Depois de mandar Box Therapy em 2023 — boulder que depois foi reavaliado para uma graduação mais baixa — Katie Lamb escala The Dark Side, em Yosemite.
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A escaladora norte-americana Katie Lamb anunciou que finalizou The Dark Side, no Parque Nacional de Yosemite. A linha tem 17 movimentos e é graduada como V16, o que a torna o boulder mais difícil de Yosemite — e um dos mais difíceis dos Estados Unidos.
“Apesar de tudo neste mundo parecer feito para reduzir o atrito”, escreveu Lamb no Instagram, “existem momentos de aderência para quem escala. E nessas situações de alta pressão, quando fica evidente tudo o que poderíamos ter feito para estar mais preparados, o mais importante é simplesmente aparecer para a sessão.”
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Ao completar The Dark Side, Lamb, de 27 anos, encerra uma saga curiosa na história da escalada: torna-se a primeira mulher a escalar um boulder V16… pela segunda vez.
Em julho de 2023, Lamb escalou Box Therapy, no Parque Nacional das Montanhas Rochosas, no Colorado. A linha, anteriormente concluída por Daniel Woods, Drew Ruana e Sean Bailey, era considerada um V16. Assim, quando Lamb se tornou a quarta pessoa a mandar Box Therapy, foi amplamente celebrada — não só pelo feito técnico de concluir um problema tão difícil, mas por se tornar a primeira mulher a escalar esse grau. Como era sua primeira vez num V16, ela naturalmente concordou com a avaliação dos três escaladores que haviam mandado antes dela.
Mas, alguns meses depois, Brooke Raboutou e seu irmão Shawn também encadenaram Box Therapy. Nenhum dos dois concordou com o grau: para eles, o problema era “apenas” um V15. Em seguida, o próprio Daniel Woods, o primeiro a mandar a linha, revisou sua avaliação, dizendo que provavelmente havia se enganado — e que o problema era mesmo V15.
O resultado foi uma espécie de anticlímax. Lamb — que estava apenas escalando os problemas difíceis que gostava — foi celebrada pela comunidade como a primeira mulher a escalar um V16, aclamada como um marco histórico… e, depois, foi “desmarcada”. Em fóruns como o Reddit, internautas alimentaram especulações: sugeriram rivalidades entre Lamb e Raboutou ou disseram que Lamb buscava linhas “com grau inflado”. “Parecia um drama criado pelos outros”, disse Lamb. “Era como se estivessem projetando em mim um sentimento que eu mesma não sentia, um enredo que eu não esperava nem pedi.”
Embora tenha tentado manter a perspectiva, foi difícil não se perder na confusão. “O que as pessoas disseram sobre aquela experiência quase mudou a forma como eu mesma a senti”, disse. “Percebi que havia um descompasso entre o que os outros pensam da minha escalada e como eu, de fato, enxergo minha escalada.”
Durante um tempo, Lamb ficou chateada com o fato de que “as pessoas achavam que podiam construir uma narrativa” sobre ela. Mas, ao longo do último ano, passou a aceitar isso como parte da vida de atleta profissional. “Acho que é natural que as pessoas queiram criar esse tipo de coisa, buscar um enredo para o mundo da escalada”, disse. “Hoje não me sinto mais tão presa à opinião pública.”
The Dark Side foi estabelecida por Carlo Traversi em dezembro de 2023, e Lamb começou a trabalhar nela em fevereiro de 2024. Por estar numa região central de Yosemite, próxima ao tradicional acampamento Camp 4, The Dark Side foi tentada por alguns dos melhores escaladores do mundo ao longo do último ano. Apenas Aidan Roberts e Keenan Takahashi haviam mandado — e ambos concordaram com o grau V16.
“Fiquei bem intrigada com The Dark Side desde o início”, contou Lamb. “Parecia algo quase impossível. Comecei a tentar só por curiosidade. Era como um quebra-cabeça, algo que eu poderia estudar por muito tempo, mas que não tinha certeza de que conseguiria resolver. Gosto da ideia de ver até onde posso chegar.”
Embora tenha começado a trabalhar na linha um ano atrás, Lamb levou cerca de 20 dias, ao todo, para concluí-la. Durante a maior parte do ano, ela nem sequer conseguiu tentar direito a linha, já que Yosemite costuma ser quente e úmido demais na primavera, verão e início do outono norte-americanos. Ela reservou os meses mais frios para o projeto, mas mesmo assim teve dificuldades por causa da pele seca. “Tenho a pele muito, muito seca”, explicou. “Então fazia de tudo: lambia os dedos, borrifava água neles, borrifava o agarrão tipo abaulado… várias estratégias para criar umidade. Também percebi que tentar depois da chuva, com o chão molhado, ajudava a criar uma boa umidade no agarrão abaulado.”
No fim de fevereiro, estagnada, Lamb quase desistiu — pretendia voltar só na temporada seguinte. “Tive uma boa tentativa no fim de fevereiro, em que senti que estava escalando bem, mas caí perto do final”, disse. Depois disso, vieram várias sessões ruins. “Comecei a regredir a ponto de nem conseguir fazer os movimentos.”
Ela decidiu dar um tempo, deixou o Vale de Yosemite e fez fisioterapia no ombro. Nessa altura, Yosemite já começava a esquentar — as temperaturas chegavam perto dos 20 °C —, e Lamb foi se convencendo de que não concluiria a linha naquele ano. “Mudei meu jeito de pensar e comecei a ficar em paz com a ideia de deixar para a próxima temporada”, contou. “De certa forma, me dei como ‘fora do jogo’ e comecei a focar em aprender o máximo possível, para voltar melhor no futuro.”
Ironia do destino: foi exatamente essa mudança de mentalidade que fez a diferença. Quando voltou a Yosemite, em março, começou a progredir de novo. No dia em que mandou, estava quente — e ela achava que seria uma das últimas tentativas da temporada. “Aí mandei. Totalmente inesperado.”
Para o bem ou para o mal, The Dark Side coloca Lamb no topo do boulder feminino mundial — e traz consigo o mesmo holofote e as mesmas etiquetas que recebeu depois de Box Therapy: a primeira mulher a escalar um V16.
Mas Lamb afirma que The Dark Side é significativa para ela por uma razão mais pessoal: foi a coisa mais difícil que já fez. “É quase clichê, mas passei por todo o ciclo: comecei a tentar algo que estava no meu limite, sem saber de verdade se conseguiria; depois consegui me desconectar um pouco do que aquela linha representaria para os outros; então me lembrei de que era algo que eu queria fazer por mim mesma — e finalmente consegui.”
Ela se orgulha de contribuir para o avanço da escalada feminina, mas diz que, depois de Box Therapy, precisou aprender a lidar com a diferença entre expectativa externa e vivência interna. “O olhar de fora precisa coexistir com a minha própria experiência.”
“Não sei se já senti que isso era possível antes”, completou. “Me sinto feliz por inspirar outras mulheres ou por representar um novo nível na escalada feminina. Mas isso pode existir sem que eu precise, pessoalmente, me sentir como esse símbolo. Essas duas coisas precisam ficar separadas.”