Relato do nosso leitor Celso Campos
Por Thaís Valverde
Um acidente pode marcar a vida. Sobreviver a dois, no mínimo, transforma a existência de alguém. E como lidar depois que sobrevive é o mais importante. O administrador de empresas Celso Campos nos dá uma lição sobre perseverança e o poder dos esportes para nos recuperarmos fisicamente e mentalmente. Celso, hoje com 31 anos, sofreu um grave acidente aos 17 anos em Jundiaí, interior de São Paulo. Quando estava indo de bicicleta para o trabalho, Celso “atropelou” um carro que estava estacionado em um local irregular. A colisão lhe deixou as seguintes marcas e sequelas: corte na jugular, lesão da prega vocal direita (semi paralisia), diplopia (visão dupla), perda de equilíbrio, lesão do plexo braquial alto do lado direito e outras lesões e limitações que transformaram Celso em deficiente físico a partir daquele dia.
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Um ano meio depois de sofrer o acidente com a bicicleta e enfrentando uma depressão, Celso se envolveu em outro acidente, ainda mais grave. Em 2006, ao sair de uma festa com amigos, o carro em que ele estava como passageiro bateu em um poste. O motorista, seu amigo, morreu na hora. Celso, que estava no banco de trás, teve traumatismo craniano e pulmonar, quebrou a coluna e entrou em coma – só depois de dois meses ele acordou.
“Eu não falava, não mexia nenhuma parte do corpo apenas os olhos. [Os médicos] ficaram com a desconfiança que eu tivesse fraturado a medula também”, conta. Celso passou por uma série de cirurgias, e um processo de recuperação que envolveu 17 profissionais cuidando dele, entre médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionista, treinadores e professores.
“Com o tempo fui encontrando os caminhos para viver e a cada semestre, depois trimestre, bimestre, mês e dias as minhas limitações ficavam menores e diferentes das anteriores e assim tendo que diagnosticar e determinar como faria para superá-las.”
Desde o primeiro acidente, Celso tinha sido orientado a se recuperar através do esporte, também como uma forma de se acostumar a viver com as limitações que tinha adquirido.
Celso sempre foi um jovem ativo, amante de esportes. Jogava bola, andava de mountain bike, corria e nadava. Depois do primeiro acidente, ele decidiu andar ainda mais de bicicleta, mas agora, pela lesão na coluna e cabeça teve que decidir o oposto, e vender a bicicleta.
“Não iria nunca mais praticar esse hobby que eu tanto amava, isso aos meus 21 anos. Analisei quais os riscos de outros esportes que eu sempre gostei (para mim, hoje, todos são fatores de risco pois com a fixação na coluna (artrodese) então decidi pelo surf.”
Natação e a prova Fuga das Ilhas
“Quando eu estava na cama, logo após o acidente de bicicleta, tentando lidar com minha situação física, comecei a pensar em qual esporte eu usaria para preencher essa necessidade nata que tenho. Pensei no Surf. Um esporte radical, em contato com a natureza e relativamente individual. Pensando como eu alcançaria isso determinei que eu teria que me empenhar na natação. Fiz isso até que comecei a ir pro mar surfar. A primeira vez que fui, depois do segundo acidente, tive problemas com minha barriga pois fiquei com um hérnia devido a gastrostomia. Fiz a operação e depois de praticamente um ano retornei ao mar. Aqui cabem diversas histórias sobre o surf que, inclusive, acontecem até hoje. Mas nesse relato quero contar sobre a natação e a prova da Fuga das Ilhas – um desafio que atletas viajam de escuna até o alto mar da praia da Barra do Sahy, litoral norte de São Paulo, para encarar 2.000 m de água salgada nadando de volta à costa.
Em 2012 fiz minha primeira prova, cheio de dúvidas se eu conseguiria. Terminei em mais de 1h e 20″, acredito que em último pois alguns caiaques ficaram me acompanhando uma boa parte da prova e não demorou muito para a próxima bateria começar a chegar na praia. Não quis me apegar ao tempo que completei, pois não fiquei me sentindo bem, mas completei, e foi uma uma grande vitória para mim devido as minhas dificuldades. Apesar da colocação, eu estava determinado a fazer mais vezes e melhorar meu tempo.
No ano seguinte não pude ir pois me machuquei (ombro, onde tenho deficiência). Em 2014 e 2015 fui acreditando melhorar muito, pois tinha tido tempo para me desenvolver. Melhorei mas não muito. Em uma das provas sofri de hipotermia.
No final de 2017 ingressei no Programa de Esportes e Atividades Motoras Adaptadas (PEAMA) de Jundiaí, estava indo para o mar para treinar natação e finalmente melhorei meu tempo para 45 m e 56”. Resumidamente meu interesse com a natação é descobrir até que ponto eu posso e consigo evoluir e assim me conhecer melhor.”
Surf na Austrália
“Minha história no surf começou em 2011. Tive que aprender a me arrumar deitado na prancha (noção de espaço), fôlego, força, posicionamento certo para conseguir entrar na onda. Às vezes apareciam as lesões no ombro lesionado e tinha que esperar um tempo pra tentar novamente. E depois tinha um tempo para a readaptação.
Em 2015 recebi um convite de casamento de um amigo que mora na Austrália, aceitei e decidi sair do meu trabalho na época para então aproveitar e viajar um pouco por lá. Fiz uma viajem onde começou na Gold Coast para o casamento, depois até Byron Bay, onde pegamos uma van que foi nossa casa por 20 dias. Viajamos pela Costa Leste passando por mais de 10 cidades. O foco da viagem foi principalmente para o surf. Surfamos em Snapper Rocks, D-Bah, StradBroke Island entre outras na Gold Coast.
Um detalhe, até hoje, eu não posso dizer que surfo 100%, pois apesar de eu ter o físico resistente e preparado para varar a arrebentação, me posicionar certo, remar para entrar nas ondas, eu tenho uma deficiência no equilíbrio que me impede de conseguir ficar em pé em todas as ondas. Aliás, pode-se dizer que poucas vezes eu consigo. Preciso estar com um longboard que fica mais fácil. Agora imagina eu, fazendo uma viagem para a Austrália para surfar, sem conseguir surfar direito. Fiquei amarradão, sei que faz parte da minha evolução. Estar em contato com a natureza me trás uma força e energia que me motiva muito e não me deixa desistir.”
A força do pensamento
Celso afirma com convicção que foi através dos esportes que encontrou a motivação necessária para buscar incessantemente sua recuperação. “Mesmo sendo uma dúvida apontada por médicos, me serviu como uma perfeita ferramenta de inclusão social, pois durante um dois anos da minha vida estive em contato apenas com profissionais da saúde. Virei uma máquina em me tratar, mas só sabia conversar sobre esportes.”
Hoje, Celso também faz palestras para diversas áreas (Motivação, Resiliência e Poder do Desejo). Para ele, os dois acidentes e como ele lidou com essa mudança brusca na vida ainda tão jovem, deixou a lição da importância da resiliência e a força do pensamento. “O que você deseja, se você tem uma constância de objetivo e está atento às oportunidades que surgem em decorrência desse pensar, você irá alcançar o objetivo que almeja. Às vezes não exatamente como desejava, às vezes sim. Mas estando disposto a se adaptar às situações, no final o certo e o melhor sempre acontecem.”