Quanta proteína os atletas de endurance realmente precisam?

Por Alex Hutchinson

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Foto: Kelly Sikkema / Unsplash / Outside.

Não se trata apenas de ganhar músculos: cientistas agora acreditam que a proteína também ajuda na recuperação e pode até servir como combustível

Hoje em dia, é difícil encontrar algum atleta de endurance sério que ainda ache que proteína não é importante. Já se foi o tempo em que a dieta se resumia a carboidratos, com pratos de macarrão e Gatorade como base. Mas entender exatamente quanto de proteína corredores, ciclistas e outros fanáticos por resistência realmente precisam — e quando devem consumi-la — ainda é uma questão em aberto.

Tenho refletido sobre essas questões recentemente — em um texto desmistificando mitos comuns sobre a proteína, e em outro discutindo a ideia de um consumo máximo. Agora, no entanto, um novo artigo de revisão publicado na Sports Medicine, feito por uma equipe liderada por Oliver Witard, do King’s College London, oferece uma visão abrangente do que se sabe até o momento. Witard e seus colegas focam em duas perguntas principais: primeiro, quanto de proteína os atletas de endurance precisam consumir diariamente para manter a saúde e otimizar as adaptações de longo prazo ao treinamento? E segundo, qual é o papel do uso estratégico da proteína na aceleração da recuperação de curto prazo e no aumento da performance?

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Proteína para o longo prazo

Algumas diretrizes governamentais recomendam consumir pelo menos 0,8 gramas de proteína por quilo de peso corporal (g/kg) por dia. Para uma pessoa que pesa 68 kg, isso equivale a cerca de 55 gramas de proteína diárias. Como referência, uma lata padrão de atum de 140 gramas tem cerca de 20 gramas de proteína.

No entanto, existem dois problemas principais com essa diretriz. Primeiro, ela foi pensada como o mínimo necessário para manter a saúde, não como a quantidade ideal para maximizar o desempenho. Segundo, foi formulada com base em uma técnica de medição que avalia o nitrogênio consumido e excretado pelo corpo — e que, segundo alguns cientistas, subestima as necessidades reais de proteína. Um método mais recente, chamado “método da oxidação de aminoácidos indicadores”, que envolve marcar um tipo específico de aminoácido com um isótopo de carbono para observar a velocidade com que ele é metabolizado, tem mostrado números mais altos e é mais prático para avaliar populações específicas como atletas.

O argumento mais comum para consumir bastante proteína é que ela fornece os blocos de construção — os aminoácidos — necessários para formar novos músculos. Isso é essencial para o treino de força, mas atletas de endurance também precisam de proteína por outros motivos. Um deles é que esses blocos são usados para reparar os danos musculares causados pelos treinos intensos: quanto mais tempo e intensidade você dedica à corrida, por exemplo, mais danos acontecem — e, presumivelmente, mais proteína será necessária para reparar tudo isso.

Durante exercícios prolongados, o corpo também começa a queimar aminoácidos como combustível. As quantidades geralmente são pequenas, e o quanto você queima depende da natureza do exercício e do que mais está consumindo, mas, em alguns casos, de 5 a 10% da energia necessária para um determinado treino pode vir da proteína. Se você está treinando com intensidade, vai precisar consumir proteína extra para repor essas perdas.

Existem ainda outras possibilidades mais sutis. O músculo não é a única parte do corpo composta por proteína. Uma das principais adaptações que os atletas desenvolvem com o treino de endurance é o aumento da quantidade de proteína nas mitocôndrias, onde a energia celular é gerada. Quanto mais proteína nas mitocôndrias, mais eficiente é a produção de energia. Alguns estudos tentaram descobrir se consumir mais proteína potencializa a resposta mitocondrial ao exercício. Os resultados até agora não são conclusivos, mas a questão ainda está em aberto.

Witard e seus colegas reuniram dados de diversos estudos usando o método dos aminoácidos indicadores para avaliar as necessidades de proteína em atletas de endurance sob diferentes condições. Aqui estão alguns dos números-chave:

Dados de estudos com aminoácidos indicadores sugerem que atletas de endurance precisam de mais proteína do que pessoas não treinadas. Foto: Sports Medicine / Outside.

Os dados obtidos com o método dos aminoácidos indicadores sugerem que até mesmo pessoas não treinadas precisam de cerca de 1,2 g/kg de proteína por dia — 50% a mais do que a recomendação diária, que é de 0,8 g/kg. E os atletas de endurance precisam de mais 50% do que os não treinados, com um nível de 1,8 g/kg, o suficiente para garantir que 95% das pessoas estejam recebendo toda a proteína que seus corpos conseguem utilizar. Em comparação, estudos usando o mesmo método apontam que atletas de força (como os praticantes de musculação) precisam de algo entre 1,5 e 2,0 g/kg por dia — o que levanta a possibilidade de que atletas de endurance possam, na prática, precisar de mais proteína do que os levantadores de peso.

Mas há um ponto importante a considerar: atletas de endurance também tendem a comer muito mais do que a média das pessoas — o que significa que, automaticamente, consomem mais proteína. O consumo atual de proteína entre adultos nos EUA é, em média, de 1,25 g/kg para homens e 1,09 g/kg para mulheres — valores próximos da meta de 1,2 g/kg para pessoas não treinadas. Em comparação, um estudo descobriu que atletas de endurance consomem, em média, entre 1,4 e 1,5 g/kg — ainda abaixo do ideal de 1,8 g/kg, mas não tão distante assim.

Existem outras nuances interessantes nesses dados. As informações sobre as diferenças entre homens e mulheres ainda são escassas, mas há indícios de que mulheres podem precisar de mais proteína que os homens, proporcionalmente ao peso corporal. Isso pode ser especialmente verdadeiro durante a fase lútea do ciclo menstrual, já que a progesterona pode influenciar a queima de proteína. Witard e seus colegas fazem uma recomendação geral para que atletas de endurance, homens e mulheres, visem 1,8 g/kg por dia, mas acrescentam a possibilidade — ainda especulativa — de que mulheres “podem considerar” aumentar esse valor para 1,9 g/kg durante a fase lútea do ciclo.

Táticas de proteína de curto prazo

A grande surpresa nos dados acima é que atletas de endurance parecem usar mais proteína nos dias de descanso do que nos dias de treino. Essa descoberta apareceu em alguns estudos — e definitivamente não era o que os cientistas esperavam. É possível que haja algum fator peculiar no metabolismo que esteja distorcendo as medições de necessidade proteica quando se compara dias com e sem exercício.

Mas também é possível que o efeito seja real — que, ao dar um descanso ao corpo, os mecanismos de reparo e adaptação entrem em ação com força total e passem a utilizar mais proteína do que o habitual. Se isso for verdade, é um argumento a favor de aumentar a ingestão de proteína nos dias de descanso: Witard e seus colegas sugerem mirar em 2,0 g/kg nesses dias. E, em um nível mais fundamental, é um argumento a favor de incluir dias reais de descanso no programa de treinos de tempos em tempos, já que parecem desencadear processos de recuperação que não ocorrem durante os treinos normais. Neste momento, ainda não há consenso científico sobre se esse efeito é mesmo real.

De qualquer forma, os pesquisadores recomendam consumir 0,5 g/kg de proteína após o exercício para ajudar a reparar os danos musculares causados durante o treino. Para uma pessoa de 68 kg, isso significa cerca de 34 gramas de proteín*, o que equivale ao que se encontra em uma refeição substancial com uma boa fonte proteica. E quanto tempo depois do treino isso deve ser feito? Não há dados convincentes de que precise ser imediatamente. Sua próxima refeição já é suficiente — a menos que o treino tenha sido depois do jantar e você vá direto para a cama, nesse caso vale a pena fazer um esforço extra para consumir alguma proteína.

Os dados também indicam que atletas usam mais proteína quando treinam em um estado de depleção de carboidratos. Aqui não estamos falando de uma dieta consistentemente low-carb, mas sim de sessões específicas de treino realizadas com baixos níveis de carboidrato para forçar o corpo a se adaptar e queimar gordura de forma mais eficiente. Há evidências razoáveis de que a proteína pode ajudar a sustentar esse tipo de treino, e Witard sugere consumir 10 a 20 gramas de proteína antes e/ou durante essas sessões.

Essa ideia de usar proteína para compensar a falta de carboidratos também se conecta com um dos temas mais debatidos sobre o papel da proteína para atletas de endurance. Ao longo dos anos, surgiram diversos estudos sugerindo que adicionar proteína a bebidas esportivas durante provas ou treinos melhora a performance, e que consumir proteína logo após o exercício acelera a reposição de glicogênio (estoques de carboidrato nos músculos).

Mas, segundo Witard e seus colegas, essas alegações surgem principalmente de estudos em que os participantes não consumiram carboidrato suficiente. Se você está atendendo às suas necessidades de carboidrato, acrescentar proteína à bebida esportiva não vai melhorar o desempenho nem acelerar a reposição de energia muscular. Pode haver exceções em eventos de ultraendurance — que ainda são pouco estudados e apresentam desafios metabólicos diferentes de uma maratona, por exemplo. Mas a conclusão final dos pesquisadores é um lembrete: para atletas de endurance, apesar da popularidade atual da proteína, os carboidratos ainda são os reis.

*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside USA.