Pedro Hauck, do site Alta Montanha, compartilha ensinamentos preciosos para quem quer chegar ao cume da América do Sul

Por Pedro Hauck**

Com quase 7 mil metros de altitude, o Aconcágua é a montanha mais alta do mundo fora do Himalaia. Mesmo assim, ela apresenta rotas com pouca dificuldade técnica e que atraem muitos montanhistas e aventureiros. Fácil para uns, difícil para outros. Todos os anos mais de 5 mil pessoas tentam, mas menos de 20% delas chegam ao cume. Selecionei aqui algumas dicas para quem deseja chegar ao cume da América do Sul.

Muitos dizem que o Aconcágua é uma montanha fácil. Se levarmos em consideração apenas aspectos técnicos, ela realmente é. Entretanto, pensando no esforço físico e em questões emocionais, escalar o Aconcágua não é para qualquer um. Calma, isso não significa que você não possa chegar lá.

Os brasileiros estão entre os estrangeiros que mais visitam o parque provincial do Aconcágua. Alguns deles fizeram história por lá, como Mozart Catão, que subiu até o cume com uma bicicleta; José Luis Pauletto, que já foi recordista em velocidade de ascensão; e Élcio Douglas, que fez o cume em três dias, sem ter ninguém ajudando na logística, sem se aclimatar, sem quase comer e ainda de camiseta.

Porém os brasileiros não são bem vistos entre os argentinos no Aconcágua, e isso não tem nada a ver com futebol. Diferentemente dos experientes montanhistas citados acima, o brasileiro comum que viaja para lá é conhecido por tomar estratégias erradas na montanha e não saber se aclimatar direito. Resumindo, os argentinos acham que somos “sem noção”.

Claro que não são todos assim. Eu mesmo recebo dezenas de emails todos os anos escritos por pessoas com planos mirabolantes querendo bater recordes ou fazer a montanha em feriados — mas sem ter nenhuma experiência para realizar tal feito. Então, por mais que o Brasil tenha feito história na montanha, não banque o super-herói logo de cara — e essa é minha dica número 1.

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Custo

O Aconcágua é uma montanha cara. É daquelas onde é preciso pagar para entrar, e isso custa US$ 600 na alta temporada. Ir para Mendoza também custa dinheiro. Por isso, se você nunca foi para a altitude antes na vida, tente experimentar algo antes. Isso irá aumentar suas chances de chegar ao cume. Dica número 2: um excelente local para começar nos Andes: O Cordón del Plata!

Agora, se você é um cara que já teve uma experiência antes, tem a cabeça no lugar e pretende fazer cume na montanha, terá que obedecer outras dicas que facilitará sua vida no Aconcágua. A mais importante é: aclimate-se!

No site Altamontanha.com, há diversos artigos técnicos sobre o mal de altitude. São artigos técnicos que esclarecem o que é “O mal de altitude”, como evitá-lo, que remédios você poderá usar para melhorar alguns sintomas etc. O mais importante, no entanto, é realizar uma boa aclimatação e livrar-se dele de uma vez por todas.

A aclimatação não é fácil. São dias de tédio e dor de cabeça dentro de uma barraca, onde nosso fator psicológico é afetado. Ter saudade de casa, da mulher e dos amigos é o que mais leva as pessoas a desistir de fazer o cume. Isso não é por menos, pois geralmente as pessoas levam em média 16 dias para subir e descer a montanha. Então se prepare para reduzir os efeitos da saudade.

Todo esse tempo na montanha significa ficar sem acesso a comida fresca. Quem acampa e caminha nos fins de semana e feriados por nossas serras verdes no Brasil, sabe como é ficar enjoado de comidas desidratadas e macarronada instantânea disponíveis nos supermercados. Pois bem, com a altitude isso só piora…

É impressionante como ficamos frescos em relação à alimentação em altitude. Para isso não há segredo: leve o que você gosta de comer. Felizmente hoje temos disponível no mercado brasileiro as comidas liofilizadas, que são saborosas, muito leves e fáceis de preparar. Com elas é possível você levar para cima comida como batata recheada, strogonof de frango, camarão, lombo defumado e ainda comer sorvete de sobremesa! Tudo isso com o sabor original desses alimentos.

Equipamentos

Outra dica é em relação ao equipamento. Não necessariamente você precisará levar o mais caro, mas dê preferência ao mais confortável, a começar pelas botas. Não adianta você levar uma bota robusta para fazer o longuíssimo trekking de aproximação. Ele não será necessário e apenas deixará seu pé cheio de bolhas. Dê preferência a uma bota leve e confortável. Na altitude a coisa muda, e se torna obrigatório o uso de botas plásticas.

As barracas devem ter um espaço de avanço, onde você deixará suas botas e outros equipamentos. Este é um pequeno espaço entre sua casa e o ambiente externo. Deixe as estacas de sua barraca em casa, elas são um peso inútil na altitude. Compre cordelete de escalada e amarre em sua barraca. Na montanha, amarre esses cordeletes em outras pedras e faça um muro com elas ao redor de sua barraca; isso o protegerá do vento.

Não há segredos quanto às vestimentas. Lá funciona bem o esquema das “camadas”. Use um underwear abaixo de tudo, com um tecido grudado ao corpo. Por cima vista uma blusa de polar e, por cima dela, o anorak, que te protegerá do vento. O mesmo serve para as pernas. A diferença é que geralmente eu apenas uso uma ceroula e por cima já calça. Esqueça cuecas, elas só servirão para assar sua virilha — aliás, esqueça de tomar banho!

Já seu saco de dormir deve ser obrigatoriamente bom. Não pense que existe barraca térmica, o que irá te manter quente lá em cima é seu saco de dormir. E, claro, o isolante térmico, que além de te isolar do frio que vem do chão ainda transforma sua “cama” em algo menos desconfortável.

Outro segredo é o fogareiro. Esse papo de que não se pode usá-lo dentro da barraca é mito. E se você achar que isso realmente vai te matar asfixiado, então nem vá para a montanha, pois lá é impossível usar esses equipamentos em ambiente externo devido ao frio e ao vento.

QUASE LÁ: Acampamento base no caminho ao cume do Aconcágua

Eu recomendo fogareiros a gás, pois são mais limpos e não entopem com facilidade. Os fogareiros a benzina são bons, mas têm defeitos, precisam ser aquecidos e isso gera fuligem, o que pode queimar sua barraca. Eles também entopem muito e geralmente são verdadeiros maçaricos, sendo que não há um meio termo (ou são fortíssimos ou desligam). Fogareiros na altitude são fundamentais, não servem somente para fazer comida, mas sim para fazer água — ou você acha que ela vai estar em estado liquido lá em cima?

Preparo físico

Não adianta falar de tantas dicas sem dizer o principal. De que adianta saber tanto se você não está preparado fisicamente para subir? Pois bem, o melhor treino é este aqui: nos meses que antecederem sua expedição, faça montanhismo regularmente. Ponha a mochila nas costas, ao lado de seu parceiro de montanha, e vá caminhar nas serras e morros de nosso país. Fazer trilhas assim contribui para o treino especifico e também para você ficar um cara “safo”, que está preparado para as piores situações, que sabe arrumar e desmontar acampamento e arrumar a mochila rapidamente, que cozinha bem com poucos recursos e está acostumado a dormir na barraca. E, além disso, tem psicológico para agüentar os dias de isolamento longe da civilização.

Se você não tem como ir para a montanha com regularidade, faça exercícios aeróbicos: corra, pedale, melhore seu condicionamento físico. Isso vale muito mais do que puxar ferro.

Em quase 20 anos de experiência em montanhismo de altitude, fui para o Aconcágua duas vezes. Na primeira, fui pela rota normal, em estilo alpino. Sem mulas ou ninguém para ajudar, fiz cume. Na segunda, fui da mesma forma para escalar o glaciar polacos. Acabei não chegando ao cume porque as condições de gelo estavam péssimas. Então fica aí a dica final: sempre, mas sempre mesmo, respeite a condição de tempo e da montanha. Isso foi algo que não aprendi só no Aconcágua, mas sim nas mais de 30 montanhas em que estive nos Andes.

Nos Andes, é comum a pressão baixar à tarde e ocorrerem tormentas. Por isso é recomendável acordar cedo e fazer todas as coisas pela manhã, inclusive o cume, saindo de madrugada para alcançar o topo e voltar antes das tormentas da tarde.

É imprescindível uma boa leitura sobre o que você irá enfrentar numa montanha com altitude tão elevada quanto o Aconcágua. Não tenha surpresas na montanha. Recomendo fazer uma leitura sobre equipamentos, questões de saúde e ambiente montanhoso presentes nos seguintes artigos técnicos do AltaMontanha.com:

>> Segurança e risco

>> Técnica e prática

>> Tracklogs de GPS para o Aconcágua 

>> Site oficial do Aconcágua 

* Pedro Hauck é escalador, montanhista, geógrafo, professor e atual editor do site Alta Montanha, onde publica suas experiências desde 2007. O Alta Montanha é um espaço virtual inteiramente dedicado ao montanhismo. Para visitá-lo, clique aqui.

**Texto publicado originalmente em outubro de 2011 e atualizado em março de 2019







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