Estávamos de pé em uma trilha, em silêncio. O guia tinha entrado em picadas menores, seguindo a direção indicada por um rastreador que estava na mata desde muito cedo. De repente, faltou-me o ar: a 15 metros, um urso-andino saiu do mato, atravessou a trilha, parou alguns segundos para nos observar e seguiu seu rumo. Era uma ursa grávida, arfante com o peso da barriga, com pelo escuro e lindas manchas ao redor do focinho, embora fora do padrão de pelagem mais clara no rosto que rendeu o apelido urso-de-óculos à espécie. Pois quem procurávamos nos encontrou.

Entrei na picada acompanhando nosso guia, juntamos o grupo e seguimos atrás da ursa, em absoluto silêncio. Maquipucuna é uma reserva de 6.000 hectares na província de Pichincha, a cerca de duas horas de carro de Quito, no Equador. É a floresta virgem mais próxima da capital do país. Com zonas de vegetação tropical e ombrófila, conta com uma altitude que varia entre 900 e 2.785 metros, abrigando uma enorme biodiversidade, seja na forma de fauna – como nuvens de pássaros exuberantes e exércitos de todo tipo de invertebrado – ou de flora riquíssima. Com manchas verdes cada vez mais pressionadas pela urbanização, pela mineração e pelo agronegócio, Maquipucuna acabou se tornando um dos refúgios preferidos do urso-andino.

Sobre Maquipucuna

A reserva nasceu dos sonhos de juventude de um casal de equatorianos. Rebeca Justicia e Rodrigo Ontaneda fizeram uma trilha juntos nos arredores de Quito, em 1985, e se encantaram com a profusão de orquídeas, aves e vida em formas incontáveis, muitas nem ainda identificadas pela ciência – tudo isso ao lado de trechos desprotegidos, em que a mão humana já havia criado rasgos no delicado tecido da biodiversidade. Eles se conheceram em atividades da igreja que frequentavam e, depois dessa trilha, decidiram que assim que pudessem fariam sua parte para proteger a floresta equatoriana.

Rebeca tinha se formado engenheira nos Estados Unidos e voltou ao exterior para fazer uma especialização em genética. Rodrigo trabalhava no mercado financeiro, em um banco. Ele viu uma oportunidade quando um lote de 3.500 hectares na região, dado como garantia de uma dívida, foi posto em leilão. Pediu demissão do emprego e seguiu para os Estados Unidos encontrar com Rebeca, com a missão de arrecadarem recursos para transformarem o lote de terra em uma fundação com propósitos de preservação ambiental. A peregrinação atrás de investidores internacionais e visitas a instituições que já tivessem percorrido a mesma trajetória lhes permitiu levantar os US$ 25 mil e formar a rede de contatos no meio científico e ambiental necessários para transformar o lote de terra em uma reserva particular.

Nesse meio tempo, Rebeca terminou sua especialização e conseguiu um emprego que ajudava a bancar os dois, enquanto Rodrigo se dividia entre os Estados Unidos e o Equador, trabalhando na formalização da fundação. Instituições como a sociedade científica Western Foundation of Vertebrate Zoology, de Los Angeles, apoiaram o projeto desde o começo, com foco em pesquisas ligadas a ornitologia (a região concentra 4% das espécies de aves do mundo).

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Uma visita à Nature Conservancy foi decisiva: eles receberam a dica de que uma fundação buscava uma região no Equador exatamente nas condições da terra que eles tinham comprado para investir em conservação. Com o aporte da Butler Foundation, os dois puderam comprar o lote e nasceu Maquipucuna, a primeira reserva adquirida e gerida por uma ONG no país.

Um dos pilares do modelo de gestão da reserva é o desenvolvimento econômico local. Toda a equipe de guias e funcionários de Maquipucuna é das vilas vizinhas de Nanegal e Santa Marianita. Em 1989, a fundação ajudou as comunidades locais a começarem o plantio sustentável de café arábica, um microengenho de cana-de-açúcar, uma queijaria artesanal, produção de geleias de frutas tropicais e um projeto para garantir água potável nas comunidades. Nesse mesmo ano, a reserva foi classificada pelo governo como território de proteção ambiental – integrando o corredor biológico andino Chocó, que conecta outras regiões de interesse ambiental.

 

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A produção local rende privilégios aos hóspedes: quase tudo o que é preparado e servido em Maquipucuna foi plantado localmente, em uma horta no limite da reserva ou nas comunidades apoiadas pela fundação. Para quem ama café, é o paraíso. A partir da madrugada, há prensas francesas com café fresquinho disponível, também produzido e torrado na região. Embora o coração das atividades seja a observação do urso-andino e de aves, existe um menu de experiências turísticas e gastronômicas, como um tour para conhecer a produção do café ou massagens de chocolate plantado localmente, para hóspedes em busca de uma lua de mel com mimos nos intervalos entre trilhas, fotografias de natureza e ursos. Quem quiser se arriscar no fogão junto às cozinheiras para uma aula prática de culinária equatoriana é bem-vindo.

Isabel, filha de Rodrigo e Raquel, abraçou o trabalho dos pais com a reserva. Fez questão de falar com a reportagem da Go Outside em um português impecável, hesitante apenas pela falta de prática. “Estudei o idioma porque meu sonho era morar pelo menos uma temporada no Brasil”, conta, para voltar rapidamente ao assunto dos ursos. “É uma espécie pouco estudada. Fizemos uma parceria com a Universidade de Cornell (EUA) e colocamos câmeras na reserva. Finalmente estamos conseguindo avançar no mapeamento dos hábitos para conhecer melhor essa espécie”, diz. “Acreditamos que a reserva abrange cerca de 2.000 ursos, mas não temos certeza.”

O urso-andino

Especulava-se sobre o comportamento do urso-andino, a única espécie sobrevivente da subfamília Tremarctinae, projetando informações a partir de outros ursos, como o cinzento, da América do Norte. O andino habita as florestas de altitude da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, sul da Bolívia e norte da Argentina. “Achávamos que o urso-andino migraria com a mudança da estação, indo atrás de comida, mas estamos vendo que eles continuam por aqui, andando em setores”, explica Isabel. Movido a guloseimas, tem entre suas preferidas o aguacatillo, que, do tamanho de uma azeitona, parece um abacate em miniatura.

Sabe-se que é um urso que não hiberna. Tímido, não agressivo, foge de conflitos (e de humanos), é um exímio escalador e prefere o alto das árvores, onde busca folhas tenras e frutos. Eles são muito silenciosos, mas quebram ramos e fazem bastante barulho comendo. Constroem ninhos no alto das árvores com os ramos também. É relativamente fácil encontrá-los na temporada, embora a observação não seja garantida, já que eles estão em liberdade. No geral, os ursos começam a aparecer entre novembro e dezembro e ficam bem visíveis até abril. “Temos dois rastreadores que saem cedo, por volta das 7h30, para localizá-los e se comunicarem com os guias, para que então os grupos com os visitantes saiam em uma busca mais facilitada.”

Com o tempo, o manejo do turismo foi se afinando. “Fomos descobrindo como não estressar os ursos. Orientamos os visitantes a não falar alto e a não se separar do grupo, por exemplo. Quando alguém se distancia do grupo, o urso percebe como dois elementos estranhos no ambiente”, conta Isabel. A experiência tem se mostrado benéfica para as duas espécies: os ursos voltam a cada ano, e os visitantes vêm ajudando a manter essa reserva em pé, vibrante e cheia de vida.

*A jornalista Verônica Mambrini viajou ao Equador a convite do órgão governamental Quito Turismo.







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