Este dispositivo revolucionário pode mudar os rumos do treinamento

Por Alex Hutchinson*

lactato
Foto: Emilija Milenkovic / Getty / Outside USA.

Depois de anos de rumores, novos dados sugerem que sensores de lactato em tempo real finalmente estão prontos para chegar ao mercado. Mas será que os atletas saberão como usá-los?

Em 2021, a União Ciclística Internacional (UCI), órgão que regula o ciclismo mundial, lançou um novo conjunto de regras proibindo o uso de dispositivos que medem “valores metabólicos, como, mas não limitados, a glicose ou lactato” durante competições. Embora o foco fosse nos monitores contínuos de glicose, a menção ao lactato despertou grande curiosidade. Essa proibição preventiva da UCI significava que monitores contínuos de medidores de ácido lático no sangue, convenientes e não invasivos, estavam prestes a ser lançados?

A resposta curta: não.

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O lactato tem ganhado grande relevância nos esportes de resistência nos últimos anos. Antes considerado um vilão do exercício, associado à queima muscular provocada pelo “ácido lático”, ele agora é visto como um indicador sensível da intensidade do esforço. Se você ultrapassar o seu limiar de lactato, os níveis dessa substância no sangue vão disparar, sinalizando uma exaustão iminente. Métodos de treinamento como o “Norwegian Method” se apoiam em medições frequentes de lactato para controlar a intensidade dos treinos. No entanto, as medições atuais exigem testes de sangue invasivos, frequentes e um tanto desconfortáveis.

Um dispositivo capaz de monitorar o lactato em tempo real seria revolucionário, tanto para o controle de treinos no estilo norueguês quanto, como teme a UCI, para otimizar o ritmo de competição no limite das capacidades. Rumores sobre a iminência desses monitores circulam há anos — cheguei a mencioná-los no meu livro Endure, de 2018. No ano passado, o portal Velo sugeriu que eles estavam “prontos para transformar o ciclismo profissional”. Mas, até agora, essa revolução permanece teimosamente “quase chegando”.

Por isso, fiquei intrigado ao ver um novo estudo publicado no European Journal of Sport Science, que apresenta dados experimentais de um monitor contínuo de lactato capaz de detectar o limiar de lactato — e até funcionando debaixo d’água, em um nadador. Isso mostra que o monitoramento em tempo real está mais próximo de se tornar realidade, pelo menos do ponto de vista técnico. As grandes questões agora são: será que o mercado quer esses dispositivos? E será que as informações que eles oferecem são realmente úteis?

O que os novos dados do monitor de lactato baseado no suor revelam

O estudo é da Escola de Medicina da Universidade de Keio, no Japão, conduzido por uma equipe liderada por Daisuke Nakashima, que também é CEO da Grace Imaging, a startup responsável pelo desenvolvimento do sensor de lactato. O dispositivo da Grace detecta lactato no suor, o que é ligeiramente diferente dos monitores contínuos de glicose, que analisam o fluido intersticial encontrado entre as células. Amostrar suor é mais fácil e não invasivo, mas (como veremos mais adiante) um pouco mais complicado de analisar.

O estudo apresenta dados de 24 participantes que realizaram um teste incremental de natação de 15 minutos em um canal de fluxo controlado (o equivalente a uma esteira para nadadores, onde a velocidade da água pode ser ajustada). A cada dois minutos, os nadadores faziam uma pausa para que amostras de sangue fossem coletadas de seus dedos, verificando se os valores de ácido lático o no suor correspondiam aos do sangue.

Os resultados de uma das amostras mostram que os níveis de lactato permanecem baixos por cerca de 12 minutos, subindo rapidamente em seguida, indicando que o nadador ultrapassou o seu limiar de lactato. Os testes sanguíneos mostram um limiar próximo ao mesmo ponto. Esses resultados são semelhantes aos de um estudo anterior que usou o dispositivo da Grace Imaging em corredores.

Aqui está o gráfico do estudo anterior, com pontos vermelhos representando os valores de lactato no sangue e pontos azuis indicando os valores medidos pelo dispositivo contínuo no suor:

Foto: Scientific Reports.

A correspondência é bastante convincente! No entanto, observe que os valores estão plotados em eixos diferentes. Os valores do sangue, no eixo direito, chegam a entre 4 e 5 mmol/L. Já os valores do suor são expressos em microamperes, refletindo a corrente elétrica gerada no sensor, de modo que os números não são comparáveis diretamente. Mesmo que fossem apresentados nas mesmas unidades, as concentrações de lactato no sangue e no suor são muito diferentes, o que impede comparações diretas.

Outros concorrentes

O site da Grace Imaging apresenta links para demonstrações e apresentações. Por exemplo, a empresa está oferecendo “Clínicas de Medição de Ácido Lático no Suor” para quem se inscrever na Maratona de Saitama, no Japão, no próximo ano, e o dispositivo está sendo testado em uma rede de academias japonesas. No entanto, não há menção a vendas comerciais iminentes.

O mesmo se aplica a outras empresas que anunciaram planos de lançar monitores contínuos de lactato. A startup francesa PKVitality, por exemplo, exibe em seu site o K’Watch, um dispositivo que mede lactato. Contudo, suas redes sociais não são atualizadas desde 2022, e e-mails enviados aos contatos de imprensa retornaram sem sucesso.

A empresa mais próxima de lançar o produto no mercado parece ser a belga IDRO. Assim como a Grace Imaging, ela detecta lactato no suor e demonstrou a capacidade de identificar um aumento acentuado relacionado ao limiar de lactato. No ano passado, a IDRO realizou uma demonstração ao vivo em Budapeste, na qual um voluntário utilizou o dispositivo durante um teste incremental com estágios progressivamente mais intensos de três minutos, pausando por um minuto para coletar amostras de sangue.

Aqui estão os dados em tempo real (em azul) e os valores sanguíneos (em vermelho):

Foto: IDRO.

Desta vez, ambos os valores estão em unidades comparáveis, mmol de lactato por litro de fluido. Nota-se que os valores de lactato no suor são altamente sensíveis: toda vez que o corredor parava para o teste sanguíneo, os níveis registrados em tempo real caíam drasticamente, tornando os dados difíceis de interpretar. Mas ao remover essas flutuações, tomar valores representativos e ajustar a escala relativa, os resultados se tornam mais encorajadores:

Foto: IDRO.

Conversei com Kevin van Hoovels, cientista esportivo da IDRO e ex-ciclista olímpico. Ele se mostrou cautelosamente otimista em relação às perspectivas da empresa. Segundo ele, a tecnologia do sensor é “madura e robusta”, e o foco atual está na ampliação da produção. Ele espera que os dispositivos comecem a ser vendidos no primeiro trimestre de 2025, inicialmente para equipes e laboratórios, que, por sua vez, fornecerão o serviço aos atletas.

Uma maneira melhor de medir o lactato?

Tanto a IDRO quanto a Grace têm como objetivo analisar os níveis de lactato no suor. No entanto, a relação entre o lactato no suor e no sangue — a métrica com a qual os atletas estão acostumados — está longe de ser simples. Por exemplo, os níveis de lactato no suor podem depender de quanto você está transpirando. Isso significa que a relação entre lactato no suor e no sangue pode variar dependendo da intensidade do exercício, do tempo de esforço ou até da temperatura ambiente. Isso sugere que sensores de lactato baseados no suor podem ser úteis para indicar se você está acima ou abaixo do limiar de lactato, mas são menos confiáveis para medir a concentração exata de lactato no sangue.

Uma abordagem alternativa é medir o lactato no fluido intersticial, que reflete os níveis sanguíneos de forma mais precisa, utilizando um fino filamento que atravessa a pele. Essa é a técnica empregada pelos monitores contínuos de glicose (CGMs, na sigla em inglês) atuais, e várias grandes empresas estão correndo para adaptar seus CGMs para também medir lactato. A Abbott, sediada em Illinois, tem discutido há anos a inclusão de lactato em seus dispositivos, e há rumores de que a Dexcom, da Califórnia, esteja fazendo o mesmo.

Alguns dos dados mais interessantes disponíveis publicamente vêm de uma startup californiana chamada PercuSense. Em julho, pesquisadores na Austrália publicaram um estudo de viabilidade no *Journal of Diabetes Science and Technology*, utilizando um protótipo experimental do sensor combinado de glicose e lactato da PercuSense. Os dados coletados durante exercícios mostraram uma boa correspondência, não apenas no formato das curvas, mas também nos valores reais de lactato em comparação com as medições sanguíneas (representadas como círculos):

Foto: Journal of Diabetes Science and Technology.

Outra empresa emergente de biossensores da Califórnia, a Biolinq, utiliza uma matriz de microagulhas menores, posicionadas logo abaixo da pele, que são ainda menos invasivas que os CGMs atuais. A Biolinq também está medindo os níveis de glicose e lactato. Um dos cientistas que colaboram com a Biolinq é Iñigo San Millán, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado e diretor de desempenho do Team UAE Emirates de ciclismo e do Athletic Club de Bilbao no futebol. San Millán tem testado o dispositivo da Biolinq com jogadores do Athletic Club, tanto no laboratório quanto em campo, e está animado com os resultados obtidos até agora.

Para que serve o monitoramento de lactato?

Vale mencionar que a Supersapiens, empresa cuja tecnologia de monitoramento contínuo de glicose já abordei antes, ficou sem recursos e encerrou as operações no início deste ano. Esse colapso reflete mais os desafios de obter a aprovação de dispositivos médicos do que a falta de interesse do público por tecnologia vestível — mas é um lembrete de que construir um dispositivo funcional é apenas o primeiro passo.

Um dos grandes desafios da Supersapiens foi interpretar a avalanche de novos dados. Ninguém sabia exatamente o que significavam, se é que significavam algo, todos os picos e vales no gráfico de glicose para atletas não diabéticos, ou como interpretá-los. A IDRO e seus concorrentes enfrentam o mesmo desafio, como ilustra a grande variação nos dados de lactato no suor. “Definitivamente acreditamos que o monitoramento contínuo de lactato é útil para atletas”, disse Kevin van Hoovels, “mas ainda há muito a aprender sobre a interpretação desses dados.”

San Millán está confiante de que os dados de lactato baseados no fluido intersticial serão mais úteis — e mais fáceis de interpretar — do que os dados de glicose ou os de lactato no suor. Segundo ele, o lactato intersticial é ideal para monitorar a intensidade durante os treinos e para controle de ritmo em competições. Qual empresa chegará ao mercado primeiro ainda é uma incógnita, mas San Millán acredita que isso ocorrerá entre 2025 e 2026. “É uma corrida, e quem chegar primeiro ganhará um grande prêmio”, ele diz. “Mas ainda há muito trabalho de engenharia, mais testes… e mais papelada.”

Seja pela abordagem baseada no suor ou no fluido intersticial, ainda não está claro se será possível entregar um produto que forneça dados práticos e fáceis de usar para atletas, a um preço acessível para um público amplo. Mas a resposta está cada vez mais próxima. Enquanto isso, treinadores experientes continuarão a coletar sangue de dedos ou lóbulos das orelhas para ajustar a intensidade dos treinos — e o restante de nós, por ora, seguirá confiando em nossa intuição.

*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside.