A cena é familiar para muitos: o relógio marca a hora de dormir, mas, em vez de deitar e se preparar para descansar, você se pega rolando o feed das redes sociais, assistindo vídeos ou finalmente dedicando tempo a algo que não conseguiu fazer ao longo do dia. Essa prática tem nome: procrastinação da hora de dormir.
Essa forma de procrastinação, que envolve a escolha consciente de adiar o sono, é uma maneira de recuperar algum controle sobre o tempo, especialmente quando o dia foi tomado por atividades obrigatórias ou exaustivas. No entanto, os impactos dessa decisão podem ser mais sérios do que parecem.
Veja também
+ Mulheres dominam o pódio e fazem história no Mundial de Ultraman no Havaí
+ Este dispositivo revolucionário pode mudar os rumos do treinamento
+ Um dos picos mais icônicos do Brasil, Regência agora tem suas ondas protegidas por lei
A procrastinação da hora de dormir está relacionada a um fenômeno psicológico conhecido como “fadiga da autorregulação”. Basicamente, após um dia inteiro controlando impulsos, cumprindo tarefas e lidando com responsabilidades, nossa capacidade de regular o comportamento diminui, levando a escolhas impulsivas.
É como se, depois de passar o dia dizendo “não” para os próprios desejos, à noite o cérebro se rebelasse em busca de algum prazer imediato. Essa busca por “liberdade” acaba, ironicamente, reduzindo a liberdade no dia seguinte, pois prejudica o descanso e afeta o desempenho diário.
Quanto menor a capacidade de autorregulação, maior a tendência à procrastinação da hora de dormir
Dados indicam que a procrastinação da hora de dormir é bastante comum. Estudos mostram que 53% dos adultos admitem adiar a hora de dormir intencionalmente para fazer algo prazeroso. Além disso, uma pesquisa com 177 pessoas revelou que, quanto menor a capacidade de autorregulação, maior a tendência à procrastinação da hora de dormir.
Esse comportamento não só afeta a qualidade do sono, como também aumenta a fadiga durante o dia e reduz a quantidade de horas de descanso efetivo. Segundo a pesquisa, a maioria dos procrastinadores da hora de dormir relata dormir, em média, menos de 6 horas por noite, um número preocupante quando consideramos que a recomendação para adultos é de 7 a 9 horas diárias.
O impacto de adiar o sono vai além do simples cansaço. Estudos em psicologia do sono destacam que quem procrastina antes de dormir apresenta mais queixas de fadiga e sonolência diurna, afetando o desempenho em tarefas cotidianas e, em alguns casos, até elevando o risco de acidentes. Esse comportamento pode ser prejudicial à saúde ao longo do tempo, pois noites mal dormidas estão associadas a problemas como aumento do estresse, baixa imunidade e maior risco de desenvolver condições como ansiedade e depressão.
Conheça o NSDR
Para quebrar o ciclo da procrastinação na hora de dormir, técnicas de relaxamento e de autorregulação podem ser muito úteis. Uma prática recomendada é o NSDR (Non-Sleep Deep Rest), um método que promove descanso profundo sem a necessidade de dormir. Esse exercício, de 10 a 20 minutos, é realizado em um ambiente tranquilo, onde a pessoa fecha os olhos, respira profundamente e foca a atenção em diferentes partes do corpo, relaxando progressivamente. Estudos mostram que o NSDR pode reduzir a impulsividade e aumentar a qualidade do sono, ajudando a pessoa a entrar em um estado de repouso mais profundo e restaurador.
Para quem sofre com a procrastinação do sono, adotar o NSDR antes de dormir ou ao longo do dia pode ajudar a reduzir a necessidade de “vingança noturna” sobre o tempo. Ao oferecer um momento de descanso para o corpo e a mente, essa prática facilita a autorregulação e ajuda a reduzir a tensão que se acumula ao longo do dia. Em outras palavras, ao cuidar do momento de relaxamento, a pessoa encontra um modo de “zerar” o estresse antes de chegar à cama.
Outro fator importante é criar uma rotina de sono regular, que envolva diminuir as atividades estimulantes ao final do dia e evitar o uso de dispositivos eletrônicos antes de deitar. A luz azul emitida por telas, como as de celulares e computadores, interfere na produção de melatonina, o hormônio que regula o sono, dificultando o início do descanso e aumentando a tentação de adiar ainda mais a hora de dormir.
Além dos efeitos no sono, a procrastinação da hora de dormir também prejudica a saúde emocional. Ao transformar o horário de descanso em uma “batalha” contra a rotina, o indivíduo entra em um ciclo de culpa e autocobrança, por perceber que está prejudicando a própria saúde. Esse padrão pode impactar a autoestima e a sensação de controle pessoal, levando a um acúmulo de frustração com o passar do tempo.
A procrastinação da hora de dormir é um lembrete de que o autocuidado vai além de cumprir compromissos e que, muitas vezes, parar para relaxar e se reconectar consigo mesmo é um passo essencial para uma vida mais equilibrada. Entender as razões por trás desse comportamento e adotar estratégias de autorregulação, como o NSDR, são passos para resgatar um sono saudável e recuperar a energia para encarar cada novo dia.
Portanto, se você se pega repetindo esse padrão, saiba que existe uma saída. O primeiro passo é reconhecer a importância do sono e do descanso, e o segundo é buscar alternativas para se desconectar da rotina diária sem precisar sacrificar a saúde.
*BIANCA VILELA é autora do livro Respire, palestrante, mestre em fisiologia do exercício pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e produtora de conteúdo. Desenvolve programas de saúde em grandes empresas por todo o país há quase 20 anos. Na Go Outside fala sobre saúde no trabalho, produtividade e mudança de hábitos.
Não deixe de visitar o Instagram: @biancavilelaoficial.