Viajar de trailer? Nove lições de quem passou um ano na estrada

Por Aaron Gulley, da Outside Magazine

Vida (quase) selvagem: o trailer cromado de Aaron e Jen é um símbolo da liberdade norte-americana, capaz de transformar os melhores singletracks no quintal de casa (Todas as fotos: Jag Media, Jen Judge).

Em nosso primeiro aniversário no Artemis, nome que demos a nosso motorhome Airstream, estávamos exatamente onde tínhamos começado – em um acampamento nos arredores de Gold Canyon, no Arizona (EUA). Viajar de trailer nunca havia sido parte dos nossos planos. Mas tínhamos acabado de voltar para casa depois de uma temporada de trabalho na Sibéria, onde encaramos várias semanas com quase 30ºC negativos. E, apesar de termos poucos dias para chegar a Santa Fé, no Novo México (EUA), minha esposa, Jen, e eu decidimos dar uma parada por ali para descongelar. Acampamos na base das montanhas Superstition, com singletracks saindo quase da porta da barraca e temperaturas boas o suficiente para tomar café do lado de fora ao nascer do sol. Uma ótima ocasião para fazermos um balanço da viagem até agora.

Desde que compramos Artemis, no ano passado, Jen e eu passeamos pela região dos Quatro Cantos (onde se encontram os estados do Colorado, Novo México, Utah e Arizona). Passamos pouco mais de oito meses morando no motor home, dividindo o restante do ano entre trabalhos internacionais e duas temporadas de duas semanas em nossa cidade natal de Santa Fé no último outono norte-americano. Em janeiro de 2017, nós nos mudamos de vez para o furgão. A vida na estrada é recompensadora, porém se mudar para um trailer também traz desafios. Depois de um ano, ao refletir sobre o que foi preciso para chegarmos até aqui, percebi que havia algumas lições que eu adoraria ter sabido antes de partir.

1. APENAS VÁ

Se você está considerando uma grande mudança de vida – seja ela para um trailer, uma van, uma casa pequena ou mesmo se mudar para um lugar novo ou cair na estrada por algum tempo –, não hesite. Apenas vá lá e faça isso. Menos de um mês se passou entre o dia em que testamos uma van pela primeira vez e o dia em que nos mudamos para a nossa própria. Claro que houve ocasiões em que nós dois pensamos que tínhamos nos precipitado ao tomar uma decisão “maluca” e radical. Nós dois tivemos projetos e viagens de trabalho que apareceram durante o verão e a primavera, mas conseguimos dar um jeito de fazer tudo funcionar. Se tivéssemos esperado a ocasião perfeita, provavelmente ainda estaríamos em casa pensando em como realizar o nosso sonho de cair na estrada.

2. VENDA A SUA CASA

Uma vez que você tenha tomado a decisão de mudar de vida, alugue ou venda a sua casa imediatamente. Nós não fizemos isso, mas deveríamos ter feito. Durante os primeiros meses, a ideia de contar com uma casa esperando por nós em Santa Fé, caso desistíssemos dos novos planos, foi reconfortante – mas também um peso financeiro e um desperdício de recursos. Só usamos a casa algumas vezes quando passamos por ela, e mesmo nessas ocasiões foi só porque ela já estava lá, disponível. Alugamos a casa em período integral em janeiro, e o alívio financeiro que veio com esse fato foi indescritível. Não me entenda mal: é ótimo poder voltar para o seu próprio espaço. Porém, quanto mais viajamos, mais Artemis se torna o nosso lugar. E hoje, quando estamos em Santa Fé, prefiro dormir em algum camping nos arredores da cidade.

3. REDEFINA O LUXO

Nosso objetivo sempre foi fazer uma viagem simples, em esquema autônomo e longe de campings comerciais tanto quanto possível. Entretanto a grande questão era o quanto isso seria possível. Eletricidade, água e o tamanho dos seus tanques de combustível e água são fatores limitantes, mas, se você está acostumado a acampar e economizar, isso não é um problema tão sério. Nós temos tanques de 110 litros de água limpa e água cinza (de reuso) e 72 litros de água preta (para descarte). Já conseguimos viajar durante três semanas sem refil ou descarte. Isso significa nada de banhos longos e às vezes aproveitar para ir ao banheiro na floresta. Com o nosso sistema de energia solar (ou algumas horas de gerador a cada dois dias, se não fizer sol), mantemos as baterias carregadas, os aparelhos eletrônicos funcionando e os corpos limpos.

4. NÃO TENHA MEDO

Uma das perguntas que eu mais ouço é se há perigo em acampar em locais abertos, onde, afinal de contas, não há a segurança de um camping comercial. Baseados em nossa experiência, não há nada a temer. Tivemos uma única experiência suspeita, uma semana após a mudança para Artemis, quando acordei no meio do deserto com um homem estranho muito próximo do trailer. O cara parecia um pouco fora de si e desequilibrado, mas não estava nem aí para nós. Desde aquele dia, não tivemos nada além de experiências cordiais com outros viajantes ou os abençoados silêncio e solidão. A floresta é grande, e geralmente não encontramos outras pessoas. Além disso, vivendo em um trailer, você não é um alvo muito atraente comparado a todas as casas cheias de eletrodomésticos e bugigangas dos centros urbanos.

5. INVISTA EM UM BOM PLANO DE CELULAR

Desde o primeiro dia na estrada, contrate um bom plano de celular (se isso estiver dentro do seu orçamento). Passamos seis meses controlando o seu uso e aproveitando qualquer wi-fi gratuito. Esse sistema até funcionou bem, mas acarretou em atrasos de um ou dois dias em nossa comunicação e idas a cafés onde podíamos “roubar” o wi-fi. Pode parecer que não, porém isso resulta em um valioso tempo desperdiçado dirigindo até lugares que não estavam necessariamente no roteiro, o que vai contra o plano inicial de fugir da civilização. Por US$ 20 a mais por mês, contratamos um plano de internet ilimitada, e provavelmente foi o dinheiro mais bem gasto de nosso orçamento em 2017 até agora. Com acesso total, trabalhamos mais rapidamente, e o tempo que usávamos para achar um wi-fi gratuito agora é gasto pedalando, lendo e em outras atividades prazerosas.

6. CUIDE DE SUAS BATERIAS

Sim, foi um pouco idiota da nossa parte, mas achamos que as baterias do trailer não necessitariam de manutenção, do mesmo jeito que as de um carro não precisam. Mas não é bem assim. As baterias da van são da variedade marítima. Sem entrar em muitos detalhes, isso significa que precisam ser reabastecidas com água (e, como muitos tipos de bateria, também não devem funcionar com a carga abaixo da metade). É um processo simples, que requer abrir uma tampinha e checar os níveis de água a cada 30 dias (e completar com mais água se o nível estiver baixo). Se você não sabe disso, como nós não sabíamos, elas ficarão secas e não irão segurar uma recarga completa depois. Menos de um ano após a mudança para o trailer, tivemos que comprar baterias novas. Existe outro tipo de bateria, que não requer esse procedimento – talvez você prefira adquirir uma dessas.

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7. PREPARE-SE PARA TODAS AS ESTAÇÕES

Nós sabíamos que, se passássemos o inverno em Santa Fé ou em algum lugar mais ao norte, teríamos que esvaziar os tanques do e drenar os encanamentos para que não congelassem. Mas ficávamos adiando a viagem porque o tempo ainda estava bom em dezembro e pensávamos em ir mais para o sul em qualquer momento. De repente as temperaturas caíram para abaixo de zero, e em uma manhã encontramos uma estalactite de gelo saindo pela torneira da cozinha. Felizmente não houve um estrago considerável. Porém a lição aprendida foi a de que se deve pensar no inverno antes de ele chegar. É um processo simples, que você mesmo pode fazer. Se a água congelar no encanamento ou estourar os tanques, pode ser que você tenha que gastar milhares de dólares em consertos. O mesmo vale para países mais quentes, como o Brasil: prepare-se para altas temperaturas, vendavais e chuvas tropicais.

8. UM BOM EDREDOM E UM AQUECEDOR A GÁS SÃO FUNDAMENTAIS

Apesar daquilo que pensamos no início, o inverno não é nosso inimigo. O tempo quente é, claro, melhor: sem o espaço de fora para comer, ler e aproveitar o momento de lazer, você pode começar a se sentir apertado dentro do motor home. Passamos duas semanas em lugares nevados no último inverno, e deu tudo certo. Tínhamos nos preocupado com a possibilidade de congelamento do encanamento, acabar o gás do trailer e passar frio. Mas nada disso aconteceu. Um bom edredom garantiu boas noites de sono, mesmo com o aquecedor mantido em sua temperatura mínima durante a noite (12ºC). Surpreendemo-nos com a quantidade de calor que o aquecedor produzia queimando pouco combustível. Mesmo depois de duas semanas com o aparelho ligado quase em tempo integral, não consumimos nem um tanque inteiro (de 26 litros).

9. PENSE SEMPRE ONDE PARAR O CARRO

Se você precisa guardar seu trailer durante um tempo, é melhor planejar com antecedência. Na maior parte do tempo, deixamos nossas agendas e interesses comandarem os rumos, sem muito planejamento. Porém uma das partes mais complicadas foi encontrar um lugar para estacionar Artemis quando precisávamos viajar para outros lugares. Se forem poucos dias, às vezes até rola encontrar um lugar escondido na floresta, trancar tudo e pronto. Viagens longas, entretanto, como o tempo que passamos na Sibéria, requerem logística e segurança. Três meses antes de partirmos, Jen passou mais de duas horas fazendo três dúzias de ligações procurando um lugar onde Artemis coubesse em Phoenix, no Arizona. Demos sorte de alguém cancelar uma reserva bem quando ela estava ao telefone perguntando. Agora, toda vez que pensamos em viajar, já começamos a agilizar onde vamos parar nossa casa.







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