Viagem do sonho: As belezas da Patagônia chilena

Por Mario Mele

patagônia chilena
Foto: Shutterstock

CARROS COM SEUS RACKS de teto lotados de caiaques circulam pelas ruas da pequena Futaleufú, no norte da Patagônia chilena. Durante o verão, esta é uma cena típica da cidadezinha de 2 mil habitantes da Região dos Lagos. Até os melhores remadores de águas brancas do mundo aproveitam a estação mais quente (ou menos fria, no caso) para treinar e se divertir pelo Futaleufú, o rio que dá nome ao lugar e que, no idioma mapuche, significa “rio grande”.

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O nome é justo: ao longo de um trecho de 50 km, o “Futa” brinda os adeptos dos “rápidos” com incontáveis corredeiras de classes II a V+, que em um dia claro apresentam cores que oscilam entre o verde esmeralda e o azul turquesa. Por suas seções agitadas, o Futa costuma ser frequentemente comparado aos nervosos rios Colorado (EUA) e Zambezi (África).

A CAVALO: Cruzando o rio Azul, no caminho de volta à civilização (Fotos: Jessica Nolte/Fitzroya)

Recentemente, as opções em Futaleufú extravasaram: lagos paradisíacos, como o Espolón e o Lonconao, e setores rurais, como El Azul e Las Escalas, passaram a integrar um interessantíssimo roteiro eco-turístico da região que, inevitavelmente, é mais lembrada pelo rio.

Na terra

O jovem guia Manuel Llanos, de 26 anos, nasceu na pequena cidade de Palena, mas mora em Futaleufú desde criança. Como engenheiro de conservação dos recursos naturais, “Manu” conhece cada animal e planta da região. “Há 40 anos, o glaciar Yelcho era bem maior”, ele me revela ao avistarmos a enorme geleira logo após cruzarmos um bosque nativo de mañios e tepas de 800 anos. O guia é uma verdadeira enciclopédia ambiental da Patagônia e está sempre disposto a compartilhar seus conhecimentos.

RIO FUTALEUFÚ: Paraíso do caiaque de corredeira.

No dia seguinte, inauguramos um dos roteiros mais inóspitos do local: uma longa cavalgada pelo vale do Rio Azul. Depois de um trote de seis horas pelos singletracks de uma floresta milenar de árvores alerces (os famosos cipestres-da-patagônia), chega-se a uma casa completamente isolada, cercada apenas pelas potentes quedas d’água dos rios Azul e Correntoso. No caminho, “Ruben, el Gaucho”, um típico habitante da região que treina os cavalos para atravessar águas geladas e caudalosas, nos conta algumas histórias inacreditáveis sobre os pumas que ali habitam.

À noite, nosso grupo saboreia um delicioso “panelaço” de legumes preparado na fogueira e servido na moranga, antes de se recolher nas barracas. Ao amanhecer, partimos cedo, a pé, rumo ao alto daquele vale. Depois de mais uma hora contemplando bosques surreais, avistamos a enorme, escondida e intocada Lagoa dos Cedros. “Este lugar existe mesmo?” é a frase que passa pela cabeça antes de se voltar para a civilização.

Na água

Enquanto seguíamos de carro para uma das zonas rurais de Futaleufú, o guia Pedro Fernandez, de 42 anos, tenta me explicar o motivo daqueles “boletins médicos” noticiados pelo rádio. “É que todo dia, às 9 horas da manhã, a única estação de Futa vira um canal comunitário”, diz. Chamando pelo nome e sobrenome, o locutor convoca “fulano” para retirar seus remédios no posto de saúde e comunica “sicrano” sobre a data do exame de sangue.

Para Peter (como Pedro é mais conhecido), que se mantém saudável organizando expedições fluviais há mais de 25 anos, a segurança sempre vem em primeiro lugar. Foi assim que ele já explorou inúmeros rios sul-americanos, como os peruanos Colca e Cotahuasi e os chilenos Biobío e Futaleufú. “Apesar de ser famoso pelas potentes corredeiras, o Futa tem trechos muito calmos”, conta Peter.

Por meio de sua operadora, a Outdoor Patagonia, ele realiza de simples flutuações a difíceis descidas de rafting que tomam o dia inteiro. Neste último roteiro, o objetivo é encarar o Futaleufú de uma ponte até outra, remando um bote com outros cinco amadores como você, além do guia. Desta vez foi Abner Insulza, que também é instrutor de rafting no Canadá, que nos conduziu pelas corredeiras de classe III a V+ do Futa. Abner manteve o bote na linha mesmo durante o Terminator, o rápido mais famoso e temido daquele rio.

Na mesa

Quando o frio bate e o estômago começa a se retorcer de fome, surge das margens com uma deliciosa refeição gourmet. Pode ser um salmão defumado acompanhado de arroz integral e salada, ou tacos vegetarianos bem servidos. O cardápio fica sempre por conta da chef chilena Tatiana Villablanca, que há dez anos está à frente do restaurante Martin Pescador, localizado em Futa.

MÃO NA MASSA: Susana Moreno, assistente de cozinha de Tati, no preparo do jantar.

Tatiana tem colaborado para deixar esse pedaço da Patagônia chilena ainda mais saboroso. “Todos os ingredientes utilizados são cultivados de maneira orgânica, privilegiando a produção local em um raio de 100 km”, explica. “Tati” defende a importância de a culinária ser um exemplo de sustentabilidade, por isso também conta com sua própria horta, onde planta desde alface e alecrim até quinoa e alcachofra.

“Queremos que turistas de outros países conheçam e experimentem esses alimentos e pratos feitos aqui”, diz. Sua criatividade na cozinha parece não ter limites. À noite, o jantar costuma ser servido no aconchegante salão do Martin Pescador, com direito à entrada, prato principal e sobremesa. Um banquete para ser lembrado por muitos anos.

NO ESCURO: Patagônia chilena à noite.

Lição de sustentabilidade na Patagônia chilena

Na Patagônia chilena, hospede-se em uma fazenda exemplar em matéria de gestão ambiental “made in Brazil”

A Pata Sweet Home Patagonia (facebook.com/pata.patagonia) é a melhor opção de hospedagem oferecida pelo coletivo Experience Patagonia. A “Fazenda”, como o lugar foi apelidado, fica na zona rural Las Escalas, dentro da Reserva Nacional Futaleufú, a cerca de 15 minutos do centro da cidade.

Ocupando 102 hectares de um espaço privilegiado – uma península do rio Futaleufú com vista para os picos nevados dos Andes –, a Pata tem seis chalés “cinco estrelas” para receber os hóspedes (US$ 200 a diária do casal, com café da manhã). A iniciativa é de um grupo de cinco jovens empresários brasileiros. Insatisfeitos com o estilo de vida urbano que levavam, esses amigos de infância partiram, há uns anos, em uma viagem meio que sem rumo pela América do Sul, com o único objetivo de encontrar o “terreno perfeito”. Ao depararem com aquela “esquina” do Futa, não tiveram mais dúvidas de onde seria o próximo investimento.

Nos últimos anos, a Pata passou por um processo visando a recuperação do solo. “Despejamos 30 toneladas de terra e adubo orgânico no chão que você está pisando”, diz ‎o jornalista Henry Ajl, um dos sócios, enquanto conta um pouco da história da fazenda. “Este lugar antigamente era só um pasto de vacas e ovelhas.” Sua ideia é fazer com que a Pata Sweet Home seja produtiva a ponto de se tornar autossuficiente em alimentação, repassando esse conhecimento aos vizinhos por meio de palestras com profissionais do ramo promovidas na própria propriedade.

Matéria originalmente publicada em 1º de outubro de 2015.