Kelly Slater lidera a batalha tecnológica para ver quem lança primeiro uma piscina completamente surfável de ondas artificiais
Por David Ferry
Fotos de Todd Glaser
EM 15 DE DEZEMBRO do ano passado, o campeão norte-americano Kelly Slater acrescentou algo importante a seu dourado currículo de surfista. Nesse dia, ele lançou um vídeo de si mesmo deslizando por tubos baixos e lisos. No filme, as ondas surgem uma depois da outra, e são todas perfeitas. E deveriam ser mesmo: tratam-se do resultado de um esforço de dez anos de pesquisa da Wave Company, empresa criada por Kelly.
“Foi a invenção de surf mais incrível que eu já vi”, conta Jess Ponting, chefe do Centro de Pesquisa do Surf da Universidade de San Diego, nos EUA. “Esse vídeo mudou paradigmas.” Ondas artificiais já existem há décadas (veja o box “Uma Breve História dos Parques de Surf”, abaixo), porém elas sempre foram ridículas – mais uma curiosidade do que algo capaz de mudar o esporte. As ondas de Kelly podem ser as primeiras que surfistas sérios realmente queiram pegar.
Um porém: a empresa é apenas uma de pelo menos meia dúzia na corrida para levar piscinas de ondas artificiais a quem estiver disposto a pagar para surfar em um break consistente – mesmo que não tenham sido criadas pelo oceano.
“Você pode chamar isso de a guerra das ondas”, diz Robert Reynolds, um banqueiro e consultor de investimentos dos Estados Unidos que se especializou em parques de surf. Um dos homens na linha de frente dessa guerra é o empreendedor Doug Coors, que atualmente está concluindo o NLand Surf Park, na cidade de Austin, no Texas. O NLand usa tecnologia de uma empresa espanhola chamada Wavegarden, e suas ondas de dois metros comportam surfadas de 35 segundos bem no meio da região montanhosa do Texas Hill Country (as ondas do vídeo de Kelly parecem ter cerca de 1,25 metro). O parque também conta com uma churrasqueira e uma cervejaria. “É o primeiro de muitos que iremos construir”, diz Doug. O nome de Kelly, por sua vez, tem sido ligado a planos de um parque semelhante no litoral de San Diego.
Construir um parque de surf não sai barato – cada piscina custa cerca de US$ 20 milhões –, e pelo menos uma dúzia deles está programada para ser aberta nos próximos anos na Rússia, Espanha e Havaí, entre outros locais. A Liga Mundial de Surf recentemente adquiriu a empresa de Kelly por uma soma não revelada, e tem havido conversas sobre acrescentar um parque de competição no Campeonato Mundial. A entrada do surf como modalidade olímpica também pode transformar a evolução dessa tecnologia.
“Tem um monte de surfistas no mundo, e só um número fixo de locais bons para surf”, diz Wayne Bartholomew, ex-presidente da World Surf League, a associação de surfistas profissionais. “Ser capaz de produzir uma onda que quebra 24 horas por dia, sete dias por semana, é realmente atraente.” Bem, pelo menos para os homens de negócio. “O surf é mais legal no oceano”, contesta o australiano Greg Webber, fabricante de pranchas e projetista de parques.
Os parques de surf são voltados para pessoas que podem viver a centenas de quilômetros da costa, porém querem experimentar subir em uma prancha. Os promotores e empreendedores da tendência vêm tentado alcançar esses potencialmente lucrativos clientes há décadas, sem muito sucesso. A diferença agora, explica Tom Lochtefeld, dono da Wave Loch, é a tecnologia. “É tipo uma corrida espacial”, compara ele.
os parques de surf são voltados para pessoas que podem viver a centenas de quilômetros da costa, porém querem experimentar subir em uma prancha.
Tom gastou milhões de dólares correndo atrás de tecnologia similar à de Kelly, que funciona movendo um remo submerso pelo fundo da piscina em um movimento rápido. A onda resultante é linda, mas os surfistas precisam esperar 90 segundos até a próxima onda passar. Isso pode ser um problema do ponto de vista comercial. Menos ondas por minuto pode significar menos clientes. Tom acredita ter encontrado outra solução, na forma de um modelo em escala que fica em seu escritório em San Diego. Pás de 15 cm de altura deslizam por um tanque de 12 metros a cada oito segundos, empurradas por bolsões de ar emitidos por motores pneumáticos. A empresa planeja transformar um canal na cidade holandesa da Roterdã em uma piscina de ondas e usar a tecnologia em um parque perto de Bristol, na Inglaterra.
No entanto uma empresa chamada American Wave Machines, localizada ao norte de San Diego, está tentando chegar na frente de todos. “Tom diz que o sistema pneumático é a melhor coisa do mundo, mas ele nem mesmo o inventou”, diz Bruce McFarland, proprietário da AWM junto com sua esposa, Marie. Cerca de 17 anos atrás, Bruce trabalhou para Tom, e o rompimento entre os dois não foi amigável. Depois que Bruce saiu da Wave Loch, Tom entrou com um processo por violação de patente. A briga judicial acabou sendo encerrada, e a experiência mexeu com os brios dos McFarlands, que têm seus próprios planos para abrir um parque com três piscinas, perto de Nova York, no ano que vem.
O que diferencia o sistema pneumático da AWM das tecnologias usadas pela Wave Loch e por Kelly, explica Bruce, é o fato de o primeiro ser customizável. “Eu diria que a onda de Kelly é do tipo point break [praia com pedras no fundo], e isso é ótimo”, afirma o surfista profissional Cheyne Magnusson, que está sob contrato com a AWM. “Já aqui a brincadeira vai praticamente onde sua imaginação te levar. Para um surfista, isso é muito tentador.”
Como demonstração, Cheyne pega um iPad ligado a um tanque e começa a acionar uma série de câmaras de vácuo, que podem disparar jatos de ar em qualquer ângulo. “Posso acionar as câmaras de diferentes maneiras para criar diversos tipos de ondas”, diz Cheyne. “Isso reproduz as dinâmicas que o mar joga oferece ao surfista.”
A indústria está apostando que os consumidores-surfistas ficarão empolgados. “As pessoas estão prontas para essa nova onda, literalmente”, aposta Bruce. “Elas viram a onda do Kelly. Agora querem saber o que vem a seguir.”
>> Uma breve história dos parques de surf
1969: Big Surf, o primeiro parque de ondas dos EUA, é inaugurado em Tempe, no Arizona.
1985: A primeira competição de surf em ondas artificiais é realizada na Pensilvânia (EUA).
2012: A surfista professional Sally Fitzgibbons aprende a fazer um aéreo invertido no Wadi Adventure, um parque perto de Dubai.