Um imenso planalto termina abruptamente, formando incríveis penhascos de mais de mil metros de abismo até chegarem à planície litorânea. Das bordas desses cânions caem belíssimas cachoeiras, que se transformam em névoa úmida antes de tocar o solo. Em volta, uma região forrada por campos salpicados de araucárias. Para completar, um clima frio, de peculiar cerração. Este cenário magnífico, de condições perfeitas para trekkings alucinantes, fica bem na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina e se chama Serra Geral, o maior agrupamento de cânions da América Latina, com cerca de 250 quilômetros de muralhas.
A região da serra gaúcha foi habitada originalmente por povos tupi-guaranis, que buscavam proteção do deus supremo Tupã (que significa “trovão”) se confraternizando ao redor de fogueiras feitas em buracos no chão para que o vento forte não as apagasse. Eles também bebiam um chá feito de folhas da erva-mate moída misturada à água quente. Daí nasceram muitos dos costumes gaúchos. A região também serviu de palco para lutas históricas, como as que aconteceram entre colonizadores europeus e índios e a Guerra dos Farrapos, entre o governo imperial e os republicanos.
Pensando na preservação desse patrimônio, em 1959 o governo federal criou o Parque Nacional de Aparados da Serra, que inicialmente abarcava apenas as áreas altas da região do município de Cambará do Sul (RS). Em 1972 foram adicionados à área preservada cerca de 5 mil hectares de planícies litorâneas pertencentes à cidade de Praia Grande (SC). A inclusão do território catarinense totalizou 13.082 hectares de parque e garantiu a preservação de um trecho significativo de mata atlântica.
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Mesmo assim, a exploração dos recursos naturais da serra Geral não cessou, em especial devido à derrubada indiscriminada das araucárias, árvore símbolo do sul do país e uma espécie em extinção. Assim, em 1992 um novo decreto criou o Parque Nacional da Serra Geral, garantindo proteção para mais 17.333 hectares.
O acesso de montanhistas e aventureiros aos seus cânions é permitido – e é exatamente apreciar a vista à beira dessas muralhas naturais que sugerimos como roteiro para um fim de semana.
Reserve um sábado para caminhar na região do cânion Fortaleza e dar um super mergulho na piscina natural aos pés da cachoeira do Venâncio. Já o domingo é dia de fazer uma incrível travessia de 23 quilômetros, bordejando outros cânions, e terminar a aventura na cidade litorânea de Praia Grande.
Roteiro de final de semana em Serra Geral:
1º dia: os mirantes
Cambará do Sul, a 200 km de Porto Alegre, é a cidade-base para visitar a parte de cima da Serra Geral. A CS-08 é a rodovia de acesso para o cânion Fortaleza. A estrada é a continuação da avenida principal de Cambará.
Do centro até a portaria do parque são 18 km de chão batido em boa conservação. A entrada para o parque é gratuita, mesmo porque não há infraestrutura, apenas um banheiro público no posto de fiscalização do Ibama.
Depois da portaria, siga por mais 4 km pela mesma estrada e estacione. Aí começa a trilha do Mirante, um percurso leve de cerca de 30 minutos que nos leva a 1.117 metros de altitude e a uma visão espetacular do Fortaleza e da cachoeira de mesmo nome. Se o tempo estiver aberto, dá para enxergar o litoral catarinense e a cidade de Torres (RS), a 30 km dali.
O Fortaleza é o maior cânion da região e tem esse nome pela disposição das suas paredes extremamente verdes, que formam um gigantesco “v”. Ele se estende por cerca de 7,5 km de comprimento, tem 30 km de bordas e em alguns pontos 900 metros de profundidade.
Volte cerca de 2,5 km pela estrada e estacione perto de uma ponte de concreto. Ali começa a trilha para a cachoeira do Tigre Preto e para a pedra do Segredo. A entrada está do lado esquerdo da estrada, sentido Cambará-Fortaleza, indo para noroeste. É um percurso leve e bem marcado. Por cerca de 800 metros a vereda acompanha a margem esquerda do arroio do Segredo, até o alto da cachoeira. Chegando nela, atravesse o riacho com cuidado por cima das pedras, que são lisas e escorregadias.
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Seguindo a mesma trilha por mais cinco minutos, você estará num mirante de onde se encara a Tigre Preto, uma magnífica cachoeira com três quedas que atingem mais de 400 metros de altura. Mais cinco minutinhos e há o mirante da pedra do Segredo, um bloco monolítico de cinco metros de altura e de aproximadamente 30 toneladas, que se equilibra sobre uma pequena base de 50 centímetros.
Volte para Cambará do Sul e corra para dar um mergulho na cachoeira do Venâncio, a 20 km da cidade. Ela é formada pelas águas do rio Camisas, que se afunila criando uma sequência de quedas d’água cristalinas. Ali há uma piscina natural perfeita para lavar a alma.
Essa cachoeira tem o apelido de “Mini Foz do Iguaçu” por causa da semelhança na forma com as cataratas paranaenses. Para completar o visual, a queda é cercada por uma exuberante mata ciliar repleta de araucárias.
Para chegar à cachoeira do Venâncio, pegue a rodovia RS-020 a partir de Cambará e percorra cerca de 8 km até o acesso para a cidade de Jaquirana. A partir daí, são mais 13 km até a fazenda Cachoeira. O local ainda é pouco frequentado, o que o deixa mais charmoso. Como a cachoeira está numa propriedade particular, é permitido acampar com o pagamento de uma taxa de R$ 5. A visitação à queda custa R$ 3.
2º dia: quatro cânions e um final salgado
Para realizar uma travessia de 23 km superbacana na serra Geral, saia de Cambará pela mesma estrada de terra até cerca de 3 km depois da portaria do parque. A trilha começa à direita da estrada (sentido Cambará-Fortaleza) e segue em direção ao sul, sempre com as bordas dos cânions do lado esquerdo. Não há sinalização no início da trilha, mas dá para sacar onde o terreno está mais pisado.
Depois de aproximadamente dez minutos, você passará por uma porteira. Mais dez minutos e surgirá o primeiro cânion, o Corujão. Comparado a seus “irmãos”, o Corujão é menor e menos famoso, mas permite avistar os lagos lá na planície litorânea.
Após esse cânion, a trilha sobe um morrinho e começa a beirar as bordas dos penhascos. Mais 40 minutos de caminhada e chega-se à segunda porteira. Em seguida vem um rio, que precisa ser atravessado, e mais adiante o cânion Leão.
Dali vê-se no chão as perigosas turfeiras, uma mistura de musgo com água, parecida com uma esponja gigante. Se rompida a sua camada superficial, ela engole qualquer coisa, como uma areia movediça. É dessa forma que muitas cabeças de gado somem na região.
Caminhe por cerca de uma hora e meia até cruzar mais um arroio e em mais 20 minutos surgirá o cânion Churriado, com um dos melhores visuais do litoral catarinense. Com tempo bom dá para enxergar o mar e as cidades de Praia Grande e Torres. Até o vértice (o “bico” do cânion, onde ele começa a “rachar” ou abrir) são mais 50 minutos de caminhada, cruzando mais dois arroios. Nesse ponto estamos quase na metade da travessia.
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O Churriado é o cânion de acesso mais difícil do parque e talvez um dos mais belos. Ele tem 3 km de extensão e a altura das paredes variam de 250 a 700 metros. Passando o Churriado haverá uma cerca, que deve ser ultrapassada. Aí a trilha começa a subir até os 1.100 metros de altura. É o ponto mais alto e cansativo de toda a travessia. Mas a vista panorâmica do topo vale a pena.
Do Churriado ao Malacara, o último dos cânions do dia, são mais 30 minutos de caminhada. Logo na chegada, não dá para ver o potencial do Malacara. Mais adentro, no entanto, o visitante se depara com paredes de 900 metros de altura, saindo do chão em perfeitos ângulos de 90 graus, com rochas decoradas de mato verde. Para se chegar ao Vértice são mais 40 minutos por um caminho repleto de mata. Os mais calorentos podem pular no enregelante poço do arroio Malacara, que deságua bem no vértice do cânion.
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Depois de recuperado do estado semi-hipotérmico, ande mais meia hora até um curral de pedra todo gramado por dentro, e mais meia hora até a fazenda Malacara. Dali em diante, opte pela estrada que desce à direita até as nascentes do rio Pavão. As águas que nascem ali deságuam no cânion Itaimbezinho, o mais conhecido da região, 3 km à frente.
Enfim, depois de mais dez minutos chega-se à portaria Gralha Azul, na estrada Serra do Faxinal, que desce a serra sentido Praia Grande. Por incrível que pareça, Praia Grande não tem praia. Ela tem esse nome porque na época da cheia os rios da planície transbordam, transformando essa região num grande alagado.
Combine com alguém para te resgatar de carro neste ponto e, se der tempo, dirijam mais 50 quilômetros para batizar a aventura com água salgada no mar de Torres (RS).
Outras informações sobre as serras gaúchas no site www.clubedosaventureiros.com
DICAS PARA ENCARAR A SERRA GERAL
– Se você pretende caminhar pelas bordas dos cânions, saia cedo. À tarde pode acontecer a “viração”, fenômeno no qual uma neblina espessa surge num piscar de olhos. Ela ocorre por causa da diferença de temperatura e pressão atmosférica entre a região litorânea e a serra, que faz as nuvens subirem rapidamente por dentro dos cânions.
– Se você se perder, evite ir para o interior do cânion, mesmo se avistar uma trilha, pois esta pode ser apenas uma carreira marcada pelo gado. Prefira se guiar pelas bordas do cânion.
– Na caminhada, leve mochila de ataque, recipiente para água (garrafa ou mochila de hidratação), lanche, lanterna, pilhas extras e um bom casaco corta-vento, pois a região é muito fria.
– Reserve com antecedência as pousadas em Cambará do Sul.
– Não é permitido acampar dentro da área do parque, somente em propriedades privadas.