sensíveis (e até sagradas para nativos), é preciso ter a autorização de passagem do órgão responsável, o Instituto Estadual de Florestas (ver contato a seguir). “Também é fundamental estar bem equipado, pois as repentinas tempestades nessas áreas abertas e altas são assustadoras, com muito vento e frio”, aconselha Willian.
Contatos
A agência Montañero Expedições conta com passeios de três dias pela travessia, (35-9134-9020; montaneroexpedicoes@outlook.com). Para conseguir a permissão de passagem, entre em contato com o Instituto Estadual de Florestas-MG (erssup@ief.mg.gov.br; 35-3221-4666/4716).
Face Leste do Ferraria (PR)
Reaberto e demarcado por trekkeiros em 2011, este caminho de um dia completo (ida e volta) é uma ótima alternativa para um roteiro menos explorado na Serra do Ibitiraquire (PR), local que reúne montanhas como o Pico do Paraná, o ponto mais elevado do sul do Brasil.
Subir a face leste do Ferraria é um verdadeiro ataque ao cume (1.745 metros), com uma ascensão de mais de mil metros. No ápice do trajeto, se percorre a crista da montanha, com visual privilegiado de toda a região.
Pé na trilha
A aventura começa no município de Antonina (PR), por meio do Bairro Alto. O acesso à trilha (e também local para deixar o carro) fica em uma fazenda chamada Lírio do Vale, próximo a Usina Parigot do Sul. Dentro da fazenda, a caminhada começa na Estrada da Conceição, de onde sai o trajeto que leva à face leste da Ferraria.
Como o roteiro é pouco conhecido até mesmo entre os locais, o mais seguro é baixar as indicações do percurso em GPS (veja abaixo). Quem quiser explorar mais a serra pode fazer conexões com outras trilhas, realizando travessias maiores, inclusive rumando para o Pico do Paraná – nesse caso, é preciso estar preparado para pernoitar no mato.
Imperdível
“Justamente por ser uma montanha secundária, ao lado do Pico do Paraná, o Ferraria acaba sendo até mais atraente. Da face leste você consegue ver um ótimo ângulo do Paraná, a montanha mais bonita da serra”, conta Pedro Hauck, experiente trekkeiro e co-fundador do portal de montanhismo Alta Montanha.
“Este trekking é interessante por vários motivos: o esportivo, pois é preciso enfrentar um desnível considerável; o natural, deixando a mata atlântica e chegando até a vegetação campestre; e o histórico, já que se passa próximo a uma antiga trilha indígena que chegou a ser calçada pelos colonizadores, para escoar mercadorias”, acrescenta Pedro.
Não se esqueça
Já que você corre o risco de parar a cada dezena de passos para registrar a paisagem, é bom estar equipado com uma boa máquina fotográfica. Mesmo que a trilha esteja bem aberta e tenha sinalização, vale a pena estar munido de GPS para não errar a entrada do caminho.
Contato
Dá pra ter uma boa ideia da trilha neste link.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2014)