Um pé no rio e a cabeça no ar

Do alto de seu paramotor, o paulistano Lu Marini segue cursos de rios brasileiros, mapeando a beleza da natureza e as ameaças ambientais causadas pelo homem

Por Verônica Mambrini
Fotos de Leandro Saadi

HÁ 20 ANOS, uma das certezas na vida de Lu Marini é voar.  “Sempre tive uma enorme paixão pelo voo, por suas descobertas e desafios. Isso me impulsionou ao que faço hoje. Sempre quis voar, desde criança”, diz o aventureiro paulistano. O amor se tornou carreira e projeto de vida. Recentemente ele retornou de sua expedição Rastreando o Rio Paranapanema, que começou em 22 de março, em Capão Bonito (SP), região de uma das nascentes do rio. Foram 987 km em 15 dias de jornada, passando por 18 municípios (DE SÃO PAULO?) e somando 32 horas de voo. A viagem terminou na cidade paulista de Rosana, onde o Paranapanema desagua no rio Paraná.

CÉU NA TERRA: Lu Marini chega à cidade de Primeiro de Maio, na região metropolitana de Londrina, no Paraná
CÉU NA TERRA: Lu Marini chega à cidade de Primeiro de Maio, na região metropolitana de Londrina, no Paraná

O piloto de 45 anos criou o projeto Rastreando em 2009. Foi nessa época que ele decidiu que era hora de transformar o hobby em profissão definitiva. Formado em administração e especializado em marketing, Lu viu nos voos de parapente uma possibilidade de levar conteúdo e informação sobre o meio ambiente para as pessoas. “Comecei com o Rastreando o Atlântico. Parti do Rio Grande do Sul, em Torres, e fui até o Rio Grande do Norte. Foram 4 mil km sobrevoando o litoral, passando por 63 cidades e 12 estados.” No total, até o momento, foram seis grandes expedições realizadas, totalizando mais de 16 mil km percorridos só no Brasil, passando por 22 estados e mais de 500 municípios.

Na sequência, veio a Rastreando o Pantanal. “Voei 2 mil km, interagindo com animais. Vivi momentos surpreendentes”, conta Lu. “Não se trata de um voo urbano, nas aventuras que faço a presença da natureza é sempre muito possível. Quando sobrevoei o rio Amazonas, por exemplo, foram mais de duas horas de floresta interrupta. Você voa com pássaros. No Atlântico, lá do alto eu vi baleias nadando”, diz.

No ano seguinte, ele partiu para o próximo desafio, o Eixo Vulcânico do México. Lá criou um roteiro do Atlântico ao Pacífico, sobrevoando um vulcão ativo. Nessa viagem, em 2012, Lu conquistou o recorde pan-americano de altitude, voando a mais de 5 mil metros sobre o Popocatépetl – ele afirma ser o único piloto de paramotor do mundo a sobrevoar um vulcão em atividade a essa altitude.

Um dos registros mais marcantes que Lu já fez foi o do voo sobre o Velho Chico. “O Rio São Francisco é importante e polêmico por causa da transposição. Ele passa por cinco estados e centenas de municípios. Nos mais de 3 mil km voados, eu presenciei muitos problemas também. Você vê claramente a seca e o povo ribeirinho sofrendo. Com o rio nesse estado, que água se vai transpor?”, questiona Lu.

EQUIPADO: O paramotor pesa 35 kg com o tanque cheio (com capacidade para 13 litros de combustível)
EQUIPADO: O paramotor pesa 35 kg com o tanque cheio (com capacidade para 13 litros de combustível)

O Paranapanema foi quase uma pausa nas cenas de degradação ambiental, desmatamento e poluição que quase sempre estão presentes nos voos. “O rio fica na divisa entre São Paulo e Paraná e é considerado um dos mais limpos do Brasil. Lá você vê muita natureza.”

Nessa expedição, ele também se dedicou à campanha de combate à dengue, visitando escolas e universidades ao longo da travessia. Durante os voos de paramotor, ele usou o GPS para marcar possíveis criadouros do mosquito da dengue, que visualizou do alto, e entregou às autoridades.

Reserva Morro do Diabo (9)

Cada viagem demanda cerca de um ano de planejamento. “São 14 pessoas na equipe. Quatro viajam comigo, incluindo cinegrafista e piloto aéreo, além do time de resgate por terra caso algo saia errado”, explica Lu. Um dia típico, durante as jornadas aéreas, começa antes das 5h. Ele prepara o paramotor, arruma os equipamentos, entre eles o material de registro como câmera e filmadora, e repassa o planejamento das horas seguintes, que vai até umas sete da noite, quando a luz acaba. “Minha autonomia no céu é de duas horas, nas quais faço uma média de 50 km/h”, explica Lu. O voo depende de muitos fatores, como velocidade do vento, do tipo de trajeto e até das paradas que ele resolve fazer. “Posso decidir pousar se sinto que em um determinado lugar há uma boa história. O desafio não é voar, mas sim encontrar personagens interessantes. O parapente é só meu veículo.”

Na prática, o planejamento às vezes precisa de ajustes e mudanças de última hora. “Eu sei onde decolo, mas nunca onde vou parar. Tenho o plano A, o B e o C. Em 90% das vezes, a gente atinge a meta do planejamento, e em 10% das vezes preciso improvisar. Sempre contamos uma estrutura mínima para um pernoite inesperado”, explica. “Já aconteceu de eu pousar em uma praia deserta, o carro atolar no caminho, e eu ter que passar a noite lá. Cheguei a ficar nove dias parado por causa de chuva. O vento atrapalha, se for muito forte; e quando está de frente muda demais a velocidade. No Parananema, dei sorte: cheguei a pegar 90 km/h.”

Teodoro Sampaio (2)
MATA PRESERVADA: Em Teodoro Sampaio (SP) é possível ver o Parque Estadual Morro do Diabo

Com o parapente motorizado, ele consegue tanto voar tocando as pontas dos pés nos cursos d’água dos rios quanto em altitudes maiores, como 500 a 700 metros. Isso permite que Lu desfrute de um contato com o detalhe, como ver a fauna que está nas margens e na própria água, ou ter a noção do quanto o desmatamento de uma região está relacionado a questões econômicas. “O agronegócio impera na destruição. São fazendas que não respeitam áreas de mananciais, por exemplo”, conta.

No São Francisco, ele chegou a ver muitas hidrelétricas paradas. “Eu olhava o rio e não entendia como podia não existir peixe ali. Só fui ter uma noção do tipo de impacto que a região sofre quando conversei com os ribeirinhos. Aí aprendi: na verdade, o peixe não se reproduz no rio, e sim nas lagoas marginais. O peixe vai para as lagoas, o rio abaixa. Quando o rio enche de novo, o peixe volta das lagoas para o curso principal. Mas, como não está tendo cheia suficiente para devolver os peixes ao rio, eles morrem na lagoa.”

Lu relata que, no São Francisco, o impacto visual é condizente com a destruição levantada de mais de 80% da mata cicliar. “O que abastece o rio são os afluentes, e as nascentes desses braços estão sumindo.” Não foi o único rio onde os desequilíbrios causaram prejuízos ambientais e econômicos. “No Tietê, na região de Bariri e Barra Bonita (SP), vi algo que pareciam empresas fantasmas, balsas paradas. De fato, eram empresas fechadas, porque o rio estava baixo e não dava para operar.”

EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Durante a viagem, Lu Marini fez palestras em escolas, falando sobre preservação ambiental e combate à dengue
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Durante a viagem, Lu Marini fez palestras em escolas, falando sobre preservação ambiental e combate à dengue

Agora, Lu está terminando de transformar em livro as experiências paulistas, sobre os voos do Tietê e do Paranapanema. O voo sobre o São Franscisco virará um documentário. E a próxima etapa do projeto já está sendo planejada para a região do Vale do Rio Doce (MG), onde uma barreira de rejeitos rompeu, em novembro de 2015, causando uma das maiores tragédias ambientais do Brasil. A lama arrasou cidades, matou o rio e causou prejuízos incalculáveis. “No próximo dia 5 de outubro, decolo para o Rio Doce. Essa aventura deve funcionar como um diagnóstico. Espero que ajude a enxergar uma luz no fim do túnel”.

 

 

 







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