A história da corrida está tecida numa colorida tapeçaria de conquistas tanto por homens como por mulheres, mas considerando que as mulheres só foram autorizadas a inscrever-se em maratonas em 1972, a história feminina guarda triunfos que quebram barreiras e momentos de bravura que eliminam as disparidades de gênero.
Em 1873, o professor da Escola de Medicina de Harvard, Edward Clarke, publicou Sex in Education: A Fair Chance For The Girls , uma obra literária que afirmava que as mulheres não deveriam estudar mais de quatro horas por dia e que a atividade física levava à atrofia ovariana. Ele manipulou a ciência para espalhar uma falsa narrativa de que as mulheres não deveriam ser atletas – ou mesmo iguais. Esse tipo de pensamento criou anos de obstáculos para as atletas femininas.
Mesmo no primeiro ano em que as mulheres foram autorizadas a competir nas Olimpíadas (1900), elas foram deixadas de fora da categoria de corrida e designadas para tênis, vela, críquete, golfe e hipismo. Em 1928, porém, as regras foram alteradas. Uma mulher, Betty Robinson, entrou na pista olímpica e se tornou uma das primeiras a quebrar recordes e convenções femininas.
Para celebrar o Mês da História da Mulher, começamos do início:
Betty Robinson
Elizabeth “Betty” Robinson foi a única atleta dos EUA a se qualificar para a corrida de 100 metros rasos nas Olimpíadas de Amsterdã de 1928, os primeiros Jogos em que as mulheres puderam competir. Com apenas 16 anos, ela venceu a bateria feminina com o tempo de 12,2 segundos, mas ainda foi considerada campeã “inaugural” devido ao seu gênero. Isso não descarta o fato de ela ainda ter sido a primeira mulher a ganhar uma medalha de ouro no atletismo.
Carmen de Oliveira
Durante 23 anos, nenhuma atleta brasileira conseguiu bater o recorde de Carmem de Oliveira obtido na Maratona de Boston (2h27min41). Ela foi a primeira atleta a conquistar um sub-2h30 nos 42 km. Além disso, ela foi a primeira mulher do país a vencer a São Silvestre, em 1995.
Durante muito tempo também não apareceu nenhuma sul-americana mais rápida que Carmem nos 5 km (sua marca, de 1992, é 15min39). E ainda não apareceu ninguém que a superasse nos 10 km de estrada (tem 32min06, de 1993) e nos 15 km de estrada, em que fez 48min38 em 1994. Aposentada, ela torce para que seus recordes sejam batidos.
Mildred “Babe” Didrikson Zaharias
Embora alguns possam conhecê-la pelos 82 torneios de golfe que ela venceu ao longo de sua carreira, Babe Didrikson Zaharias foi a primeira estrela do atletismo. Determinada a competir nas Olimpíadas, mas sem recursos e apoio para seu treinamento, ela treinou em sua vizinhança, saltando cercas vivas e correndo para cima e para baixo nas ruas. Quando chegou a hora das Olimpíadas de 1932, Zaharias se classificou para cinco eventos, mas as mulheres só podiam participar de três naquela época. Ela ganhou o ouro no dardo e nos 80 metros com barreiras, quebrando recordes em ambas as provas.
Wilma Rudolph
Embora tenha sido informada desde muito jovem que ela nunca andaria corretamente, Wilma Rudolph ficou conhecida como “a mulher mais rápida de todos os tempos”, foi Atleta do ano em 1960 e 4 vezes ganhadora da medalha nas olimpíada. Rudolph sobreviveu à poliomielite e à escarlatina, o que a forçou a usar aparelho ortopédico até os 11 anos. Muitos médicos disseram que ela mal conseguia andar, muito menos correr. Mas no ensino médio ela foi nomeada All-American no basquete e foi escolhida pelo técnico de atletismo da Tennessee State University para correr em nível universitário. Aos 16 anos, conquistou a medalha de bronze nas Olimpíadas de 1956, 4 x 100 metros. Nas Olimpíadas seguintes, em 1960, ela ganhou três medalhas de ouro nos 100 metros rasos, nos 200 metros e nos 4 x 100 metros. Mesmo depois de se aposentar da corrida, ela continuou a promover o esporte atuando como diretora assistente da Fundação Juvenil do prefeito Daley de Chicago, uma organização criada para incentivar e apoiar programas de atletismo para meninas.
Ana Luiza dos Anjos Garcez
Uma das principais corredoras master do Brasil, a especialista em meias maratonas Ana Luiza dos Anjos Garcez, a “Animal” fez da corrida um instrumento de superação. Ela morou por 18 anos nas ruas e sofreu diversos tipos de abuso. Começou a “praticar” corrida fugindo da polícia quando usava e vendia drogas e chegou a completar uma maratona apenas para provar que conseguia. Sua história chamou a atenção de um programa de incentivo à prática de esportes da prefeitura de São Paulo, que a colocou no caminho das corridas de rua.
Arlene Pieper
Em 1959, a corredora, mãe e proprietária de academia, Arlene Pieper, queria promover o negócio dela e de seu marido em Colorado Springs, o Arlene’s Health Studio, e não conseguia pensar em uma maneira melhor de ser notada do que correr a Maratona de Pikes Peak. Com sua filha Kathie (9) a reboque durante metade da corrida, ela acelerou para cima e para baixo no cume, sem saber que tinha acabado de fazer história como a primeira mulher a terminar oficialmente uma maratona nos EUA. Foi somente quando um historiador a contatou em 2009 que ela percebeu a magnitude de sua realização. Depois disso, todos os anos ela comparecia à Maratona de Pikes Peak para participar das cerimônias, com os competidores entusiasmados com sua celebridade. Em 2019, uma semana antes da corrida, um grupo de mulheres comemorou o 60º aniversário da conquista de Pieper vestindo o que ela usou naquele dia de 1959 – blusas brancas sem mangas, shorts brancos e lenços de cabeça – e subindo Pikes Peak.
Roberta Gibb
Todo mundo conhece a história de Katherine Switzer, a primeira mulher a correr a Maratona de Boston de 1967 com um número oficial de corrida, mas poucas pessoas sabem que a corrida já foi disputada não oficialmente por uma mulher. Roberta “Bobbi” Gibb tentou se inscrever para a Maratona de Boston de 1966 e recebeu uma carta de rejeição dos organizadores da corrida, alegando que não poderiam aceitá-la porque uma corredora era um risco. Gibb não desanimou. Vestida com um moletom grande e shorts de corrida masculino, ela se juntou secretamente à Maratona de Boston de 1966 logo após o disparo da arma e terminou com o tempo de 3:21:40.
Kathrine Switzer
Um dos nomes mais conhecidos da história da corrida, Kathrine Switzer foi a primeira mulher registrada a correr a Maratona de Boston. Na época, não havia nada no livro de regras de Boston que declarasse explicitamente que as mulheres não poderiam competir. Durante a inscrição, ela assinou seu nome KV Switzer, e foi assim que ela, sem saber, passou despercebida aos organizadores da corrida. Foi durante esta corrida que foi tirada a infame foto do diretor da corrida Jock Semple tentando empurrar Switzer para fora do percurso. Ele teria gritado: “Dê o fora da minha corrida e me dê esses números!” antes de ser bloqueado pelo namorado de Switzer, Tom Miller. Switzer nunca teve a intenção de disputar a corrida para defender os direitos das mulheres, mas depois de obter uma reação tão visceral, ela decidiu a partir de então lutar por outras atletas que enfrentavam a mesma discriminação.
Polly Smith, Lisa Lindahland e Hinda Schrieber
Antes de existir os tops esportivos, as mulheres tinham que correr e se exercitar usando sutiãs normais com armação. Inventora e empreendedora, Lisa Lindahland achou que era extremamente doloroso e fez parceria com a figurinista de teatro, Polly Smith, e sua assistente, Hinda Schreiber, para encontrar uma alternativa mais confortável. Assim, em 1975, nasceu o Jogbra, construído com dois suportes atléticos costurados entre si. Logo se tornou um elemento básico no movimento de corrida feminina e o protótipo original vive no Smithsonian Institution.
Grete Waitz
Grete Waitz terminou sua primeira Maratona de Nova York em 1978, cruzando a linha de chegada, arrancou os sapatos, jogou-os fora e anunciou: “Nunca mais farei essa coisa estúpida!” No entanto, apenas um ano depois, ela correu novamente e se tornou a primeira mulher a correr uma maratona mais rápido que duas horas e meia. E ela não parou ali. Entre 1978-1988, Waitz venceu nove maratonas de Nova York. Ela também venceu a Maratona de Londres em 1983 e 1986. Waitz é conhecida como um das primeiras maratonistas dominantes da era moderna e continua sendo uma estrela internacional de atletas de resistência em todos os lugares.
Joan Benoit
Embora seu sucesso mais recente tenha sido a conquista da medalha de seis estrelas do World Majors na Maratona de Tóquio de 2024, Joan Benoit Samuelson começou sua carreira que alterou recordes ao vencer a Maratona de Boston de 1979 como uma corredora relativamente desconhecida. Alguns anos depois, ela dobrou a aposta e estabeleceu um recorde de percurso na Maratona de Boston de 1983 – ninguém bateu seu tempo em 11 anos. Ela venceu a Falmouth Road Race seis vezes antes de realizar seu próximo grande feito: tornar-se a primeira mulher campeã olímpica da maratona nas Olimpíadas de 1984. Benoit continuou a fazer grandes progressos ao longo dos anos – escrevendo dois livros, fundando a Beach to Beacon 10K Road Race, acompanhando o campeão de ciclismo Lance Armstrong – e continua a correr até hoje.
Tegla Loroupe
Em 1994, Tegla Loroupe (21) tornou-se a primeira mulher negra africana a vencer uma grande maratona ao terminar a Maratona de Nova York com o tempo de 2:27:37. Ela voltou em 1995 e venceu novamente, depois quebrou o recorde mundial na Maratona de Rotterdam de 1997. Alguns anos depois, Loroupe bateu seu próprio recorde na Maratona de Berlim de 1999. Além dos seus feitos atléticos, Loroupe é embaixadora de jovens corredoras, tendo fundado a Fundação Tegla Loroupe para a Paz em 2003. A sua esperança é inspirar a paz nas suas comunidades no Quênia e criar oportunidades esportivas para as jovens meninas. Em 2016, Loroupe foi homenageada com o prêmio Personalidade do Ano das Nações Unidas e até hoje continua o seu trabalho na promoção da paz.
Amy Palmiero-Winters
Amy Palmiero-Winters é a atual detentora do recorde da Maratona de Chicago mais rápida por uma pessoa amputada abaixo do joelho, homem ou mulher. E embora seja um feito incrível, foi apenas o começo para Palmiero-Winters. Em 2009, ela ficou em primeiro lugar na categoria feminina do Heartland 100 Mile, tornando-se a primeira amputada a vencer uma ultramaratona. Ela continuou a competir no Campeonato Mundial de Ultramaratona de 24 Horas da IAU, na Western States Endurance Run, na Ultramaratona de Badwater e, mais recentemente, na Maratona Des Sables de 2019.
Sarah Attar
Em 2012, o Comitê Olímpico da Arábia Saudita foi acusado de quebrar o espírito do compromisso de igualdade da Carta Olímpica ao proibir as mulheres de competir nos Jogos de Londres. Em resposta, a equipe dominada por homens colocou duas mulheres para frente, Wujdan Shaherkani para o judô e Sarah Attar para o atletismo. Nenhuma das mulheres se classificou tecnicamente, mas receberam curingas para competir. Attar estava inegavelmente despreparada para os 800 metros femininos, pois ela teve apenas três semanas para treinar e recursos limitados para fazê-lo. Ela terminou em último com o tempo de 2:44:95, mas sua representatividade e bravura foram mais notadas naquele dia.
Camille Herron
Ao crescer, Camille Herron enfrentou uma infinidade de desafios – Transtorno do Processamento Auditivo Central, um osso extra no pé e o tornado de Oklahoma em 1999 – mas todas essas dificuldades a levaram a começar a correr no ensino médio. Todos os domingos, ela fazia uma longa corrida para celebrar a vida e valorizar o que havia de bom e de ruim. Depois de se formar na Oregon State University com mestrado em Ciências do Exercício e do Esporte, Herron se aprimorou na corrida competitiva e se tornou um ícone no mundo ultra. Ela é a única atleta a vencer todos os três Campeonatos Mundiais de Ultra Road da IAU e se tornou a terceira americana a vencer a Maratona Comrades em 2017. Em 2022, ela se tornou oficialmente a mulher mais jovem a correr 160.000 milhas em sua vida, e em 2023, ela quebrou o recorde mundial de 48 horas de corrida, percorrendo mais de 270,5 milhas. Isso a tornou a primeira mulher a deter um recorde americano geral (masculino ou feminino).
Tigist Assefa
Em 2023, Tigist Assefa fez história ao estabelecer um novo recorde mundial da maratona feminina na Maratona de Berlim com o tempo de 2:11:53. Iniciando originalmente sua carreira de atletismo, ela representou a Etiópia no Campeonato Etíope de Atletismo, no Campeonato Africano de Atletismo, na Liga Diamante de Lausanne e muito mais. Em 2018, estreou-se como promissora corredora de longa distância, terminando em quinto lugar na Meia Maratona de Valência. Recentemente, no entanto, ela fez sucesso ao vencer duas Maratonas de Berlim consecutivas em 2022 e 2023. Assefa deve liderar a elite feminina na Maratona de Londres de 2024, que promete ser um evento histórico.