Mudança de rota: como a Sea Shepherd se aliou aos governos para combater a pesca ilegal no mundo todo

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Foto: Liam Strong / Courtesy Sea Shepherd Global / Outside USA.

Os oceanos precisam de proteção como nunca antes e a organização ambientalista está em processo de redefinição. O foco original – campanhas dramáticas contra baleeiros e caçadores de focas que operam sob bandeiras de países como o Japão – está dando lugar a uma ênfase na proteção da pesca em cooperação com os governos. O repórter TRISTRAM KORTEN acompanhou Peter Hammarstedt, o ativista sueco no coração desta estratégia.

Numa noite nublada e sem lua em Port-Gentil, Gabão, na costa oeste da África, Peter Hammarstedt observava as luzes vermelhas e verdes das lanchas deslizando pelas águas de um estuário rodeado de manguezais. Ele chamou no rádio. “Continue”, disse, guiando os botes infláveis de casco rígido, ou RHIBs, até o cais. Amontoados no escuro, atrás do diretor de campanhas do grupo de conservação Sea Shepherd Global, estavam três oficiais de pesca gaboneses, seis fuzileiros navais com AK-47 penduradas no ombro, dois pesquisadores e eu. Depois que todos subimos, os pilotos desligaram as luzes, apontaram a proa para oeste e dispararam os dois motores de 200 cavalos escuridão adentro.

Em algum lugar à nossa frente flutuava o Bob Barker, um navio da Sea Shepherd de 52 metros com o nome do falecido apresentador do programa Price Is Right, que doou US$ 5 milhões há doze anos para comprar o navio. O Bob estava programado para realizar uma patrulha de um mês em parceria com o governo do Gabão para combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, ou, abreviadamente, a pesca IUU [Illegal, Unreported, and Unregulated, ou ilegal, não divulgada e irregular, na tradução para o português].

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Para fazer isso de forma eficaz, a presença do navio teve que ser mantida em segredo, de modo que o Bob estava escuro – esperando por nós a mais de dezesseis quilômetros da costa, com as luzes do convés apagadas e as vigias cobertas. O sistema de identificação automática do navio estava desligado e a tripulação mantinha silêncio no rádio. Embora não os tenhamos visto, passamos por vários arrastões de pesca chineses e africanos, cujas tripulações teriam espalhado a notícia se tivessem visto o Bob. Informantes das redes piratas que rondavam essas águas também teriam transmitido a localização do Bob. (No dia anterior, Hammarstedt recebeu um comunicado da Marinha sobre avistamentos de piratas ao norte, na costa de Libreville, a capital do país).

“É bom estar no barco dos caras armados, uma vez na vida”, brincou Hammarstedt enquanto o bote saltava, criando uma esteira brilhante com a bioluminescência azul e as luzes de Port-Gentil formando uma linha fina e brilhante na popa. Depois de 20 minutos acelerando na escuridão, os barcos diminuíram a velocidade e, de repente, o Bob emergiu da escuridão. Auxiliados por faróis, subimos escadas de corda até o convés escuro enquanto os botes eram içados a bordo com nosso equipamento. Hammarstedt caminhou silenciosamente até a proa, deu um tapinha no pilar de aço enferrujado do navio de 72 anos e murmurou: “Que bom ver você, minha senhora”.

Hammarstedt tinha uma longa história com o Bob; durante 11 anos, ele comandou o barco por quatro oceanos em busca de baleeiros e operações de pesca ilegal. Mas a embarcação era velha e a manutenção era cara. No final, o voto de Hammarstedt foi o único “não” quando o conselho de quatro membros da Sea Shepherd Global votou pela sua eliminação em 2021.

Esta seria sua patrulha final. Dentro de alguns meses, a tripulação iria de carro para a Turquia, onde Hammarstedt combinou de estar quando o navio fosse desmontado peça por peça. Um substituto já havia sido comprado com a ajuda de um doador. Então Hammarstedt ficou na proa e deixou a nostalgia fluir. Atrás dele estava pendurado o sino de latão do navio, que planejava levar de lembrança quando o corte começasse. Então, com um encolher de ombros, ele se virou e voltou. Ele precisava descansar. Havia trabalho a ser feito e já era tarde.

HAMMARSTEDT, um sueco esguio com rosto jovem e cabelos cor de ferrugem, começou sua carreira na Sea Shepherd em 2002, depois que a Comissão Baleeira Internacional votou pelo retorno da Islândia à comissão, o que lhe permitiu retomar a caça às baleias com o suposto propósito de “pesquisa científica”, termo há muito visto como uma lacuna que permite a realização de caças comerciais em pequena escala. Na época, a Sea Shepherd era dirigido por Paul Watson, ativista canadense incendiário e controverso.

Watson foi membro fundador do Greenpeace, mas foi expulso da ONG em 1977, após uma briga na qual ele tomou à força um porrete de um caçador de focas. Ele fundou a Sea Shepherd naquele mesmo ano, na esperança de construir uma organização de ação direta de defesa do meio ambiente que não estivesse tão preocupada em ser gentil. Nas décadas seguintes, o grupo desenvolveu uma reputação de fora da lei.

As tripulações da Sea Shepherd travavam hélices dos navios baleeiros, bloqueavam os lançamentos de arpões com os seus barcos e corpos e impediam os navios de reabastecer no mar, forçando-os a regressar ao porto de mãos vazias. Watson, que foi chamado de terrorista por autoridades do Canadá e do Japão, leva o crédito por afundar pelo menos nove navios baleeiros não tripulados entre 1981 e 2002. Ele chama sua abordagem de “não-violência agressiva”. Os navios dao Sea Shepherd navegam sob uma bandeira pirata Jolly Roger com seu próprio design: uma caveira acima de um tridente cruzado com um cajado de pastor.

Após a votação da CBI em 2002, os ambientalistas ficaram indignados. “Perdi muito a fé de que as burocracias governamentais poderiam resolver qualquer coisa naquele dia”, disse-me Hammarstedt. Watson anunciou que partiria e enfrentaria os navios islandeses. Hammarstedt tinha apenas 18 anos na época e, graças ao trabalho de seu pai em uma região sem litoral da Pensilvânia, quase não passava tempo na costa, muito menos no mar. Mas ele procurava maneiras de agir desde que, aos 14 anos, viu uma foto numa revista, de uma baleia minke arpoada sendo içada a bordo de um navio. Ele ligou para os escritórios da Sea Shepherd todos os dias durante um mês, até que finalmente o contrataram como voluntário.

Watson, que foi chamado de terrorista por autoridades do Canadá e do Japão, leva o crédito por afundar pelo menos nove navios baleeiros não tripulados entre 1981 e 2002. Ele chama sua abordagem de “não-violência agressiva”.

Hammarstedt começou com a tripulação do convés, limpando os tanques de combustível na casa de máquinas. Logo ele estava navegando em quase todas as campanhas baleeiras em que a Sea Shepherd participava. Nas horas de folga, ele estudava para obter a licença de oficial, obtida há uma década, que o qualificaria para comandar um navio. “Vi suas capacidades muito cedo”, diz Watson. “Ele começou por baixo e foi persistente. Ele certamente tinha energia e ambição.”

Finalmente, Hammarstedt tornou-se o diretor de campanhas da organização, muitas vezes sendo o rosto público da Sea Shepherd. Ele trabalhou em estreita colaboração com Watson para reunir tripulações e decidir quais pesqueiros visar e quais navios usar. Uma ajuda crucial foi atrair a atenção da mídia, principalmente com a série Whale Wars, [Guerra das Baleias] que estreou em 2008 no Animal Planet e documentou as aventuras da frota do Sea Shepherd em alto mar durante sete temporadas, ajudando a levar a organização a um novo nível de exposição pública.

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Hammarstedt (à direita) ajudou a afastar o Sea Shepherd do seu passado ilegal. Foto: Liam Strong / Courtesy Sea Shepherd Global / Outside USA.

Existem 15 sedes da Sea Shepherd em todo o mundo, cada uma constituída de forma independente para proteger a organização de ações judiciais. A Sea Shepherd Global é a maior, com cerca de 25 funcionários e 115 tripulantes, a maioria voluntários. Watson era diretor da sede nos EUA, mas desde 2019 entrou em conflito com o seu presidente, Pritam Singh, que queria concentrar-se na ciência e na investigação em vez de conflitos extravagantes. Numa declaração emitida por Watson em julho de 2022, ele foi contra que “nossa frota deixasse de confrontar os caçadores ilegais e se transformasse em navios de pesquisas não controversas”.

Tanto Watson como Hammarstedt eram membros do conselho de administração dos EUA e, à medida que o conflito interno se espalhava pelas redes sociais, a Sea Shepherd Global pediu a Watson que parasse de criticar publicamente a sede dos EUA. Como ele não parou – pelo menos não o suficiente para satisfazer o conselho – pediram a ele que renunciasse. Ele recusou e foi demitido em votação. A sede dos EUA processou Watson, embora ele declare, desde então, que fez um acordo amigável com Singh e a sede. No entanto, foi uma reviravolta dolorosa para Hammarstedt. “Eu amo Paul”, ele me disse mais tarde. “Mas quando você faz parte de um conselho de administração, você faz o juramento de colocar o bem-estar financeiro e jurídico da organização acima de tudo. Isso às vezes pode colocar você em conflito com a família e, neste caso, com um mentor que é como uma família.” Agora Hammarstedt ajuda a traçar uma nova direção para uma organização internacional que perdeu a figura de proa que a definiu durante tantos anos.

DA NOSSA POSIÇÃO no convés na manhã seguinte à nossa chegada, nuvens cobriam o céu e o Golfo da Guiné estava calmo ao redor. Depois de um café da manhã composto por smoothies e café puro – todas as refeições a bordo dos navios da Sea Shepherd são veganas – Hammarstedt subiu as escadas até a ponte para uma reunião de comando com o capitão holandês do Bob, Bart Schulting, e três oficiais de pesca gaboneses: Gaspard Mouele Ngoye, Carole Boupana e Felisi Fridolin Ngabikoumou. Eles estavam acompanhados por Jerry Strauss Massondo, subtenente encarregado dos seis fuzileiros navais a bordo.
A imagem de Hammarstedt amontoado com os funcionários uniformizados era impressionante.

Apenas nove anos antes, um juiz federal dos EUA declarou que as ações da Sea Shepherd eram “a personificação da pirataria” numa decisão de 2013 que manteve uma liminar para impedir a organização de assediar os baleeiros japoneses. Durante a maior parte dos seus 46 anos de história, a conscientização pública sobre a Sea Shepherd tem sido principalmente através do seu trabalho na luta contra os governos, a fim de chamar a atenção para a caça de golfinhos, focas e baleias. Mas na década anterior, o grupo mudou fortemente o seu foco para a pesca ilegal, em grande parte devido à necessidade – há metade do número de peixes nos oceanos hoje em comparação com 50 anos atrás – mas também porque a sua oposição à caça de mamíferos começou a dar frutos.

Em 2014, Watson estava fugindo da Interpol depois que um mandado foi emitido em decorrência de um confronto com pescadores de barbatanas de tubarão na Costa Rica. (As acusações foram retiradas desde então, mas um mandado do Japão ainda está ativo.) Nesse mesmo ano, ele encarregou Hammarstedt de uma campanha para interceptar uma frota baleeira japonesa na Antártica. Para tanto, Hammarstedt reuniu tripulações e preparou dois navios. Enquanto isso, a Austrália levou o Japão ao Tribunal Internacional de Justiça, alegando que os japoneses estavam violando a proibição da caça às baleias imposta pela Convenção Baleeira Internacional. O Japão, um dos signatários, disse que a sua caça comercial era permitida de acordo com a cláusula de investigação científica. Mas em Março de 2014, Haia decidiu contra o Japão, que concordou em suspender as operações baleeiras. (O Japão retomou a caça comercial de baleias em 2019.)

Com dois navios prontos para partir, mas nenhum baleeiro para perseguir, a Sea Shepherd teve que mudar de rumo. Hammarstedt tinha ouvido falar de uma frota espanhola famosa pela caça predatória de merluza negra – comercializada como robalo chileno – nas águas ao redor da Antártica. Em dezembro de 2014 o Bob, com Hammarstedt no comando, e o Sam Simon (em homenagem ao cocriador de Os Simpsons, que doou o dinheiro para o navio), capitaneado por Siddharth Chakravarty, rumou para o sul. Os dois capitães estreitaram a busca pelos barcos espanhóis, descartando zonas cobertas de gelo e pescadas por entidades legais. Em duas semanas, encontraram o mais famoso dos navios caçadores predatórios, o Thunder.

Hammarstedt comunicou-se por rádio com o capitão do navio e ordenou-lhe que parasse de pescar imediatamente. A resposta foi essencialmente: Por qual autoridade? É uma pergunta que muitos fizeram. A resposta da Sea Shepherd foi invocar a Carta Mundial das Nações Unidas para a Natureza, que apela aos estados membros para “conduzirem as suas atividades em reconhecimento da importância suprema de proteger os sistemas naturais”. Quando em águas antárticas, também cita o tratado internacional para a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos da Antártica. A realidade é que a Sea Shepherd não tem autoridade legal, e a sua eficácia resume-se ao fato de estar disposto a obrigar as operações de pesca a cumprir leis que outros países criaram, mas não querem ou não são capazes de aplicar. O único método real para conseguir isto é perseguir os culpados ou constranger as autoridades para que tomem medidas.

A pesquisadora Teale Phelps Bondaroff, que estava a bordo do Bob comigo, explicou um dia, tomando chá na cozinha, que a abordagem de vergonha legal usada contra a pesca IUU evoluiu da abordagem de vergonha moral que alimentou as campanhas anti-caça às baleias. Os países não querem parecer incapazes de fazer cumprir a lei nas suas próprias águas. Ainda assim, acrescentou, os críticos dizem frequentemente que as tripulações da Sea Shepherd, como atores não estatais, “não podem fazer legalmente o que estão fazendo. Mas não importa, eles estão fazendo.”

O plano de Hammarstedt era simples: ele seguiria o Thunder e divulgaria sua localização até que alguma agência policial em algum lugar detivesse o navio. Os caçadores predatórios finalmente conseguiram fugir, tentando afastar seus perseguidores navegando por campos de gelo e condições climáticas adversas. Hammarstedt estava determinado a segui-lo durante toda a missão, por mais longa que fosse, e a certa altura perguntou ao seu engenheiro e ao cozinheiro quanta comida e combustível eles tinham. A resposta: o suficiente para dois anos.

As patrulhas do Sea Shepherd têm sido extremamente bem-sucedidas. Só no Gabão, prenderam os capitães de 15 navios e encerraram a pesca de camarão naquele país depois de determinarem que estava perigosamente subregulamentada. “Se fizéssemos prisões todas as noites, isso significaria que não estávamos tendo nenhum efeito”, declara Hammarstedt.

A Sea Shepherd envolveu a mídia e a perseguição apareceu nas manchetes em todo o mundo. A perseguição percorreu 10.000 milhas em 110 dias e é citada como a mais longa perseguição marítima registrada na história. Durante este episódio, Hammarstedt manteve contato diário com as autoridades policiais de vários países. Ele também notificou as autoridades dos países por onde passaram, incluindo o Gabão. Hammarstedt tinha ouvido falar que o explorador e conservacionista Mike Fay estava trabalhando com o governo de lá.

A pesca internacional é um negócio complexo – os proprietários de um país frequentemente registam seus navios em outro, obtendo o que chamamos de bandeira de conveniência para evitar regulamentações e impostos, e para obter mais facilmente licenças de pesca num país específico. As tripulações, por sua vez, geralmente vêm de locais onde a mão-de-obra é barata. Para turvar ainda mais as águas, os barcos de pesca ilegal criam registos falsos e mudam frequentemente os nomes dos seus navios. O Thunder foi registrado na Nigéria, mas a propriedade é de um magnata da pesca espanhol.

Hammarstedt entrou em contato com o Gabão em um e-mail de 19 de março de 2015 que começava assim: “Nos últimos 92 dias, tenho perseguido fisicamente o navio de caça ilegal F/V Thunder, de bandeira nigeriana, procurado internacionalmente.” Hammarstedt pediu a ajuda do Gabão caso o navio entrasse em sua jurisdição. Fay consultou um almirante gabonês e respondeu: “Não tem problema, mantenha-me informado e colocarei as autoridades competentes em ação, se necessário.”

Enquanto isso, o almirante alertou os aliados marítimos do Gabão. O efeito geral foi bloquear o Thunder fora dos portos próximos. Sem ter para onde ir, ficando sem combustível e suprimentos, o capitão do Thunder afundou seu próprio navio para destruir evidências. Afundou na ilha de São Tomé e Príncipe, ao norte do Gabão. O Sam Simon e o Bob Barker resgataram a tripulação. O capitão acabou sendo processado e considerado culpado, e os proprietários do navio foram multados em milhões de dólares.

O MOMENTO FOI favorável para o Gabão, um país de 2,4 milhões de habitantes e 890 quilômetros de costa. O Presidente Ali Bongo Ondimba tinha acabado de autorizar um plano ambicioso para criar o Gabon Bleu, uma série de reservas marinhas que precisavam de proteção contra a pesca IUU. Mas o ministério das pescas não tinha navios para o trabalho. (Em agosto de 2023, um grupo de oficiais militares deu um golpe de Estado e prendeu Ondimba. Eles continuam no poder e o destino das iniciativas ambientais de Ondimba permanece desconhecido.) “A autoridade nacional das pescas não tinha presença nas águas nacionais”, lembra Fay. “Era como o Velho Oeste ali.” Ele estendeu a mão para Hammarstedt. “Eu disse: ‘Ei, vocês podem vir aqui, passar seis meses do ano durante a temporada do atum, e assim começar a reduzir enormemente a pesca ilegal nas águas do Gabão?’ ”

Hammarstedt gostou da ideia. Ele levou a proposta aos diretores da Sea Shepherd Global, que controlam a frota. “Tivemos algumas conversas”, diz o CEO da Global, Alex Cornelissen, “e tudo aconteceu de forma orgânica. Mas não sabíamos realmente o que esperar.” Depois que a parceria foi aprovada, Hammarstedt não perdeu tempo; em 2016, o Bob partiu em patrulha na costa do Gabão com fuzileiros navais gaboneses. Um dos primeiros navios que a tripulação encontrou e abordou, diz ele, foi uma traineira francesa. O capitão, em estado de choque, disse que em 15 anos de pesca na área nunca havia sido abordado.

Rumores se alastraram. Hammarstedt diz que autoridades namibianas o abordaram numa conferência sobre pescas na Indonésia. Em breve, seguiram-se a Libéria, a Serra Leoa, a Tanzânia, a Gâmbia, o Benim e São Tomé e Príncipe – todos países sem grandes marinhas. Este ano, Tuvalu, uma nação do Pacífico, inscreveu-se. O arranjo é simples: A Sea Shepherd fornece os navios, o combustível e a tripulação, e a nação anfitriã fornece os funcionários e a segurança para fazer cumprir as suas leis de pesca. A Sea Shepherd não é pago, mas depende de doações para financiar seu trabalho. “Estas campanhas na África são ideia de Peter”, diz Cornelissen. “Ele fez com que isso acontecesse e nós lhe demos carta branca.”

A Sea Shepherd não tem autoridade legal e a sua eficácia resume-se ao fato de estar disposto a obrigar as operações de pesca a cumprir leis que outros países criaram, mas não querem ou não são capazes de aplicar.

A Sea Shepherd tem três navios em rodízio pela região e participou da apreensão de dezenas de embarcações de pesca ilegal, ou legal utilizando métodos ilegais. Nos sete anos desde que as patrulhas começaram no Gabão, 15 navios foram detidos, seus capitães presos por práticas ilegais, um número incontável de multas foi emitido e medidas regulamentares aplicadas – incluindo o encerramento da pesca de camarão do país depois de as patrulhas determinarem que estava perigosamente subregulamentado. “Tem sido incrível”, diz Fay. “Praticamente mantivemos os barcos ilegais afastados.” Após a sua demissão, Watson disse a um jornal australiano que as parcerias com as nações nada mais eram do que “um serviço Uber para burocratas governamentais”, ao mesmo tempo que anunciava o novo grupo ativista da Fundação Capitão Paul Watson.

Desde então, ele adquiriu um navio e está iniciando suas próprias campanhas contra a caça ilegal de baleias. Hammarstedt enfrenta os desafios com calma e confiança. Ele sabe que Watson está magoado. Mas para ele as parcerias eram óbvias. “Trabalhando com os governos, poderíamos salvar um milhão de tubarões por ano, contra 1.000 baleias”, diz ele. “É excelente”, afirma o professor Daniel Pauly, um dos principais pesquisadores pesqueiros do mundo. “E absolutamente necessário para os países, caso contrário os seus recursos serão roubados.” Ele explica a tática que navios de países desenvolvidos como a Espanha e a Rússia usam na África Ocidental de adquirir licenças para pescar num país e depois pescar ilegalmente nas águas não patrulhadas de um vizinho.

“Trabalhar com os governos tem muito mais valor do que não trabalhar com os governos”, afirma Dyhia Belhabib, cientista pesqueira da ONG canadense EcoTrust e autoridade global em pesca ilegal. Além da fiscalização, as parcerias da Sea Shepherd proporcionam treinamento valioso e aumentam o moral dos fiscalizadores locais. Ainda assim, Belhabib teme que o esforço não seja sustentável se a Sea Shepherd abandonar a região, e que estes países precisem desenvolver estratégias e infra-estruturas para manter as patrulhas que protegem as suas águas. “O que acontece quando os navios vão embora?” questiona.

Mas conceitos como sustentabilidade podem parecer um luxo. Em muitos países, incluindo o Gabão, afirma Neil Clough, antigo adido de defesa na embaixada dos EUA em Libreville: “Você faz hoje por hoje” e se preocupa com a sustentabilidade depois. Clough, tenente-coronel reformado da Força Aérea, ficou impressionado com a operação da Sea Shepherd no Gabão, apesar dos avisos de colegas militares sobre trabalhar com um bando de veganos rebeldes. “Havia uma lacuna na marinha do Gabão”, diz Clough. “A Sea Shepherd preencheu essa lacuna.”

AS NOITES no Bob eram agradáveis, coroadas por um bom jantar vegano – ratatouille ou torta de lentilhas, por exemplo. “Venha salvar o oceano e fique para saborear a comida vegana gourmet”, brincam os voluntários. Mas não tínhamos permissão para subir ao convés depois de escurecer. As portas e vigias eram lacradas para evitar revelar a posição do navio. Um guarda armado vigiava os piratas; arame farpado era enrolado ao longo da amurada do navio para desencorajar visitantes indesejados. A noite de sábado foi diferente. Às 23 horas, colocamos os capacetes e os coletes salva-vidas e subimos para um convés tão escuro que eu não conseguia ver os soldados reunidos na proa. Quatro ajudantes de convés firmavam os botes enquanto eles eram baixados. Assim que os barcos atingiram a água, descemos a escada e nos afastamos do Bob. Depois de vinte quilômetros de mar aberto, os pilotos diminuíram a velocidade e esperaram para ver se o pequeno radar detectava alguma coisa.

Ao longe conseguimos avistar uma traineira chinesa, mas os oficiais gaboneses decidiram aproximar-se pela manhã, enquanto ela pescava. Hammarstedt estava ao meu lado na proa do bote enquanto balançávamos suavemente em um padrão de espera. Era nesses momentos que ele percebia o quanto tinha sorte, contou-me. Fiquei pensando se ele se referia ao trabalho ou à liberdade de estar no mar nesta noite escura. Talvez às duas coisas. Um dos oficiais gaboneses me contou que sentia saudades das patrulhas quando ia para casa. “É o único momento em que me sinto totalmente livre”, disse.

Não encontramos nenhum outro navio suspeito naquela noite, mas pela manhã rumamos para a traineira que havíamos avistado. Tinha bandeira do Gabão e licença para pescar. Nos aproximamos com o motor ligado e a traineira lançou uma escada. O navio estava sujo e enferrujado, o convés estava coberto de entranhas de peixe. A tripulação indonésia estava agachada sobre uma massa trêmula de carne jogada no convés, separando o pescado. Hammarstedt assistiu à inspeção à distância. Depois de examinar os registros do comando, Ngoye concluiu que a papelada estava em ordem, mas a quantidade de camarão nos porões o preocupava. A traineira não tinha licença para pescar camarão, mas tinha permissão para manter qualquer captura acidental. As proporções, porém, estavam erradas – mais camarão do que você esperaria de captura acidental. Ainda assim, não houve violações óbvias, por isso Ngoye recomendou que a proporção de capturas incidentais fosse especificada.

Alguns dias depois, abordamos um imenso cercador espanhol, barco de pesca que utiliza grandes redes para capturar um cardume inteiro de uma só vez. Sua ponte brilhava com os mais modernos instrumentos eletrônicos e um piso de madeira polida. A tripulação, oriunda do Gana, do Senegal e de outros lugares de África, usava capacetes brancos e botas combinando. Quando uma das redes apareceu, pequenos atuns e bonitos caíram por uma rampa até uma esteira transportadora para serem classificados em porões refrigerados. Havia um barco a bordo usado para verificar os dispositivos de agregação de peixes – também conhecidos como FADs [Fish Aggregating Devices], objetos flutuantes colocados na água que agem como recifes artificiais, permitindo o crescimento de plantas que atraem peixes menores como o arenque, que por sua vez atraem peixes maiores como o atum.

Navios como este podem utilizar centenas de FADs todos os anos, embora devam ser licenciados para o fazer pelo país onde pescam. Os conservacionistas temem que os FADs atraiam atum juvenil, que talvez parem para descansar durante a migração, então as capturas eliminam desproporcionalmente atuns jovens antes que tenham a chance de se reproduzir. Dado o número de FADs e a dimensão dos navios que os utilizam, o impacto é significativo.

“Eles definitivamente são uma das coisas mais destrutivas por aqui”, disse Hammarstedt enquanto caminhávamos pelo convés. A única violação que os oficiais de pesca encontraram foram registros perdidos de dois dos 45 FADs do navio. O resto estava tudo certo. Após nossa inspeção de quatro horas, voltamos para o Bob. Embarcamos em mais três navios nas duas semanas em que estive com o Bob. Não houve prisões ou violações graves, portanto, nesse sentido, tudo transcorreu sem problemas. Os pescadores predatórios se tornaram escassos. Mas esse era justamente o plano. Depois de sete anos e da apreensão de mais de uma dúzia de navios, o burburinho se espalhou: não se atreva nas águas do Gabão.

Certa manhã, em uma conversa com a tripulação, Hammarstedt disse o seguinte: “Se fizéssemos prisões todas as noites, isso significaria que não estávamos tendo nenhum efeito”. Em um artigo para o Centro de Guerra Irregular e Grupos Armados do Colégio Naval de Guerra dos Estados Unidos, o historiador naval Claude Berube observou que os sucessos recentes da Sea Shepherd estão levando a “um período de crescente legitimação em que campanhas maiores são conduzidas em conjunto com os estados-nação”.

Hammarstedt está ocupado em forjar esse futuro, em constante movimento para se reunir com ministros em diferentes países e garantir financiamento. Ele tinha uma viagem agendada para a arrecadação de fundos na Itália, seguida de uma viagem para renovar o acordo na Namíbia. Então, em uma manhã clara e ensolarada, ele trouxe suas malas para cima e se despediu dos oficiais gaboneses e da tripulação da Sea Shepherd, depois desceu a escada de corda. Enquanto o bote se afastava, ele se permitiu olhar para trás, para o Bob. Havia muita história lá. Logo desapareceu de vista e ele manteve os olhos focados à frente, passando pelos petroleiros e navios de carga, pelos cercadores e traineiras atracados, passando pelos dramas políticos e pessoais, até quando o horizonte de Libreville finalmente apareceu.

Tristram Korten é o autor de Into the Storm: Two Ships, a Deadly Hurricane, and an Epic ­Battle for Survival. [Tempestade Adentro: Dois navios, um furacão mortal e uma batalha épica pela sobrevivência.]