Se atingido por um raio, a corrente pode causar queimaduras e outros danos a diversas partes do corpo 

Por Karina Oliani*

Um dos assuntos menos abordados, e que considero muito importante quando falamos em medicina outdoor, é acidentes com raios.

Talvez porque seja algo difícil de ser remediado, mas que geralmente deixa algum tipo de seqüela permanente — e quando primeiros socorros talvez não tenham qualquer utilidade. Então vamos falar do que interessa: a prevenção desse tipo de acidente.

Gostaria de citar alguns dados para justificar e dar bons motivos para gastar 15 minutos do seu tempo e ler esse artigo até o final:

>> A cada 50 mortes por raios no mundo, uma é no Brasil.
>> Nosso país é o campeão mundial em incidência do fenômeno.

Suficiente? Não? Então vamos a outros dados:

>> Anualmente ocorre no Brasil uma média de 100 mortes e mais de 300 feridos nesse tipo de acidente.
>> O prejuízos no país chegam a quase R$ 100 milhões ao ano.
>> 80% dos casos com vítimas fatais podem ser evitados se as pessoas souberem como se proteger.

Mas, antes de saber como se livrar deles, vamos entender rapidamente alguns conceitos básicos:

Raios 

São descargas elétricas de grande intensidade que conectam as nuvens de tempestade na atmosfera ao solo. Em geral possuem intensidades da ordem de 10 KA e percorrem distâncias da ordem de 5 quilômetros.

Relâmpago

É uma corrente elétrica muito intensa que ocorre na atmosfera com típica duração de meio segundo e típica trajetória com comprimento de 5 a 10 quilômetros. Ele é conseqüência do rápido movimento de elétrons de um lugar para outro. Os elétrons se movem tão rápido que fazem o ar ao seu redor iluminar-se, resultando em um clarão, e aquecer-se, resultando em um som.

Esse som é o trovão, que, geralmente pode ser ouvido se o raio acontecer a uma distância menor do que 20 quilômetros.

Quando a descarga conecta-se ao solo é chamada de raio.

E é aí que mora o perigo! Apesar de ser muito baixa a chance de uma pessoa ser atingida diretamente por um raio (menor do que 1 para 1 milhão), se ela estiver numa área descampada durante uma forte tempestade, as estatísticas aumentam para 1 chance em 1.000.

Então se você mora na cidade não precisa se preocupar, certo? Errado. Pesquisas já indicaram visíveis aumentos de incidência de raios em áreas urbanas. Essa maior incidência está relacionada ao aumento da temperatura (fenômeno conhecido como “ilha de calor”) e de poluição nos centros urbanos.

Se atingido diretamente por um raio, a corrente pode causar queimaduras e outros danos a diversas partes do corpo. A maioria das mortes de pessoas atingidas por raio é causada por parada cardíaca e respiratória. Porém não é a incidência direta do raio a maior causadora de mortes e ferimentos. Geralmente isso acontece por efeitos indiretos associados a incidências próximas ou efeitos secundários dos raios. As descargas também provocam incêndios ou queda de linhas de energia, o que pode atingir uma pessoa.

Há muitos mitos sobre esse tipo de acidente. Eu já ouvi vários, alguns absurdos inclusive, como “os raios não caem mais de uma vez em um mesmo local”. Errado: isso acontece, sim, especialmente quando esse “ponto” apresenta grande incidência de raios.

Como exemplo podemos citar o monumento do Cristo Redentor, que é atingido anualmente por uma média de seis raios (ou mais). Ou então “vítimas atingidas por raios sempre morrem e não podem ser tocadas”. Errado de novo: estive em Ruanda, na África, há pouco tempo, e conheci e fotografei um menino que estava andando no campo e foi atingido na testa por um raio. É seguro, sim, tocar a pessoa que foi atingida. Mas não pense que sentar no seu isolante térmico ou em cima da sua mochila vai te proteger…

Mas também correm por aí algumas verdades importantes, como: o melhor local para se esconder de uma tempestade é em uma construção sólida, que tenha encanamento e fios apropriadamente conectados ao solo. Em áreas selvagens, sua melhor opção talvez seja seu carro, desde que você tenha pegado uma trilha com um veículo off-road conversível. Barracas e abrigos abertos não oferecem qualquer proteção aos raios.

Nos EUA, a regra dos 30 (the 30-30 rule) é muito conhecida e deve ser obedecida aqui também: Se você vir um relâmpago e contar menos de 30 segundos antes que você escute o trovão, isso indica que a atividade elétrica está próxima demais e que, se possível, você deve sair de lá e procurar abrigo.

Então, se possível, sempre fique em casa durante as tempestades.

Agora que entendemos um pouco mais sobre esse fenômeno da natureza, seguem abaixo algumas dicas dadas pelos especialistas do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de como se livrar deles:

EVITAR

>> Usar telefone com fio ou celular ligado a rede elétrica (utilize telefones sem fio);
>> Ficar próximo de tomadas e canos, janelas e portas metálicas;
>> Tocar em qualquer equipamento elétrico ligado à rede elétrica.
>> Segurar objetos metálicos longos, tais como varas de pesca e tripés;
>> Empinar pipas e aeromodelos com fio;
>> Andar a cavalo;
>> Permanecer em pequenas construções não protegidas, tais como celeiros, tendas ou barracos;
>> Usar veículos sem capota, como tratores, motocicletas ou bicicletas;
>> Estacionar próximo a árvores ou linhas de energia elétrica;
>> Topos de morros ou cordilheiras;
>> Topos de prédios;
>> Áreas abertas, campos de futebol ou golfe;
>> Estacionamentos abertos e quadras de tênis;
>> Proximidade de cercas de arame, varais metálicos, linhas aéreas e trilhos;
>> Proximidade de árvores isoladas;
>> Estruturas altas, tais como torres, linhas telefônicas e linhas de energia elétrica.

E procure abrigo nos seguintes lugares:
>> Carros fechados, ônibus ou outros veículos metálicos não conversíveis;
>> Em moradias ou prédios, de preferência que possuam proteção contra raios;
>> Em abrigos subterrâneos, como metrôs ou túneis, em grandes construções com estruturas metálicas, ou em barcos ou navios metálicos fechados

Se você estiver em um local sem um abrigo próximo e sentir que seus pêlos estão arrepiados, ou que sua pele começou a coçar, fique atento, já que isto pode indicar a proximidade de um raio que está prestes a cair. Nesse caso, ajoelhe-se e curve-se para frente, colocando suas mãos nos joelhos e sua cabeça entre eles. Não fique deitado!

Outra dúvida que pode ter surgido enquanto você lê esse artigo é:

E se eu estiver voando e um raio atingir meu avião ou estiver num barco e
for atingido?

Aviões comerciais, em média, são atingidos por relâmpagos uma vez por ano, em geral, durante procedimento de aterrissagem ou decolagem, em alturas inferiores de cinco quilômetros. Como conseqüência, a fuselagem do avião sofre avarias superficiais, já que os sistemas eletrônicos dos aviões costumam ser blindados de modo a minimizar possíveis interferências devidas às radiações produzidas pelos relâmpagos.

Já o efeito de uma descarga sobre um barco pode ser bem diferente de um objeto no solo. O mastro do barco é um ponto bem mais alto que sua vizinhança e, portanto, suscetível de ser atingido por um raio. Caso um raio caia no mastro, ele pode provocar aberturas no barco que podem o fazer afundar ou mesmo causar um incêndio destruindo-o completamente.

Para evitar ou ao menos diminuir a probabilidade que tal acidente ocorra, pode-se usar o mastro, se for metálico, como um pára-raios, conectando-o à água por um cabo condutor isolado da estrutura do barco. A altura do mastro deve ser de, no mínimo, 1/4 (um quarto) do comprimento do barco. O cabo deve seguir um caminho reto, indo diretamente a uma placa metálica em contato com a água. Objetos metálicos grandes, se existirem, devem ser conectados ao cabo para evitar descargas laterais. Se o mastro não for metálico, isto é, for de madeira ou fibra, um fio de cobre de razoável espessura deve ser colocado ao longo de seu comprimento e ligado a um cabo conectado a água.

Mesmo tomando todos os cuidados acima, se estiver em um barco durante uma tempestade, procure ficar dentro da cabine (quando houver). Felizmente, os barcos são bem menos atingidos por raios do que os aviões, visto que ocorrem menos raios nos oceanos, principalmente em alto mar.

Espero que as dicas tenham sido úteis. Para mais informações, recomendo acessarem o site do Portal ELAT/ INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e lerem a cartilha.

*Karina Oliani é médica, atleta e especialista em Wilderness Medicine pela WMS (Wilderness Medical Society).







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