Por Mario Mele
EM AGOSTO, será o sétimo ano seguido que a aventura e os esportes outdoor ganharão a devida e merecida atenção no Brasil: nos dias 12 e 13 daquele mês, em um telão de cinema montado no Parque Villa Lobos (uma das áreas livres mais agradáveis da cidade de São Paulo), o Rocky Spirit 2017 celebra o espírito indomável com uma refinada programação de filmes atuais com a temática outdoor – exatamente como faz desde 2011.
O evento mantém a tradição de apresentar ao público brasileiro alguns dos melhores documentários curtas-metragens lançados neste ano no Mountainfilm in Telluride – um pioneiro festival de cinema outdoor que rola todo ano desde 1979 no Colorado, EUA. O Rocky Spirit também vai contar com produções nacionais recentes dos gêneros esporte, aventura e meio ambiente, em uma seleção feita pela equipe de conteúdo da editora Rocky Mountain (que produz o Rocky Spirit e publica as revistas Go Outside, Bicycling, Hardcore e outras) a partir de um sistema de inscrição aberta ao público. “Do Mountainfilm, trazemos os melhores filmes sobre aventura feitos no mundo. E da seleção feita aqui no Brasil, reunimos os documentários nacionais mais legais feitas sobre esse tema. O que nos deixa muito felizes é que a qualidade e a quantidade das produções nacionais vêm aumentando a cada ano. O Rocky Spirit está cumprindo seu papel de inspirar não só o público, mas também diretores e produtores brasileiros”, diz Andrea Estevam, diretora de conteúdo da Rocky Mountain e do festival Rocky Spirit.
Para Andrea, o Rocky Spirit é uma oportunidade única de os brasileiros ficarem a par dos melhores filmes sobre esportes de aventura e meio ambiente produzidos no Brasil e no mundo, e que dificilmente teriam a chance de assistir em outro lugar.
Neste ano, o reverenciado espírito de superação continua presente em filmes como Ascend, que conta a história de Jon Wilson. Depois de ter a perna esquerda amputada por causa de um câncer raro, Jon se tornou um atleta ainda melhor em seu esporte, o mountain bike. “Se eu não pedalo, perco a cabeça”, diz ele.
Young Guns, outro curta que entrou na seleção do Rocky Spirit 2017, acompanha os treinos e as competições dos jovens escaladores norte-americanos Kai Lightner e Ashima Shiraishi, que antes mesmo de atingirem a maioridade já venceram campeonatos contra os maiores nomes da modalidade – além de encadenarem algumas das vias mais difíceis do mundo durante o processo de evolução constante.
John Schocklee: Um Conto de Fadas é sobre um personagem não famoso, mas não menos inspirador. Aos 52 anos, John Schocklee é um cara que sempre viveu na contramão dos “padrões sociais” e até hoje não vê problemas em ganhar pouca grana – desde que esteja fazendo muito do que mais gosta, esquiar.
Verdadeiros espíritos desbravadores não medem esforços para colocar a aventura em um novo patamar, uma mensagem glorificada todo ano pelo Rocky Spirit e que, desta vez, está bem ilustrada pelo documentário Into Twin Galaxies: Em uma expedição de 46 dias, os aventureiros Erik Boomer, Ben Stookesberry e Sarah McNair-Landry combinam kitesurf, esqui e caiaque para pisar pela primeira vez em uma região polar totalmente inóspita do oeste da Groenlândia.
PARA DAVID HOLBROOKE, que há dez anos é diretor do Mountainfilm em Telluride, a qualidade dos filmes só vem melhorando a cada edição. E, além de seu caráter “esportivo e inspiracional”, ambos os festivais são relevantes por mostrarem diferentes estilos de vida, que, além de motivadores, costumam ter impactos positivos no planeta. Conversamos com o norte-americano, que a seguir fala sobre a importância da tecnologia de filmagem no cinema outdoor e sobre seus filmes favoritos na edição 2017.
GO OUTSIDE: O tema “a cura pela natureza” foi uma bandeira levantada propositalmente pelo Mountainfilm neste ano ou se revelou uma coincidência, com filmes que mostram bem isso, como Charged?
David Holbrooke: Na verdade, a seleção é aleatória. Escolhemos um filme sempre por algum aspecto em especial… Uma evolução, uma causa, uma voz. A história é importante, seja ela inédita ou uma versão mais bem contada de um acontecimento relevante. Neste ano, [a escritora] Florence Williams palestrou sobre suas pesquisas relacionadas aos benefícios da natureza [leia entrevista com ela na pág. XX]. Charged é um filme lindo que mostra o retorno à natureza de um cara que foi gravemente ferido. Mas o Mountainfilm nunca é necessariamente sobre um único tema. Charged é também um conto de bravura, no qual você se sensibiliza com a história a todo o momento. Há muito da personalidade de Eduardo ali, que serve de inspiração para as pessoas levarem uma vida melhor.
Percebemos que a “câmera lenta” tem sido um recurso muito usado ultimamente nos filmes outdoor. É uma nova tendência?
Realmente, muitos diretores têm recorrido a esse efeito. Mas ainda vemos bastante time-lapses e outros recursos. Eu acredito que esses “efeitos ilusórios” podem mesmo deixar uma tomada mais interessante. Entretanto a evolução de recursos e equipamentos não vai funcionar se a história não for boa.
Ainda é possível termos bons filmes cuja aventura por si só seja o enredo principal?
Claro. Grandes atletas estão fazendo excelentes trabalhos em suas modalidades, com grandes cinegrafistas registrando isso. Por exemplo, Alex Honnold escalando o El Capitan em free solo e sendo filmado por Jimmy Chin.
Mas e quanto aos “pobres mortais”?
Também. John Schocklee é um exemplo. É um filme de aventura e com boas tomadas de esqui. Mas é, ao mesmo tempo, uma baita história sobre um cara anônimo e interessante. Acho que tudo começa por um grande tema.
E quão importante é para o Mountainfilm exibir produções mais comportamentais, como The Convention [que se aprofunda na vida e na personalidade de homens que se vestem de mulher]?
É muito importante. A mensagem deixada é uma coisa que funciona muito bem nesses documentários. The Convention é um filme fascinante, muito bem feito e que mostra claramente que as pessoas têm que ser elas mesmas e se expressarem, independentemente de tudo. E, novamente, é um roteiro muito bem escrito, com ótimos personagens. Talvez ele não seja um filme recomendado ao público do Rocky Spirit, mas aqui no Colorado teve uma ótima audiência [o filme não será exibido no festival brasileiro].
Mammoth, que apresenta o trabalho de um pai e filho para recriarem uma reserva natural do Pleistoceno, “fabricando” animais extintos, como o mamute, em laboratório, é de fato um documentário. Mas é possível que algum filme de ficção passe despercebido pela curadoria do Mountainfilm e seja exibido como documentário?
Há muitas coisas acontecendo pelo mundo, e é uma preocupação nossa mostrar essas realidades em diferentes lugares. Porém os mockmentaries [um filme de ficção feito com as características de um documentário] são hoje um gênero consolidado – e facilmente identificável. Fora que contamos com curadores experts no que fazem e que conseguem avaliar a veracidade das histórias que estão sendo contadas.
O que de melhor você testemunhou ao longo de dez anos à frente do Mountainfilm?
Eu era um espectador antes de fazer parte, e por isso posso dizer que a qualidade dos filmes melhorou significativamente. Sei que o mesmo aconteceu com outros festivais, porém estou há muito tempo nisso. E, particularmente, acredito no potencial do Mountainfilm para ajudar a transformar o mundo para melhor.
Quais são os seus filmes favoritos do Mountainfilm deste ano?
Não diria “favoritos” porque considero todos eles grandes filmes. Mas há filmes muito importantes, como Chasing Coral, em que você entende o que está acontecendo com uma paisagem incrível, que também é um ecossistema indispensável. Em The Farthest, gosto da ideia de como as pessoas são capazes de se envolver em missões extremamente complexas para realizar feitos fantásticas, como uma exploração interplanetária. Em Bill Nye: Science Guy, destacaria os ensinamentos desse cientista para vivermos melhor no futuro. City of Ghosts é outro documentário de grande importância, que mostra o trabalho arriscado de jornalistas que querem revelar ao mundo as barbaridades que estão acontecendo na Síria. Entre os curtas-metragens, destacaria Ascend e American Psychosis [em que o autor e ativista Chris Hedges discute o consumismo moderno e o poder do corporativo totalitário norte-americanos em uma cultura dominada pela ilusão].
O que você enxerga hoje como uma tendência do gênero outdoor?
É hora de olharmos para a aventura de um jeito diferente. Há filmes sobre as aventuras da mente e as aventuras da alma. The Convention é um filme de “aventura da alma”. Há diretores por aí fazendo coisas incríveis, e é o nosso papel ter um olhar diferente também.
* Confira a programação completa do Festival Rocky Spirit de Cinema Outdoor no site do evento: rockyspirit.com.br