Inimigos ocultos: como podemos enfrentar os transtornos alimentares?

Por Christine Byrne

transtornos alimentares
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Os CASOS DE transtornos alimentares vêm aumentando há anos, mas durante a pandemia houve um salto nos diagnósticos de distúrbios comportamentais.

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A psicóloga Lisa Damour escreveu no The New York Times que a combinação de alta ansiedade, falta de estrutura e menos válvulas de escape para canalizar a energia e fazer pausas criaram condições perfeitas para o aumento de comportamentos disfuncionais entre adolescentes.

O mesmo também aconteceu com os adultos, já que os centros de tratamento de transtornos estão com capacidade máxima, e terapeutas têm longas listas de espera de novos pacientes, segundo noticiou em maio de 2021 a Associated Press, organização independente e global de notícias dos Estados Unidos.

Em 2021, ficou mais fácil do que nunca perceber a forma hipócrita com que pensamos e falamos sobre transtornos alimentares. Os meios de comunicação de massa continuam disseminando mensagens gordofóbicas e advertindo contra a obesidade e o ganho de peso.

Por um lado, jornais norte-americanos divulgam reportagens sobre como a ansiedade pandêmica exacerbou os transtornos alimentares; por outro, divulgam artigos que glorificam o excesso de exercícios e dietas restritivas (ambos considerados comportamentos alimentares disfuncionais).

À medida que a vida volta a se assentar ao redor de um novo tipo de normal, temos a chance de aproveitar a oportunidade para ampliar nossa visão acerca de transtornos alimentares e aprender como falar sobre eles – e sobre comida, e sobre corpos de maneira geral – de uma forma que seja útil, sem ser desencadeante.

UM PROBLEMA QUE PIORA

Um estudo de 2019 publicado na revista científica American Journal of Clinical Nutrition concluiu que aproximadamente 7,8% da população mundial terá algum distúrbio alimentar ao longo de sua vida, mais que o dobro da cifra de 15 anos atrás. Outro estudo de 2020 concluiu que a incidência entre mulheres norte americanas será ainda mais alta, superando os 13%. Embora ainda não exista uma grande quantidade de dados sobre como a pandemia afetou esses números, muitos especialistas em saúde dizem ter identificado um aumento tanto nos distúrbios alimentares como na gravidade desses comportamentos disfuncionais desde o começo das ordens de isolamento domiciliar, em março de 2020.

Whitney Trotter, nutricionista, enfermeira e ativista que trabalha sobretudo com comunidades negras e indígenas, explica que muitas vezes os transtornos alimentares são um mecanismo de enfrentamento. Muitas pessoas que vivem em corpos marginalizados ou que lidam com o estresse constante e a incerteza da insegurança laboral, pobreza ou abuso utilizam comportamentos alimentares disfuncionais como forma de ter algum senso de controle sobre seus corpos e suas vidas.

Em uma época de tamanha incerteza universal, não surpreende que tantas pessoas estejam se voltando a mecanismos de enfrentamento doentios, como restrições alimentares extremas, excesso de exercício e comilanças desmedidas para ter a sensação de que estão no comando.

Certamente, essa sensação de controle sempre dura pouco. O escalador Kai Lightner conta em um artigo da revista Outside norte-americana que seu próprio transtorno alimentar tinha nascido do desejo de ser um atleta mais competitivo (e mais leve), mas acabou desencadeando um enorme dano físico. Amelia Boone, campeã de corrida com obstáculos estilo Spartan Race admite ter subestimado seu próprio distúrbio alimentar durante anos, com vergonha de que, como atleta conhecida por sua determinação, não fosse capaz de lidar com isso sozinha.

Muitas pessoas com transtornos alimentares parecem saudáveis e no auge do desempenho. Dori Bowling-Walters, terapeuta especializada em distúrbios alimentares, explica que muitos de seus pacientes são pessoas que se destacam no que fazem ou que têm um ótimo trabalho. Eles estão totalmente consumidos por seus transtornos, mas as pessoas ao redor não percebem isso porque eles não parecem doentes. Pior, as pessoas confundem comportamentos disfuncionais com disciplina ou dedicação.

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A MAIORIA DAS PESSOAS NÃO SE ENCAIXA NO PAPEL

Com muita frequência, não nos preocupamos com a relação dos outros com a comida e com o corpo, a não ser que eles estejam visivelmente esqueléticos ou que tenham perdido uma quantidade significativa de peso num curto intervalo de tempo. No entanto isso reflete uma completa incompreensão do aspecto real dos transtornos alimentares.

Muitas pessoas pensam apenas em anorexia nervosa (restrições extremas de comida, peso corporal muito baixo e imagem corporal conturbada) e bulimia nervosa (repetidas comilanças seguidas de algum método de expurgo compensatório, normalmente vômito ou excesso de exercício).

Mas os transtornos alimentares abrangem uma gama muito mais ampla de comportamentos, incluindo restrição e/ou obsessão alimentar sem ganho de peso, exigência excessiva quanto à qualidade da comida e comilanças exageradas. Apenas cerca de 6% das pessoas diagnosticadas com transtornos alimentares se enquadram na categoria de índice de massa corporal baixo, enquanto o resto é classificado como normal, sobrepeso ou obesidade.

Também há a questão da diversidade. Embora mais homens famosos, pessoas transgênero e negras (como Kai) tenham começado a falar sobre suas experiências com distúrbios alimentares, a grande maioria das experiências conhecidas ainda vem de mulheres jovens e brancas. Whitney diz que isso é um grande problema – as comunidades negras e indígenas registram taxas de transtornos alimentares similares, mas como não se fala sobre isso a probabilidade de que as pessoas afetadas procurem ou admitam precisar de ajuda é muito menor. Dori também acrescenta que os transtornos alimentares afetam pessoas de todas as idades, apesar do mito de que primordialmente os jovens estejam em risco.

O agravamento dos transtornos alimentares durante a pandemia se deve, em parte, a uma compreensão limitada de como são esses transtornos e de quem é afetado. O Instagram tem políticas que protegem jovens de posts sobre perda de peso, mas adultos são encorajados a perder os 8 kg que ganharam na quarentena. Nós celebramos a positividade corporal e a aceitação quando elas giram ao redor de pessoas relativamente magras, mas a criticamos quando vêm de pessoas gordas. E, naturalmente, há o fato de que a maioria de nós passou bem mais tempo do que o normal nas redes sociais durante os últimos dois anos.

“Você pode entrar numa rede social a qualquer hora e encarar corpos ‘perfeitos’”, diz Dori. E, quando você não está rodeado de muitos corpos de carne e osso, essas imagens tratadas no Photoshop e que mostram uma fração diminuta da população começam a parecer normais – o que faz com que algumas pessoas tenham a sensação de que têm que começar alguma restrição alimentar extrema ou outros comportamentos disfuncionais simplesmente para se encaixar nesse modelo.

É HORA DE MUDAR O TOM

Não existe uma forma fácil e rápida de prevenir transtornos alimentares. Mas existem muitas coisas que podemos fazer para redefinir nossa forma de pensar e falar sobre eles. Em larga escala, podemos acabar com o pânico cultural sobre ganho de peso, durante a quarentena ou em qualquer outro contexto. Isso é estigmatizante para qualquer pessoa em um corpo gordo e disparador de distúrbios comportamentais para qualquer pessoa com ou em risco de desenvolver um transtorno alimentar.

No âmbito individual, devemos tomar cuidado para não elogiar perdas de peso ou expressar “preocupação” com o ganho de quilos de alguém. No esporte, podemos focar na performance e no bem-estar de um atleta em vez de ficarmos obcecados com seu peso. E de forma geral, podemos parar de elogiar a magreza como o objetivo final, como a razão de ser do bem-estar e da felicidade. Estamos falando de uma significativa mudança cultural, que levará tempo e trabalho – mas que pode diminuir o risco de transtornos alimentares e tornar a ajuda mais acessível àqueles que precisam dela.

Devemos tomar cuidado para não elogiar perdas de peso ou expressar “preocupação” com o ganho de peso de alguém. No esporte, podemos focar na performance e no bem-estar de um atleta.

Matéria originalmente publicada na revista Go Outside 172.







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