A VIRADA, para mim, foi o sorriso de Eliud Kipchoge. Nos últimos quilômetros de sua tentativa de maratona abaixo de duas horas em 2017, em uma pista de corrida nos arredores de Milão, à medida que o esforço aumentava, ele continuava exibindo um sorriso sereno.
Mais tarde, Kipchoge explicou que foi uma tática deliberada para ajudar a superar a dor. A sua reputação como Yoda da resistência estava apenas decolando, e eu estava dividido entre a admiração por sua força mental e meu próprio ceticismo de longa data em relação a qualquer coisa que não se possa medir facilmente.
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Então, alguns meses depois, psicólogos do esporte na Irlanda do Norte publicaram um estudo no qual pediram aos corredores que sorrissem e eles mediram uma queda de 2% no consumo de energia. Kipchoge estava certo – e por extensão, pensei, a psicologia do esporte era algo real e mensurável.
Desde então, tornei-me um incentivador. Escrevi artigos entusiasmados sobre tópicos psicológicos do esporte, como mindfulness, diálogo interno e foco mental, divulgando as evidências emergentes de que eles realmente podem melhorar o desempenho atlético.
Paralelamente, fiquei cada vez mais cético com relação à ciência esportiva convencional – banhos de gelo, meias de compressão, keto drinks e assim por diante. Escrevi vários textos destruindo a pesquisa “fraca e tendenciosa” que sustenta praticamente todos os suplementos esportivos. Então recebi um sério golpe com uma revisão recente da pesquisa em psicologia do esporte na revista Sports Medicine. Simplificando, as evidências não são tão boas.
Um grupo de pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, liderado por Gustaf Reinebo, reuniu os resultados de 111 estudos que testaram os efeitos de várias intervenções psicológicas no desempenho atlético.
Os estudos incluíam uma ampla variedade de esportes, com resultados como tempo de finalização, porcentagem de lances livres, desempenho nas tacadas de golfe e assim por diante. Algumas intervenções, como mindfulness e as imagens mentais, tiveram efeitos “moderados” – mas quando os ensaios não randomizados de baixa qualidade e as medidas de resultados subjetivos foram removidos da análise, os benefícios desapareceram.
E algumas das minhas abordagens favoritas, como o diálogo interno motivacional, nem sequer tinham provas comparáveis suficientes para merecer as suas próprias meta-análises. Então sou culpado por adotar dois pesos e duas medidas, dando ao treinamento mental uma chance para as mesmas falhas de pesquisa que critico, digamos, em suplementos?
Quando avalio novas pesquisas, um dos maiores sinais de alerta é alguém tentando enriquecer com os resultados – o que, quando se trata de suplementos, ocorre 100% das vezes. Em contraste, “as intervenções psicológicas são menos abertamente comerciais”, salienta Nick Tiller, fisiologista do Harbor UCLA Medical Center e – mais relevante – autor do The Skeptic’s Guide to Sports Science [O Guia do Cético para Ciências do Esporte, em tradução livre]. “Há um limite para o quanto se pode rotular e vender um construto ou conceito abstrato.” Isso não quer dizer que não aconteça: empresas como Calm e Headspace fizeram fortunas com mindfulness. Mas é um pouco mais fácil realizar um estudo pelo valor nominal quando o ingrediente principal não está à venda na internet.
“Sou culpado por adotar dois pesos e duas medidas, dando ao treinamento mental uma chance para as mesmas falhas de pesquisa que critico, digamos, em suplementos?”
Há outra razão mais fundamental pela qual poderíamos reduzir um pouco a pesquisa em psicologia do esporte: é muito difícil de estudar. “É muito difícil, senão impossível, vincular um determinado resultado de desempenho a algo que pode ou não estar se manifestando no cérebro”, diz Nick. Mas a ausência de provas científicas de que o diálogo interno realmente melhora o desempenho pode se dever, pelo menos em parte, ao fato de ser quase impossível estudar adequadamente seus efeitos. O padrão-ouro de evidência é um estudo randomizado e controlado – mas como cegar os participantes para saber se eles estão ou não tendo uma conversa interna? Qual seria o placebo? Como você pode fazer com que eles “desaprendam” o que você já lhes ensinou quando trocam de grupo?
A parte mais contundente da nova revisão, para mim, foi que os efeitos positivos da psicologia desportiva foram medidos subjetivamente, através das classificações de desempenho dos próprios atletas, em vez de objetivamente, utilizando dados como o tempo de corrida. Se você sentiu que fez uma ótima corrida, mas não foi mais rápido que o normal, isso não me impressiona.
Mas Carla Meijen, pesquisadora de psicologia desportiva da Universidade de Amsterdã que editou um livro em 2019 sobre a psicologia do desempenho de resistência, me incentivou a pensar de forma mais ampla. Os treinadores estão sempre mais interessados em resultados tangíveis e imediatos. Talvez isso não te torne mensuravelmente mais veloz amanhã. Mas se você está pensando no longo prazo, quanto menos ansiedade você sentir e quanto mais suas motivações imediatas se alinharem com seus valores, maior será a probabilidade de você evoluir nos próximos meses e anos – e menor será a probabilidade de você desistir.
Nada disso significa que a pesquisa em psicologia do esporte seja boa como deveria ser. “Temos um longo caminho a ser percorrido”, diz Carla. À medida que céticos como eu são conquistados e a popularidade da psicologia do esporte cresce, um dos desafios para ampliar seu alcance será descobrir quais intervenções são adequadas para uma abordagem do tipo “faça você mesmo” e quais requerem trabalho individual com um profissional. O diálogo interno e o estabelecimento de metas são duas estratégias que Carla suspeita que as pessoas possam usar por conta própria. Mas essa questão – e muitas outras – exigirá mais e melhores estudos para ser respondida.
Apesar de todas as lacunas no nosso conhecimento atual, continuo intrigado com o papel do cérebro na resistência e com a possibilidade de podermos manipular o desempenho com técnicas relativamente simples, como o diálogo interno. Nick relembra que, afinal, a péssima qualidade da maioria das pesquisas científicas do esporte e a enormidade da indústria global de saúde e fitness demonstram o incrível poder da mente. “Se aceitarmos a premissa de que 99% dos produtos não são baseados em evidências, então os US$ 4 bilhões em vendas derivam principalmente de pessoas que se convencem de que essas intervenções funcionam”, conclui ele. “É tudo psicologia.”
*Alex Hutchinson escreve para a coluna Sweat Science da Outside USA desde 2017.