Grupo de escaladores descobre tesouro para os amantes do boulder em região paulista: o Iperocks

Por Verônica Mambrini*

Quando o escalador brasileiro Guilherme Silvano descobriu blocos e mais blocos de arenito na região de Sorocaba, cidade a 82 km da capital paulista, a sensação era parecida com a de chegar ao pote de ouro no fim do arco-íris: qualidade da rocha excelente, em um arenito gostoso de escalar. A parte hoje visível desse garimpo que trouxe luz a dezenas de potenciais pontos de escalada na região ganhou o apelido de Iperocks, em homenagem ao município próximo dali chamado Iperó. A cidadezinha de 36 mil habitantes na região metropolitana de Sorocaba não tem sequer hotel ou pousada, mas já abrigou uma pequena multidão de escaladores durante o primeiro Festival de Boulder (modalidade em que se escala em rochedos de pouca altitude, porém de grande dificuldade técnica) que aconteceu por lá, em junho do ano passado.

“Desde então descobrimos mais blocos. Na próxima versão do croqui (guia que detalha a escalada no local], já haverá mais 100 linhas (rotas de boulder) com escalada de vários tipos, bem distribuídas em todos os setores’, diz o escalador Vitor Hugo Germano, um dos voluntários que trabalha no desenvolvimento do Iperocks.

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Apesar de concentrar uma grande quantidade de adeptos de boulder, o estado de São Paulo não oferece muitos lugares onde praticar na rocha. “A gente viaja o mundo es calando, e achar um pico com essa qualidade no quintal de casa é fenomenal”, entusiasma se Vitor. Boa parte de Iperocks está na zona de amortecimento da Floresta Nacional de Ipanema (Flona), em terrenos que não podem ser desmatados, e também há blocos em propriedades particulares. “Foi então que surgiu a possibilidade de comprar um desses terrenos na região”, conta Vitor.

A preocupação é legítima: os blocos estão espalhados em propriedades rurais, e a autorização para entrada depende da boa vontade dos donos. Não são poucos os casos de proprietários rurais que colocam obstáculos à presença de escaladores, já que o esporte é bastante desconhecido e não existe uma abordagem padrão e nenhum tipo de incentivo oficial para o desenvolvimento da escalada no Brasil.

 

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Com isso, alguns escaladores fizeram uma vaquinha e garantiram um pequeno terreno, que alavancou uma mobilização ainda maior de apaixonados que investem horas não só para escalar, mas para cultivar o local. Mutirões e um grande esforço coletivo resultaram na atmosfera especial que o pico tem hoje, com camping, cozinha, banheiros e chuveiro, apelidada de “cativaço”. Dá para ver da es trada o galpão aberto, que, quando chove ou nas horas mais quentes do dia, acaba sendo o ponto de encontro para uma cerveja gelada, uma roda de violão ou um embalo na rede.

Além de pessoas como Flavio Castagari, o Massa, que abriu, batizou e sinalizou uma parte significativa das linhas do Iperocks, todo tipo de talento disponível entrou na jogada. “É um espaço de convívio, bem roots e colaborativo. Uma galera levantou tudo no braço. Muita gente possuía tempo e força de vontade disponíveis; algumas tinham condições de ajudar nas obras do terreno de acesso às pedras. Foi um sonho meio utópico de que esse lugar andasse sozinho”, diz Vitor.

 

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Uma publicação compartilhada por Iperó Boulder (@iperocks) em 21 de Dez, 2018 às 3:39 PST

Não apenas a força de vontade para pegar enxada e carregar carrinhos de areia, mas a soma de conhecimentos diversos também ajudou. Por exemplo, um dos escaladores trabalha com arquitetura sustentável e projetou uma estrutura de tratamento de esgoto ecológica, sem fossa, com uma bacia de vacuotranspiração. Assim, toda a água escura do banheiro vai para um reservatório e é tratada por bactérias anaeróbicas. A bacia é coberta por uma plantação de banana e outras espécies que precisam de bastante água. “Não geram esgoto, teremos bananas, e ainda fica um espaço ornamental agradável”, comenta Vitor.

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Eles almejam um modelo bastante inspirado em picos de escalada na gringa, que oferecem estrutura não só para escalado res, mas também para corredores de trilha, ciclistas e famílias. Para manter o lugar, há uma caixinha de contribuições para o es estacionamento e camping. Já foi, aliás, uma caixinha de metal, chumbada na entrada. “Mas foi roubada três vezes e tivemos que mudar para pagamento digital, pelo site. Faz parte!”, conta Vitor. “Nosso grande sonho é que Iperó seja uma inspiração e referência para outros destinos de escalada pelo Brasil. Que seja um lugar para aprender a entender o ecossistema, estar no mato, conviver com a natureza.”

 

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Uma publicação compartilhada por Iperó Boulder (@iperocks) em 2 de Jul, 2018 às 6:58 PDT

Em um ano de vida, Iperocks se tornou o 11o pico de boulder mais visitado do Brasil no aplicativo de escalada 8a.nu, um dos maiores bancos de informação sobre escalada do mundo. Atletas brasileiros de elite como Felipe Hoe Camila Macedo costumam aparecer por lá para fazer a primeira ascensão de novas (e difíceis) linhas e relaxar um pouco depois do encerramento da temporada de competições.

A linha mais complexa ali figura como V13 na escalada de dificuldade de boulder, mas há outras que podem ser mais duras ainda (para comparação, as linhas consi deradas mais difíceis no mundo estão entre V15 e V16). Ao mesmo tempo, a maioria dos blocos têm linhas V0, acessíveis, bonitas e que permitem até que um iniciante usufrua de um dia perfeito de diversão.

Apesar de o pico já estar se consolidando bem com a comunidade, ainda há questões a serem resolvidas. Um dos blocos mais frequentados se encontra em um terreno cujo dono cobra pelo acesso, e em alguns meses a arrecadação é deficitária para cobrir todas as despesas. “Os primeiros blocos que descobrimos não estão mais disponíveis no mo mento. Houve proprietários que fecharam o acesso”, diz Vitor. “A escalada ainda é muito frágil: se a gente não puder contribuir, o pico fecha”, reforça Guilherme, que assim como outros escaladores mais envolvidos com Iperó, tem sonhos ambiciosos: encaminhar a exploração do espaço para um modelo que desenvolva o turismo local de uma forma mais sustentável.

“Existe um potencial de centenas de vias nas ravinas da floresta nacional –; para a prática do boulder, passa de milhares de vias na região. São campos e campos de blocos, fora o que está dentro das matas e não fica visível em fotos aéreas”, diz Guilherme, escalador e militar, que compara a região com Fontainebleau, a menos de uma hora de Paris, um dos picos de boulder mais tradicionais do mundo.

 

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Uma publicação compartilhada por Iperó Boulder (@iperocks) em 17 de Jan, 2019 às 9:57 PST

“Em Fontainebleau, existem mais de 30 mil linhas espalhadas em mais de 50 setores; a região da Floresta de Ipanema tem um volume parecido, também espalhado, com alguns lugares mais concentrados. Com uma porcentagem mínima do que pode ser explorado, já se tornou um dos picos mais importantes do Brasil. E não é nada perto do que a região oferece em sua totalidade.”

Com a organização coletiva, o poder público sinalizou abertura. “No Festival de Boulder do ano passado, a prefeitura de Iperó nos apoiou, chegando a enviar uma ambulância para melhorar a segurança do evento”, exemplifica Vitor Hugo. Porém, a comunidade segue se organizando por conta própria para criar uma boa relação com os locais. “Na temporada, passam 60 pessoas por aqui em um fim de semana de tempo bom. Há bastante oportunidade. Queremos criar algo mais orgânico do que grandioso, crescer sustentavelmente no boca-a-boca e fazer com que pessoas de vários lugares possam ter o prazer de escalar aqui”, diz Vitor. Enquanto isso, Iperocks se prepara para a temporada 2019 com um croqui novo, um festival caprichado quando o inverno chegar e melhorias na estrutura de camping – tudo feito de escalador para escalador.