A Ilha Grande é um dos lugares mais bacanas do Brasil

Por Christian Fuchs
Foto por Enrico Marone

Até 94 praticamente não se ouvia falar em Ilha Grande. O turismo nessa bela ilha era praticamente inexistente, inibido fortemente pelo presídio que funcionava na praia de Dois Rios e abrigava muitos dos piores criminosos do Brasil. Ainda hoje os nativos da ilha contam as histórias e lendas de fugas cinematográficas. Após sua desativação, parte do presídio foi demolido para a construção de um resort de luxo, que acabou sendo barrada pelas autoridades ambientais. Ainda bem! Sobrou mais pra nós, aventureiros!

A Ilha Grande possui mais de 80 praias – parte delas protegidas por uma reserva natural – com águas muito claras, o que faz dela um dos destinos brasileiros mais interessantes para os amantes da canoagem oceânica. Baías abrigadas, praias selvagens de mar bravio, pontas rochosas que impõem respeito, um farol do século XIX e várias histórias de piratas e escravos contribuem para a aventura de seus 95 km de circunavegação. Com as condições climáticas a favor (ondas, tempo e vento), a volta geralmente é completada em 3 dias, bem remados.

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1° dia

Há duas possibilidades de começar a volta: embarcar os caiaques em alguma traineira que faz o transporte de Angra dos Reis para a Ilha Grande e começar a remar do Abraão (a “capital” da ilha) ou começar a remar do continente, de alguma praia entre Monsuaba e Conceição de Jacareí, evitando a logística de transporte dos barcos. Neste ponto do litoral, mais próximo à ilha, a travessia é curta (apenas 4 km, em média).

Nossa volta à ilha será feita no sentido horário. Saindo da vila de Abraão em direção ao norte, do lado protegido do canal, passando pelas praias de Abraãozinho e Morcegos, cruza-se a Enseada de Palmas e já se pode avistar a ponta de Castelhanos, com o seu farol secular, na extremidade leste da ilha. O ideal é parar a cada uma ou duas horas de remada para esticar as costas, se hidratar e se alimentar, além de curtir as praias do caminho. Antes do farol, existe uma prainha boa para descansar antes de encarar a ponta de Castelhanos. Prepare-se, pois após a laje de Castelhanos, você já vai enfrentar mar aberto, num dos trechos mais expostos da travessia.

Vila de Abraão

Consulte a previsão do mar e ventos antes de se jogar no mar aberto. Serão uma hora e meia, mais ou menos, de travessia até passar o costão e entrar na enseada de Lopes Mendes, que contém a praia de mesmo nome, muito bonita. A praia é ótima para o surf, por isso saia pelo canto esquerdo (olhando para o mar), mais tranqüilo. Após Lopes Mendes, existe uma mini praia chamada Santo Antônio (com ondas fortes) e, logo a seguir, o Caxadaço, uma linda prainha protegida por uma ponta de pedra, que praticamente não se vê do mar, ideal para camping selvagem. Esse dia tem cerca de 35 km ou 6 horas de remo.

2° dia

Ruínas do presídio na praia de Dois Rios

Após uns 50 minutos de remada, a passagem pela lindíssima praia de Dois Rios é obrigatória, para visitar as ruínas do presídio e curtir o visual. Tome fôlego para o próximo trecho, bem puxado, até a praia de Parnaioca. São 11km de costão (duas horas), portanto tenha à mão algo pra comer e beber. As próximas praias, de Leste e de Sul, fazem parte da reserva e têm ondas fortes, quase impossibilitando o desembarque com os caiaques. Prefira continuar por mais 7 km (1:15 h) até Aventureiros, praia muito bonita também, que possui um camping. Alimente-se bem e, se o clima estiver favorável, siga para as pontas mais respeitadas da ilha: a do Drago e a dos Meros – dois costões íngremes que se estendem por mais de 11 km até o próximo ponto de parada, na praia de Provetá, uma colônia de crentes fervorosos que possui um camping na praia. Total do dia: 33 km. Tava pensando que era mole?

3° dia

Com a parte mais difícil e exposta da viagem para trás, a próxima atração é a gruta do Acaiá, na qual é possível entrar pela boca submersa e sair pelo seco – mas só para os mergulhadores experientes. Passando pela praia Vermelha (já com duas horas de remada) e Araçatiba (a segunda maior comunidade da ilha), chega-se à Lagoa Verde (na ilha da Longa), onde existem grandes quantidades de peixes, alimentados pelos turistas para observação. Matariz possui ruínas da antiga fábrica de pescado e, mais adiante, na parte de dentro da Ilha dos Macacos, está a Lagoa Azul, onde também existe uma grande concentração de peixes “turísticos”. A passagem do mini canal formado pela ilhota dá uma emoção extra à remada! Outra baía imperdível é a Saco do Céu, com águas verdes e paradas, rodeadas por um mangue. Este dia é também longo (cerca de 38 km ou 7 horas de remada), mas os pontos de parada até se chegar de volta ao Abraão são inúmeros. Faça o seu planejamento e mande bala!

Mergulho na Lagoa Azul

Dicas: Cheque sempre a previsão de tempo e certifique-se que você e seus companheiros estão com caiaques adequados e possuem conhecimento suficiente de auto-resgate, para curtirem o passeio sem se meterem numa fria! Apesar das muitas praias e paradas, essa é uma travessia longa e desafiadora, que exige um bom preparo físico e técnico. Lembre-se de se proteger bem do sol e se hidratar muito. Faça paradas rápidas de hora em hora, para se esticar fora do caiaque. O benefício é enorme!

O que levar: colete salva-vidas, equipamento para camping, comida e água, dinheiro para se reabastecer nos pontos em que há comércio (Abraão, Araçatiba e Provetá). Leve protetor solar resistente à água, luvas para proteger as mãos, boné, vaselina ou Hipoglós para prevenir assaduras e um pequeno kit de primeiros socorros. Não se esqueça da máscara e nadadeiras de mergulho!

Em São Paulo, a Aroeira Outdoor oferece expedições e cursos em caiaques oceânicos, inclusive os únicos com certificação da ACA (American Canoe Association). No Rio, a remadora Simone Duarte (primeira mulher a fazer a travessia solitária de RJ a Santos) ministra cursos e saídas de caiaque oceânico simkayak@gmail.com

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2007 e atualizada em maio de 2019)