O Montblanc é uma montanha mítica: berço de algumas das primeiras escaladas clássicas que inauguraram o alpinismo, cume que tem ao seu redor as fronteiras da França, Itália e Suíça e hoje lar de uma cultura de esportes de montanha que atravessa as quatro estações do ano. Nos últimos 20 anos, as trilhas nos cumes, glaciares, passos e vales ao seu redor se tornaram referência por conta de um evento específico: a Ultra Trail do Montblanc, ou UTMB.
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Nascida da imaginação do corredor Michel Poletti a partir das trilhas do Tour du Montblanc, a UTMB se tornou a maior referência em corrida em trilha do circuito mundial, tanto por ser uma das primeiras provas do formato quanto pela sua dificuldade O evento tem 7 corridas que reúnem cerca de quase 10.000 corredores, numa estrutura de organização que tem cerca de 2 mil voluntários, a maioria deles moradores da própria região (mas também pessoas de outros 15 países). “Eles têm muito orgulho da prova e de estarem envolvidos. O UTMB se tornou parte da identidade do vale”, conta Isabelle Visieux-Poletti, diretora adjunta do UTMB.
Cada corredor traz 2,5 visitantes, como amigos e família que vêm torcer, acompanhar a prova e explorar a região – isso significa mais de 20 mil pessoas nas pequenas vilas e cidades aos pés da montanha, em especial Chamonix. Justamente por isso, a prova atingiu um teto no número de participantes. “Chegamos ao limite do que a região comporta. São ambientes frágeis, e ainda que tenhamos estabelecido altos parâmetros e a colaboração dos corredores esteja melhor a cada ano, mudamos o modelo para não criar uma expansão prejudicial”, completa Isabelle.
Depois do cancelamento do ano passado devido à pandemia do coronavírus, este ano, com a reabertura e retomada gradual das atividades (viva as vacinas!), a prova deve acontecer entre 23 e 29 de agosto de 2021. Como mídia oficial do UTMB no Brasil, a Go Outside fez um giro na região para conhecer as partes francesa, italiana e suíça da prova, a partir de cidades icônicas da região.
Chamonix, França
Chamonix é uma cidade de montanha única. Apesar do esqui e dos esportes de neve bombarem no inverno, o verão é a alta estação. Cheia de lojinhas de equipamentos (haja autocontrole para os gear junkies como eu!), hotéis e restaurantes charmosos, ela tem trilhas que saem praticamente da cidade. Tomamos um atalho e subimos de teleférico – dá um quentinho no coração ver as estruturas reabrindo depois de um ano perdido, com tudo interditado.
A vista do Montblanc é linda, com as agulhas do complexo ao redor, majestosamente. A caminhada segue até o Refúgio de la Floria que, nessa época do ano, parece ter saído de um conto de fadas, com uma miríade de flores por toda parte, em cores intensas e explosivas. Os refúgios alpinos não são um detalhe: são parte da alma do montanhismo europeu. Reservar um tempinho para bebericar alguma coisa, curtir a vista e esticar as pernas é de lei. Escolha uma mesinha e curta antes de descer o passo Montets. A caminhada dura cerca de 3 horas em ritmo tranquilo e cobre 7km.
Courmayeur, Vale d’Aosta, Itália
Sou suspeita para falar da impressão que Courmayeur deixou no meu coração: sou meio brasileira e meio italiana, então o sangue falou alto. É uma cidade de montanha maravilhosa: as lojinhas de marcas de montanha estão lá, mas mais discretas, sob os marcantes telhados de ardósia característicos do Vale d’Aosta. Há uma curiosidade específica: todas as localidades italianas do TMB são parte do município de Courmayer (o que é uma bela mão na roda para a organização da prova falar com a administração local). Tanto que fomos recebidos pelo próprio prefeito no almoço depois da trilha, um jeito bem italiano de mostrar hospitalidade (o outro é oferecer comida – muita – o que não faltou nas maravilhosas refeições do dia).
O trecho explorado foi a trilha do Lago Combal, com altitude que parte da cota de 1.500 e passa de 2.000. Num dia de pouco vento em um vale que geralmente é agitado neste sentido foi um golpe de sorte: o reflexo das montanhas no espelho d’água é lindo. A trilha é batida e larga, bastante tranquila e compartilhada entre trekkers, corredores e mountain bikes. Se puder, estique até o Refúgio Elisabetta, onde fica um dos grandes pontos de apoio da UTMB.
Nas encostas do vale, o Bar Ristorante La Grolla oferece a polenta concia, a polenta feita do zero da farinha de milho moída em moinho de pedra, e gratinada com camadas de queijo fontina, outra especialidade da Aosta. Este é o prato clássico e imperdível das montanhas italianas. Se o apetite for grande, você pode completar a refeição com salsiccia in umido (linguiça artesanal cozida no molho de tomate) ou carbonata, fatias de vitelo em seu próprio molho (não confundir com carbonara, um molho de macarrão que não tem nada a ver!).
Trient, Suíça
Ouviu os sininhos? Chegamos na Suíça, e imediatamente serão incorporadas à paisagem as vacas com os sinos de metal no pescoço. O passo de Forclaz, a 1.526 m, está no cantão suíço do Valais, entre a cidade de Martigny e a localidade de Trient, que separa dois passos mais baixos, Bovine (1.987 m) e Les Tseppes (1.932 m), por onde passa a prova.
Como convidados da organização do UTMB, fizemos a Bisse du Trient, que parte do passo de Forclaz. É uma trilha linda e fácil: encontramos famílias com carrinhos de bebê próprios para trilhas e até cadeiras de rodas adaptadas para trilhas. Apesar de não ser um trecho do Tour do Montblanc, e portanto não integrar o percurso da ultramaratona, dá uma belíssima ideia do que os corredores vão encontrar nesta região e dos panoramas de tirar o fôlego do lado suíço.