Vai assistir uma prova de bike? Essa corrida é mais legal que o Tour de France

Por Frederick Dreier

Foto: David Pittens / Getty / Outside USA.

Quando eu era jornalista especializado em ciclismo, me preparava para responder sempre à mesma pergunta quando encontrava outro nerd das bikes:

Qual é a sua corrida de bicicleta favorita?

A maioria das pessoas presumiria que eu diria o Tour de France. Mas minha resposta sempre foi a mesma: o Tour de Flandres.

Isso mesmo: o Tour de Flandres, da Bélgica, que aconteceu no último domingo (6) é a melhor corrida de ciclismo que existe. É a minha favorita tanto para assistir na TV quanto para ver ao vivo.

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Diferente do Tour de France, que dura três semanas, o Tour de Flandres acontece em apenas um dia. É uma das chamadas cinco “Monument Races”, título reservado às corridas de um dia mais antigas e difíceis do ciclismo de estrada. Esses eventos — Milano-Sanremo, Tour de Flandres, Paris-Roubaix, Liège-Bastogne-Liège e Il Lombardia — têm percursos com 240 quilômetros ou mais.

A corrida no Tour de Flandres é acelerada e agressiva do começo ao fim, com seus 270 quilômetros. O trajeto é repleto de paralelepípedos traiçoeiros e subidas íngremes e castigantes. Quase todo ano, a prova oferece drama até a linha de chegada. Depois que o Tour de Flandres começa, você não vai querer tirar os olhos da transmissão ao vivo.

Por mais incrível que seja assistir pela TV, é ainda mais legal ver ao vivo. E qualquer pessoa que ama viajar para ver corridas de bicicleta deveria colocar o Tour de Flandres no topo da lista. Aqui está o porquê:

Em Flandres, a região de língua flamenga no norte da Bélgica, a corrida é, ao mesmo tempo, uma celebração patriótica, uma festa que dura o dia inteiro e um evento esportivo profissional. É como combinar o Super Bowl com um desfile de 4 de Julho, acrescentando litros de cerveja trappista pesada. Milhões de flamengos saem de casa para ficar ao longo das estradas e comemorar. As pessoas agitam bandeiras do Leão de Flandres e enlouquecem sempre que os ciclistas passam. É um espetáculo absoluto.

Meu carinho pelo Tour de Flandres começa pelo percurso. O trajeto ziguezagueia pelo interior flamengo antes de completar duas voltas num circuito montanhoso próximo da cidade de Oudenaarde. Esse formato é muito mais amigável para o público do que o Tour de France. Enquanto os fãs no Tour de France esperam por horas para ver o pelotão passar num piscar de olhos, em Flandres você pode ver os ciclistas várias vezes ao longo do dia.

Há provas profissionais masculinas e femininas, ambas com percursos semelhantes no mesmo dia. Ou seja, o público vê ciclistas passando o tempo todo.

Eu também amo a topografia da corrida. Não se engane: em Flandres não há subidas alpinas ou pirenaicas imensas. Em vez disso, o campo pastoral é pontuado por colinas curtas, mas explosivas. As estradas que sobem esses morros são íngremes, muitas vezes tão estreitas quanto uma calçada, e feitas de paralelepípedos. Pedalar sobre isso com uma bicicleta de carbono rígida é extremamente doloroso e desconfortável.

Quando o pelotão profissional entra nessas ruas estreitas e esburacadas, o caos se instala, e os ciclistas disputam espaço enquanto geram quantidades absurdas de potência. Quando chove, os paralelepípedos ficam escorregadios, e às vezes é preciso até descer da bike e empurrar.

Não dá pra exagerar a importância dessas pequenas colinas para os flamengos, que as reverenciam como os americanos veneram o Monte Rainier ou o Denali. Subidas aparentemente inofensivas como o Koppenberg, o Paterberg ou o Oude Kwaremont são carregadas de história em 112 anos de corrida e foram palco de batalhas lendárias por gerações.

Outro motivo pelo qual amo o Tour de Flandres é como essas subidas alimentam a ação. O vai e vem da corrida é imperdível para qualquer fã de ciclismo. Como é uma prova de um único dia, e não uma etapa de uma grande volta como o Tour de France, os ciclistas correm para vencer ali mesmo. Cada subida fragmenta o pelotão em pequenos grupos, mas com diferenças mínimas, criando uma dinâmica constante de gato e rato conforme a prova se desenrola.

Os melhores ciclistas costumam atacar nos 60 km finais, e sempre rola muito drama quando os grandes nomes se enfrentam no Oude Kwaremont e no Paterberg. Muitas vezes, o momento decisivo da prova é quando um ciclista consegue gerar alguns watts a mais que o rival numa dessas subidas curtas. Quem vence em Flandres é uma mistura perfeita de cérebro e força bruta.

E os ciclistas que se destacam no Tour de Flandres são, em geral, bem diferentes dos que brilham no Tour. As Grandes Voltas favorecem atletas magros e ultraleves, capazes de subir montanhas de mil metros por dias seguidos. Em Flandres, quem brilha são os ciclistas mais fortes e parrudos, como o herói flamengo Wout van Aert ou o holandês Mathieu van der Poel.

Mas talvez o melhor motivo para conhecer Flandres de perto seja: você pode pedalar no mesmo percurso da corrida. No dia anterior à prova profissional, acontece o We Ride Flanders, um evento amador no mesmo trajeto. Você escolhe a distância. Há pontos de apoio ao longo do caminho onde dá pra se abastecer com waffles e chocolate local.

Todos os anos, cerca de 16 mil ciclistas encaram essas estradinhas estreitas e disputam entre si subindo o Koppenberg, o Paterberg e outras colinas. Já participei do We Ride Flanders quatro vezes, e posso dizer: é caótico, insano e absolutamente divertido. Você sente na pele o quanto essas subidas são íngremes e dolorosas, o que faz você admirar ainda mais os profissionais quando os vê subindo no dia seguinte. Isso não existe no Tour de France.

Além disso, quando termina o evento amador, você pode visitar o Museu do Tour de Flandres no centro de Oudenaarde. E claro, beber muita cerveja local e comer chocolate e queijo até cair.

Sempre digo aos ciclistas que façam do Tour de Flandres o ponto central de uma viagem de uma semana ou dez dias à Bélgica. No fim de semana anterior ao Flandres, há outra grande corrida em paralelepípedos, chamada Gent-Wevelgem, que também tem evento amador. Na quarta-feira entre essas duas, acontece a Dwars Door Vlaanderen, uma corrida menor, mas sempre empolgante de assistir. E se você tiver férias de sobra, pode ficar mais uma semana e ver a Paris-Roubaix na vizinha França.

Eu entendo totalmente o apelo de viver a experiência do Tour de France, com seus Alpes majestosos, cidades pitorescas e sol de verão. Mas acredite em mim: o Tour de Flandres é melhor.