Cânhamo: o que é, para que serve e tudo o que você precisa saber

Por Jade Rezende

Cânhamo: o que é, para que serve e tudo o que você precisa saber - Go Outside
Foto: Freepik

Subespécie da Cannabis Sativa L., o cânhamo tem atraído olhares de indústrias e empreendedores ligados na versatilidade da planta, que tem aplicações bem-sucedidas em  segmentos tão variados quanto os da moda, do esporte e da construção civil

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Pedro Álvares Cabral chegou no Brasil graças a embarcações com velas feitas de cânhamo – uma subespécie da Cannabis Sativa L. que não tem níveis significativos de THC –, como contam os jornalistas Raquel Oguri e Ricardo Amaral no livro “A cara do Rio”. As fibras produzidas a partir do caule da planta são insumos utilizados pela humanidade há milênios. Existem registros do uso de cânhamo há, pelo menos, 9.000 a.C. Mas tudo mudou após o proibicionismo no final da década de 1930: a campanha estadunidense contra a cannabis propagava os perigos de qualquer derivado da planta. A “lista negra” incluía até mesmo o cânhamo, que contém uma concentração pequena de THC e, portanto, não causa efeitos psicotrópicos – diferentemente da maconha.

A política proibicionista impediu que o mercado do cânhamo desenvolvesse todo o seu potencial de produzir diferentes matérias primas. Do hemp, termo em inglês, podem ser gerados extratos, fibras, polpas e óleos, usados na fabricação de tecidos, cordas e até alimentos. 

Somente quando estudos científicos a respeito dos benefícios da Cannabis sativa L. e suas subespécies começaram a ser reconhecidos, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o cânhamo voltou a ser inserido em alguns mercados. Hoje, países como os Estados Unidos, Canadá, China, França, Alemanha, Colômbia, Uruguai e muitos outros já têm parte de seus territórios cultivados com a subespécie, de acordo com a Kaya Mind, primeira empresa brasileira especializada em dados e inteligência de mercado de cannabis. Muitos territórios passaram a enxergar a planta como uma solução sustentável para diversos segmentos.

No caso da indústria da moda, por exemplo, o cultivo de cânhamo tem menos impacto ambiental do que o de algodão, já que usa pouca água e quase nenhum agrotóxico, além de ter um crescimento rápido e fácil. A construção civil também pode se beneficiar da planta: o “hempcrete”, concreto produzido a partir da mistura de cal, água e a parte interna do caule da planta, pode trazer benefícios econômicos e sociais, por ter baixo custo de produção e permitir a construção de casas mais baratas. 

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O mundo esportivo não está de fora da onda do hemp: o escritório de design holandês Studio MOM criou, no início do ano, um capacete de bike ecológico, feito de cânhamo e micélio, nome da estrutura formada pelas hifas, ou raízes, emaranhadas dos fungos. O MyHelmet é um capacete de materiais naturais sem o uso de combustíveis fósseis que, após a utilização, pode ser compostado. O objetivo é ajudar a evitar a geração de resíduos, já que o recomendado para os ciclistas é trocar de capacete a cada três anos.

Há quase duas décadas, o shaper Dan O’Hara, da Solid Surfboards, de San Diego, vem testando maneiras de melhorar o desempenho das suas pranchas e torná-las menos tóxicas . A solução, adivinha só, estava na fibra de cânhamo. A Solid fabrica pranchas em todos os materiais, mas incentiva seus clientes a experimentarem algo alternativo ao tradicional poliuretano – prejudicial à saúde das pessoas que trabalham com o material e também ao meio ambiente. O modelo de construção em cânhamo da marca é chamado de BIOflex. A fábrica incorpora práticas sustentáveis ​​em cada etapa do processo de fabricação de pranchas ao usar núcleos recicláveis ​​de baixo VOC, resinas de base biológica e reforços de fibra de cânhamo orgânica. 

Não existe regulamentação que permita o cultivo de cânhamo no Brasil. Em 2021, a Anvisa afirmou que a importação desse material também é proibida, já que o cânhamo é proveniente da Cannabis Sativa L., planta controlada e que precisa ser prescrita. No entanto, é fácil encontrar lojas brasileiras que vendem roupas com tecidos derivados do cânhamo. Isso porque existe uma grande discussão legal em relação ao assunto. Para começar, a Anvisa não é responsável por essa legislação e, sim, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), como defende a Kaya Mind.

Especialistas também evidenciam que o tecido do cânhamo é um material processado e que não tem fitocanabinoides, além de não poder ser categorizado como parte ou substância química da planta. Existem ainda registros nacionais que comprovam a importação de insumos do cânhamo por parte de estados brasileiros – segundo o Comércio Exterior Brasileiro (Comex Stat), nos anos de 2007 e 2008, o estado de São Paulo importou de Bangladesh mais de 100 toneladas de cânhamo bruto.

A regulamentação em torno do cânhamo no Brasil caminha a passos lentos (e confusos), mas há quem esteja atrás de mudar o cenário. A Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC) busca discutir e regulamentar o cultivo de cânhamo no país e dá força para o Projeto de Lei 399/2015, aprovado pela comissão da Câmara dos Deputados no final de 2021, que prevê o cultivo de cannabis para uso medicinal em território brasileiro e também inclui o cânhamo para fins industriais.

De acordo com a Kaya Mind, o Brasil seria extremamente beneficiado com a regulamentação da planta. “O país tem um cenário agrícola muito forte, reconhecido mundialmente, o que o posiciona como grande exportador de muitos insumos. Se o cânhamo fosse regulamentado, poderia ajudar ainda mais a desenvolver a agricultura brasileira, já que, quanto maior a diversidade agrícola de um país, mais forte ela é. Sem falar na variedade de matérias-primas relevantes que o cânhamo oferecer”, de acordo com relatório da empresa. Um de seus estudos estimou que R$ 4,9 bilhões seriam movimentados no quarto ano da legalização do cânhamo no Brasil, R$ 330,1 milhões deles arrecadados de impostos para o Estado. 

‘O futuro é canábico’

Foi assim que o rapper Marcelo D2 introduziu o Universo D2, um marketplace de produtos relacionados à cannabis, para a sua comunidade há alguns meses. O cantor é sócio e rosto da marca que, além de vender produtos, também tem o intuito de disseminar informações sobre cultivo, efeitos, notícias e tudo o que se relaciona ao mundo canábico.

Gastón Rodriguez, designer industrial do Uruguai, é mais um dos quatro sócios do Universo D2. Ele dava aula de tecnologia em uma universidade de Montevideo quando foi chamado pelo governo uruguaio para contribuir na elaboração do projeto de combate ao tráfico de drogas no país. Mais tarde, com a regulamentação da cannabis por lá, ele também conseguiu uma das duas licenças locais para comercializar a planta nas farmácias. Desde então, Gastón trabalha como consultor e empresário no setor de cannabis na América do Sul e em todo o mundo. No Brasil, trabalhou para a Anvisa e auxiliou na elaboração do PL 399/2015, além de diversas outras contribuições para os setores público e privado.

Com o Universo D2, o objetivo dos sócios é de longo prazo. Mais do que criar um espaço de vendas, a meta é preparar o terreno para o que o mercado possa receber bem uma futura legalização da cannabis no Brasil. “A ideia é trabalhar o público além do ativismo panfletário de “legalize já” e trazer conhecimento. Pela minha experiência no Uruguai, aqueles que estavam por dentro desse universo foram os que se tornaram empreendedores da indústria da cannabis”, afirma Gastón. O “exército” começa a ser recrutado pela marca através do público já cativado por Marcelo D2, que fala abertamente sobre a planta no Brasil há quase três décadas.







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