Qualquer atividade física fica mais rápida quando a mochila está leve

Por Camila Junqueira

Você ainda duvida do impacto que alguns quilos a mais causam no seu rendimento físico? Segundo os cálculos feitos por Roy Wallack, 4,5 quilos a menos para carregar representam uma redução de 2 min 10s no seu tempo de corrida nos 10K ou 51s no seu tempo de pedal nos 5K (com 7% de inclinação média). Não curte competir e quer só trekkar por aí? Os mesmos 4,5 quilos a menos fazem você percorrer 10 quilômetros até cinco minutos mais rápido – isso sem falar do desconforto que o peso extra nas costas sempre traz.

Para Ray Zahab – experiente ultramaratonista canadense que já participou de várias provas de longuíssima duração e que acaba de ir, andando, ao Pólo Sul – estar leve poupa seu corpo de estresse e fadiga desnecessários. “Pense dessa forma: se você colocar 2 quilos de areia nos seus bolsos e tentar correr, vai senti-los. O objetivo deve ser sempre estar o mais leve possível. A melhor maneira de fazer isso é eliminar os excessos”, diz. “Eu corto as etiquetas de roupas e equipamentos e deixo as cordas e fitas de ajuste da mochila com o menor tamanho possível. Minha mochila para uma prova como a Maratona de Sables pesa aproximadamente 450 gramas vazia. Na largada, ela chega a quase 9 quilos. Eu como muito!”, ri.

Tudo bem que Ray personifica a necessidade extrema de leveza, já que participa de expedições e competições autossuficientes (em que tem que carregar toda a comida de que vai precisar durante o percurso) e aí cada grama a mais faz diferença no peso total. Mas podemos aprender alguns truques com experts como ele e nossos outros consultores: Vitor Teixeira (capitão da equipe de corrida de aventura Quasar Lontra Master), o espanhol Aurélio Olivar (vencedor do Cruce de los Andes deste ano, prova de 100 quilômetros em três estágios, na Argentina e Chile) e Guilherme Pahl (corredor de aventura da equipe brasiliense Oskalunga). Aí basta decidir, em cada situação, qual a importância do peso e do conforto para o que você vai fazer.

Comida

O erro mais comum dos mochileiros é exagerar na comida. Mas se você carregar menos peso, vai usar menos energia e precisar de menos calorias para repor. Por isso o ideal é buscar alimentos com melhor proporção calorias x peso: “Frutas desidratadas, castanhas, alimentos liofilizados, barras, flocos de arroz caramelizado, carboidratos em gel e repositores como o Endurox R4 são boas opções”, diz a nutricionista e atleta Flavia Araújo.

Só não exagere na paranoia da leveza para não correr o risco de ficar sem comida: passar fome é bem pior do que carregar uma mochila um pouco mais pesada. “Todas as gramas que você coloca na mochila contam, mas a única coisa com a qual não sacrifico peso é comida”, diz Ray. Nas provas de autossuficiência, ele certifica-se de que terá alimentos suficientes para se recuperar entre os dias da prova. “A maioria das minhas calorias vem de alimentos desidratados e bebidas isotônicas em pó”, diz.

Vitor Teixeira viveu na pele o que é abandonar uma competição por falta de comida na Patagônia Expedition Race deste ano (prova de 600 quilômetros sem apoio e com apenas seis pontos de reabastecimento, disputada na Terra do Fogo, Chile). Ele, Vinicius Cruz, Frederico Gall e Tatiana Cirillo definiram a estratégia para a prova focando no último trekking de 150 quilômetros e subestimaram o primeiro, de 50. Saíram com comida para 20 horas e de repente se viram progredindo a 1 quilômetro por hora, por um interminável campo de turbas. “Depois de sete horas constatamos que não chegaríamos até o próximo ponto de controle, e decidimos andar 10 quilômetros até uma estradinha para buscar resgate ou carona. Ano que vem teremos uma estratégia mais conservadora quanto à comida. É importante saber o que se vai encontrar pela frente e contar com imprevistos. Quem imaginaria uma progressão tão lenta?”, conta Vitor.

Estimar a quantidade certa de comida para cada atividade é um cálculo matemático. “A necessidade de carboidrato varia de 30 a 60 gramas por hora de prova ou de treino. Quanto mais intensa a atividade ou mais acelerado o seu metabolismo, mais próximo dos 60 gramas. Já a ingestão de proteínas deve ficar entre 1,5 e 1,8 gramas por quilo por dia. Uma pessoa de 70 quilos, praticando mais de quatro horas diárias de exercícios de resistência, deve ingerir em média 126 gramas de proteína por dia”, explica Fuca. Com essas referências, você pode fazer as contas do que precisa levar olhando os rótulos dos alimentos. E levando um extra (10% são suficientes) para os imprevistos.

Água

É o item mais pesado da mochila. Por isso, estude o percurso e seu entorno, estime o tempo que levará para percorrê-las e carregue apenas a água que você vai precisar (mais uma vez, com uma certa margem de segurança). Avalie também a melhor maneira de carregar essa água: num trekking por lazer, a mochila de hidratação é sempre a melhor pedida. Numa competição, dependendo da quantidade de rios no percurso, uma caramanhola levada na mão ou nas alças da mochila facilita o reabastecimento.

O corredor de aventura Guilherme Pahl participou em fevereiro da prova multiesporte Coast to Coast, na Nova Zelândia. “Na perna mais difícil de corrida, de 33 quilômetros, estávamos sempre perto do rio. A maioria dos neozelandeses não levou água na mochila, apenas uma garrafinha, e bebiam direto do rio. Preferi levar água na mochila porque já estou acostumado com isso, e não conheço o rio como os locais, para saber quanto e onde beber”, conta. “Não gosto de levar garrafinha na mão. Reduzir o peso dos pontos móveis é sempre o mais eficiente, e as mãos são alavancas na corrida. Peso nelas desgasta mais que peso na mochila”, conclui.

A quantidade de líquidos que se deve ingerir depende muito da temperatura e da intensidade do exercício. A nutricionista Flávia recomenda: “Em um clima tropical ameno, deve-se tomar 500 mililitros de líquidos (água e isotônico) a cada hora”. Em climas muito quentes, ela aconselha dar preferência aos isotônicos (“Eles repõem carboidratos, proteínas, vitaminas e algumas marcas fornecem até aminoácidos”, diz) e complementar a hidratação com cápsulas de sal (sódio, magnésio e potássio) para o equilíbrio eletrolítico”.

Equipamentos

Sim, os equipamentos bons e leves são mais caros. Mas se você quer otimizar performance e conforto, vale a pena investir um pouco mais. Falamos com o espanhol Aurélio Olivar justamente quando ele estava preparando a mochila para a Maratona de Sables, prova de 250 quilômetros em autossuficiência. “A grande questão é a escolha dos equipamentos. Há lanternas de cabeça como a Tikka-XP, da Petzl, que iluminam o suficiente e pesam muito pouco. Ou ainda os modelos com baterias de lítio – que pesam 50% menos que as pilhas alcalinas e duram cerca de três vezes mais – como o modelo e+LITE, também Petzl”, indica Aurélio.

A escolha da jaqueta corta-vento também é importante e deve ser feita de acordo com o clima: “Se você for para uma montanha com altitude significativa, acima de 1700 metros (pense que a cada 180 metros de altitude há uma diminuição média na temperatura de 1ºC), ou se o tempo pode mudar muito, é importante uma jaqueta um pouco mais resistente (e consequentemente mais pesada). Se a região é quente, uma de 70 ou 80 gramas é suficiente”, diz. O mesmo critério deve ser usado na hora de escolher sleeping bag, barraca e até fogareiro, que são indicados para certas temperaturas e altitudes (e quanto mais frio, mais pesados).

Guilherme Pahl tem um kit super leve de equipamentos para competições e outro para os treinos. “Os equipamentos mais leves e para performance costumam ser mais caros e durar menos, prefiro poupá-los e usá-los apenas nas provas”, diz.

Mais leveza

>> Proteja seus equipamentos da chuva: Já que você estará carregando menos roupas, é imprescindível mantê-las secas.

>> Olhe onde pisa: com menos peso nas costas, é menos provável que você torça o pé. Mas se torcer, terá menos provisões e roupas para te proteger enquanto você manca de volta para o carro ou espera resgate.

>> Seja impiedoso: se você não tiver certeza de que vai precisar daquela peça de roupa, não a coloque na mala. Exceções: kit de primeiros socorros e papel higiênico. No lugar do fleece extra, leve gorro e luvas.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2009 e atualizada em março de 2019)







Acompanhe o Rocky Mountain Games Pedra Grande 2024 ao vivo