Prêmio Outsiders: 18 atletas, visionários e personalidades que brilharam em 2022

Por Redação

O escalador Felipe Camargo: feito inédito, em uma das vias mais difíceis do planeta. Foto: Red Bull Content Pool.
A edição de 2022 do Prêmio Outsiders, promovido pela Go Outside, selecionou 18 atletas, projetos e personalidades que com suas conquistas transformaram a forma como enxergamos o mundo na última temporada. Confira quem foram os destaques abaixo.

Felipe Camargo

O gigante de pedra e a conquista da maior boca de caverna do mundo

Legado talvez seja a palavra que melhor represente o ano de 2022 para o escalador Felipe Camargo. Após 35 dias de reconhecimento e aberturas de vias (além dos anos de planejamento), o brasileiro escalou a maior boca de caverna do mundo em julho deste ano. Ele conquistou a via inédita de 280 metros na Gruta da Casa de Pedra, um grande portal de rocha calcária de 216 metros de altura localizada no Parque Estadual Turístico do Alto da Ribeira (Petar), em Iporanga (SP). Para um dos principais nomes da escalada do país, o feito vai além das cordadas. “Não é só o fato de eu ter feito uma via difícil, é um legado para a modalidade no Brasil: é uma boa repercussão da escalada brasileira no cenário internacional e uma forma de tornar o Petar um local mais acessível para escalar”, afirma.

Contribuir com o esporte brasileiro sempre foi uma das prioridades de Felipe. Ele descobriu a escalada cedo, aos 10 anos. Mas depois de conquistar diversos títulos dentro e fora do país, o paulista natural de Ribeirão Preto decidiu se dedicar mais às rochas e menos aos campeonatos e pressões externas. A nova fase consistiu em conhecer diversas paredes mundo afora. “Ganhei conhecimento e evoluí tentando vias difíceis em outros países, mas eu não queria fazer a minha carreira internacional e parar por aí”, diz Felipe. “Sempre quis trazer de volta para o Brasil os aprendizados que acumulo nessas viagens. Tento voltar e deixar um legado, como algumas vias complexas e legais para que a próxima galera não precise depender de ir lá para fora”.

Foi com essa experiência que Felipe fez da conquista da Gruta da Casa de Pedra um dos maiores projetos de sua carreira. A escalada da maior boca de caverna do mundo virou um documentário de 37 minutos que explora os bastidores da escalada em rocha e toda a engrenagem que leva a um feito histórico: planejamento, equipe, técnica, treinamento, preparo psicológico e inspiração. Com o filme “Gigante de Pedra”, lançado pela Red Bull, o paulista espera motivar outros escaladores e elevar o patamar da escalada no Brasil. “Se eu tenho meus patrocinadores, meu salário é para isso: divulgar a modalidade e inspirar outras pessoas”, diz.

Outra boa lição que o escalador de 31 anos deixa este ano é o olhar cuidadoso para o esporte além da técnica. No documentário, exatamente um ano após a morte de seu pai, Felipe acorda decidido a conquistar uma das vias esportivas que tentava abrir há alguns dias. “Nós atletas estamos sempre tentando lidar com a pressão e controlar as emoções”, afirma. “A cabeça é tudo no esporte, seja para saber controlar a ansiedade e o nervosismo em momentos de pressão ou para acreditar que aquele é o dia em que vou fazer acontecer”.

O ano de 2022 ainda trouxe a conquista do Dreamtimey, na Suíça, a primeira linha de boulder V15 do mundo – uma escalada renomada que o paulista sempre sonhou em fazer. Outra boa notícia foi a recuperação de lesões, embora a cabeça do escalador não fique parada mesmo quando o corpo precisa de um tempo: para o próximo ano, Felipe planeja explorar novas paredes lá fora e sonha em realizar projetos em casa para fortalecer a escalada brasileira. Que venha 2023!

Marina Dias

Ouro histórico na paraescalada brasileira

Este ano, o Brasil teve a primeira mulher da história a disputar uma competição internacional de paraescalada – e ela ainda levou um ouro inédito para o país. A responsável pela façanha é Marina Dias, escaladora de 39 anos que começou a competir somente em 2020. Mas a rápida ascensão no esporte não aconteceu por acaso. “Me dediquei muito e tive foco porque o meu objetivo era aumentar a visibilidade da paraescalada no Brasil e atrair mais pessoas, principalmente mulheres”, conta a paulista. “E então as coisas foram dando muito certo. Acho que quando a gente tem uma boa intenção, o universo conspira a favor”, completa.

Há 13 anos, Marina tem o lado esquerdo do corpo afetado pela esclerose múltipla, uma doença degenerativa. Ela costumava correr, mas, com a doença, começou a sentir muitas dores no corpo e buscou um novo esporte. “Encontrei a modalidade no ginásio indoor e meses depois fiz um curso para escalar na natureza – e tenho feito isso em todo o meu tempo livre desde então”, diz a paratleta.

Em 2022, a escaladora foi a primeira brasileira a disputar uma competição internacional da modalidade. Foi na etapa de Salt Lake City (EUA) da Copa do Mundo de Paraescalada, realizada em maio, que Marina conquistou a medalha de ouro inédita para o Brasil, vencendo na categoria RP3 Feminina. Em junho, ela também garantiu o bronze na etapa de Innsbruck, na Áustria. Antes da paulista, a única medalha brasileira na modalidade havia sido a prata de Raphael Nishimura no Mundial de Paraescalada em Paris no ano de 2012.

O esporte ainda não faz parte do programa paralímpico e não conta com grande apoio no país, então Marina precisou custear parte da viagem para a Copa do Mundo com dinheiro próprio. As licenças e inscrições foram pagas pela Associação Brasileira de Escalada Esportiva (ABEE) e uma parte da verba veio de um programa de amparo ao esporte amador da prefeitura de Taubaté (SP), onde a atleta vive. O cenário, no entanto, pode mudar em breve: a paraescalada é uma das modalidades cotadas para entrar para os Jogos de Los Angeles em 2028 – e Marina faz parte disso. “Eu fui a única latino americana a participar da Copa do Mundo e essa representação da região aumenta bastante as chances da modalidade integrar as Paralimpíadas”, comemora.

Rafa Bridi

Recorde do highline mais alto e registro nas nuvens, para o mundo inteiro ver

O que ter o nome registrado no Guinness significa? Para Rafael Bridi, é uma chance de alcançar um público diverso e contar mais da sua história. Em janeiro deste ano, o catarinense ganhou um espacinho na famosa publicação pela segunda vez: ele realizou a travessia de highline mais alta do mundo, a 1.901 metros de altura e entre dois balões. O feito aconteceu em dezembro de 2021 na cidade de Praia Grande, em Santa Catarina, conhecida como a capital brasileira dos canyons. “Quando batemos essas marcas, pessoas que não conhecem o esporte acabam se interessando. Temos a chance de contar um pouquinho mais da nossa história e do que foi envolvido para a realização dessas façanhas”, afirma o highliner.

Rafael já havia batido outros recordes na modalidade, da qual é especialista dedicado, há mais de 10 anos. Mas esta marca teve gosto especial: além da loucura de saber que alguém andou sobre uma fita a quase 2.000 metros de altura, o visual do highline acima das nuvens atraiu muita gente. A atenção se cristalizou quando o recorde foi transformado no curta-metragem Walking on Cloudsm um dos destaques do Festival Rocky Spirit deste ano. “Nós vendemos pedaços das filmagens e fotos para empresas e campanhas de diversos países. O filme entrou em muitos festivais e esteve até no Banff Mountain Film Festival, a maior referência do cinema outdoor do mundo”, conta o catarinense. Para ele, o curta foi uma combinação das suas “ideias malucas” com um trabalho de inteligência feito junto ao governo do estado de Santa Catarina e a produtora.

Além de colher os frutos do filme, Rafael encarou alguns desafios esse ano: participou do Campeonato Mundial de Highline, na Suíça, ficando em 12º lugar na categoria de velocidade, e fez um highline na neve pela primeira vez. O atleta realizou a travessia do Lago Louise, em Alberta, no Canadá, a uma temperatura de -27 graus Celsius. O catarinense confia que tudo isso vira motivação e energia para tirar novos projetos do papel. “Eu me sinto muito bem vivendo essas aventuras, isso traz muito resultado para o meu dia a dia e para a minha vida”, conta.

No meio de tantos novos planos, há a preocupação de envolver a comunidade brasileira em seus projetos. O highliner quer fazer travessias inéditas em Fernando de Noronha, nas ilhas Trindade e até sobre o Rio Amazonas. E quem sabe ir lá para fora bater mais um recorde? Não se espante se, em 2023, você se deparar com Rafael realizando o primeiro highline acima de 6.000 metros de altura e andando sobre as nuvens da Bolívia.

Juli Hirata

A cicloviajante que já percorreu mais de 27.000 km sozinha pelo mundo

A distância entre Portugal e Japão é de mais de 10.000 km. A viagem de avião entre os dois países dura cerca de 15 horas, mas Juliana Hirata decidiu percorrer esse trecho de bicicleta – e sem hora para chegar. Aos 42 anos, Juli, como é conhecida no meio das cicloviagens, vive pedalando sozinha pelo mundo desde 2016. Já foram mais de 27.000 km de pedal, dezenas de países e muitas histórias felizes (e algumas um tanto frustrantes).

Apesar de tantos acontecimentos e destinos diferentes, a ciclista afirma que toca a vida na estrada de forma simples e barata. Ela dorme em sua barraca a maior parte do tempo e cozinha a sua própria comida. A parte grandiosa de viver viajando e pedalando é, na verdade, a conexão com a própria companhia. “Para cicloviajar, você precisa estar muito consciente do seu corpo se movimentando e não pode estar com a mente em outro lugar. Isso leva a uma expansão do autoconhecimento”, diz Juli.

Levar a vida de cicloviagem de forma leve, no entanto, nem sempre foi a realidade da também bióloga e professora. Há seis anos, quando decidiu largar a sala de aula e vender tudo para começar a nova vida de viajante, o plano de Juli era pedalar toda a extensão das Américas sozinha, começando no Alasca, em um projeto chamado “Extremos das Américas”. Quando estava no Peru, em fevereiro deste ano, ela teve a sua bike e todo o equipamento furtados. Junto com a frustração de perder tudo e de estar demorando mais tempo no projeto do que o esperado, Juli repensou seus planos. “Me perguntei por que eu estava correndo e percebi que estava perdendo muita coisa. Nos Estados Unidos, as pessoas me convidavam para conhecer lugares e eu perdia muito em nome dessa pressa, desse plano com começo, meio e fim”, conta. Foi aí que ela decidiu desacelerar e adotar o nomadismo para a sua vida, e não somente para um projeto. O “Extremos das Américas” chegou ao fim e uma nova fase começou.

Quando retomou o pedal ao ganhar uma bike da Specialized de Portugal após o furto no Peru, a história virou outra. Ela mudou a sua rota e pedalou de Portugal até Montenegro. “Não tenho mais um prazo definido: se o lugar é bonito e as pessoas querem me mostrar alguma coisa, ou se tem uma festa daqui a dois dias, eu paro na cidade e fico. As pessoas e o caminho são muito mais importantes do que chegar em qualquer lugar”, afirma a ciclista. Para ela, a desaceleração foi uma maneira de expandir o seu jeito de enxergar a viagem. “Cicloviajar é uma forma de expansão pessoal que acaba se irradiando, porque nós levamos um pouquinho de todo mundo pelo caminho”.

Mas a trajetória não é feita só de encantos: ser uma mulher viajante, principalmente sozinha, não é simples. Juli conta que já sofreu diversos assédios em diferentes países e se desanima e enfurece a cada versão do machismo que enfrenta. Ao mesmo tempo, esse é um dos principais motivos para ela continuar. “Viajar solo é a forma mais deliciosa de resistência. A cada vez que alguém com uma visão distorcida do que é ser mulher na sociedade olha para você e se assusta, você muda alguma coisa nessa pessoa”, afirma.

Brazil Multisport

Depois de 20 anos, o primeiro título sulamericano na corrida de aventura do Brasil

Em um esporte exigente como a corrida de aventura, a comunicação e a confiança são fundamentais para o sucesso de uma equipe. Esse é um dos segredos da Brazil Multisport, equipe que em setembro alcançou o inédito terceiro lugar na final da Adventure Racing World Series (ARWS), o principal campeonato da modalidade no mundo.

Atuais campeões sul-americanos, eles também são responsáveis por puxar a fila de uma “tempestade brasileira” no circuito mundial. Nos últimos anos, as equipes do país passaram a competir de igual para igual com as melhores do mundo, brigando por pódios nas principais provas de corrida de aventura.

Foi assim que, em fevereiro deste ano, a Brazil Multisport venceu de maneira espetacular a etapa inaugural da ARWS, no Panamá, competindo contra equipes de 17 países e superando as grandes forças do ranking. Para a capitã Camila Nicolau, a entrada do técnico Zé Pupo foi a peça do quebra-cabeça que faltava para o time decolar nesta temporada.

“Foi um momento chave, juntos desenvolvemos um trabalho de coaching emocional que mudou nossa maneira de competir”, revela. Além da capitã, a Brazil Multisport conta com outros cinco integrantes: Guilherme Pahl, Jonas Junckes, Freddy Guerra, Thiago Bonini e o britânico Nick Gracie, sendo que a cada prova apenas quatro podem participar.

Se as provas de aventura são como um laboratório de autoconhecimento, as recentes conquistas da equipe também são fruto da experiência de mais de 20 anos dos atletas. “Durante o percurso, o cansaço, a privação de sono e a pressão competitiva alteram nossa percepção da realidade. Ali, a nossa capacidade cognitiva fica limitada e portanto as estratégias precisam ser elaboradas antes da largada. Por isso a experiência é fundamental”, afirma Camila.

No último mês de setembro, no grande evento do ano da ARWS, Camila, Guilherme, Jonas e Nick Gracie formaram o quarteto que conquistou o pódio histórico para o Brasil no Paraguai. A prova foi dividida em cinco modalidades principais: navegação, trekking, MTB, caiaque e cordas. Foram mais de 600 km e cinco dias navegando por rios sinuosos, florestas densas e algumas das colinas mais imponentes do país vizinho.

“O terceiro lugar na final do Mundial foi, sem dúvida, o resultado mais marcante do ano. Foi a primeira vez que uma equipe brasileira entrou no pódio desta prova e para nós foi muito gratificante representar a bandeira do nosso país”, diz Camila. “Como atletas, receber o carinho de tantas pessoas que vibraram com nossa conquista é o combustível para seguir perseguindo nossos sonhos”, complementa a capitã.

Legado das águas

Pólo de preservação de um dos biomas mais ameaçados do planeta

A mata atlântica teve 21,3 mil hectares devastados somente no primeiro semestre de 2022, de acordo com dados do MapBiomas. Este número equivale a 117 campos de futebol a cada dia. A preservação desse bioma – que é um dos mais importantes e, ao mesmo tempo, mais ameaçados do Brasil – nunca foi tão necessária. O Legado das Águas, a maior reserva privada de mata atlântica do país, completou 10 anos em 2022 e acumula bons exemplos de conciliação de proteção da floresta com desenvolvimento de pesquisas e atividade econômica. Administrada pela Reservas Votorantim, a área conta com 31 mil hectares entre os municípios de Juquiá, Miracatu e Tapiraí, no Vale do Ribeira, interior do estado de São Paulo.

Em uma década de trabalho, o Legado deu grandes contribuições para a fauna e flora brasileiras, como a redescoberta da orquídea Octomeria estrellensis, considerada extinta há mais de 50 anos no estado de São Paulo. Na reserva também se encontram duas antas albinas de espécie rara, sendo, possivelmente, as únicas do mundo que vivem livres na natureza. A região ainda é a casa de 13,5% de todas as espécies de animais nativos da mata atlântica que estão sob algum grau de ameaça. “Pensando que este é um dos biomas mais ameaçados do planeta, temos muito a comemorar”, diz David Canassa, diretor da Reservas Votorantim.

Além das pesquisas e conservação, um dos destaques do Legado é o ecoturismo, que fomenta a economia local sem causar deterioração da natureza. Este ano, uma cabana contemporânea e sustentável foi instalada na reserva para aumentar as opções de estadia no local. Ela foi construída sobre rodas, o que facilita o transporte e a instalação, driblando obras e impactos negativos. Uma casa flutuante e uma pousada são as outras opções de hospedagem da reserva. Os visitantes podem curtir trilhas para caminhada e bike, banho de cachoeira, canoagem, rafting, birdwatching e diversas outras atividades recreativas e educacionais.

A administração do Legado afirma que todas as suas frentes de trabalho possuem conexão com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que são diretrizes para a atuação de empresas e organizações públicas e privadas até 2030. Uma das principais ações é referente ao objetivo 13: adotar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos. Isso porque a área de floresta do Legado estoca em seu território 10 milhões de toneladas de CO2, segundo o Inventário de Carbono do Legado. Para os próximos anos, a reserva espera que o valor da floresta em pé seja ainda mais reafirmado.

Lucas Fink

O bicampeão mundial de skimboard dropou de forma inédita uma onda de 20 metros

Domar as ondas gigantes de Nazaré é uma tarefa para poucos, mas descer sem quilhas os paredões de até 20 metros do pico lusitano é uma missão que apenas o skimboarder Lucas Fink, de 24 anos, aceitou nesta temporada. O atleta levou seu esporte ao extremo ao dropar as maiores ondas da história com uma prancha de skimboard. Nascido no Rio de Janeiro, Fink também conquistou o bicampeonato mundial em 2022 e consolidou-se como uma das maiores referências da modalidade, pavimentando o caminho para as futuras gerações.

Em Nazaré, ele mostrou seu talento para as ondas grandes com uma bomba de 60 pés (cerca de 20 metros) surfada no dia 8 de dezembro de 2021. O feito foi documentado no envolvente filme “Skimboard Nazaré”, eleito na categoria de melhor produção nacional do Festival Rocky Spirit em 2022. Já no dia 26 de fevereiro, ele voltou a fazer história no local ao encarar outra onda, possivelmente ainda maior. “Nazaré é completamente diferente de tudo que eu já tinha experienciado. Foi um desafio enorme dropar aquela onda com uma prancha sem quilhas, mas foi muito legal”, afirma o atleta.

“No início confesso que me deu medo; não sabia se ia conseguir realizar aqui da forma que eu estava sonhando ou se teria que me limitar um pouco. Mas foi muito legal enfrentar esse desafio e ir subindo degrauzinho por degrauzinho para pegar essas ondas, que com certeza foram as ondas da minha vida”, diz. “A primeira foi mais bem surfada e a segunda foi ainda maior, e foi muito irada”, completa Lucas.

Depois da temporada de ondas grandes, o carioca voltou a atenção para o United Skim Tour, o circuito mundial de skimboard, no qual tornou-se o melhor do planeta pela segunda vez. Lucas, que já havia vencido o Tour em 2019, não deu chance aos rivais. Ele dominou quatro das seis etapas deste ano para adicionar mais um troféu à coleção.

Mesmo com o bicampeonato em mãos, ele sabe que não vai parar por aí e já planeja a próxima temporada. “As metas para 2023 são continuar fazendo o que eu amo, puxando meus limites, trabalhando duro, sonhando alto e realizando. Sempre em cima de um skimboard”, arremata o atleta.

Marcella Toldi

Esporte como ferramenta de transformação e conquista épica na Brasil Ride

Antes de escrever seu nome como a primeira campeã solo da categoria Solo Elite na história da Brasil Ride, a polivalente ciclista Marcella Toldi, 38 anos, precisou superar uma grave lesão sofrida durante os treinos na Serra do Japi, quando teve uma fratura completa de tíbia e fíbula e colocou em xeque a sua participação na principal ultramaratona de mountain bike do país.

A atleta, que também é treinadora de alta performance, usou os meses de molho para se preparar psicologicamente e focar exclusivamente em um bom desempenho na Brasil Ride Bahia, um dos eventos mais esperados do ano. Meses depois, ao cruzar a linha de chegada em primeiro, um filme passou pela sua cabeça.

“Foram quase quatro meses de recuperação e treinos focados em aumentar meu endurance de novo, reencaixar a posição em cima da bike e ganhar alguma força para poder passar as etapas e trechos mais técnicos e pontos críticos da prova”, relembra a atleta, que depois de sete etapas e 600 km percorridos triunfou na categoria solo de maneira avassaladora.

A ciclista completou o percurso em 22h29:15, com mais de uma hora de vantagem sobre a alemã Naima Diesner. “Eu não sabia exatamente em que pé estaria a minha forma, porque não tive tempo de testar na véspera, mas carreguei bastante experiência das edições passadas e fui bastante diligente em todos os detalhes que estavam dentro do meu controle”, explica.

Se as montanhas de São Bento do Sapucaí foram o cenário de suas primeiras aventuras, Marcella começou a ser moldada para o alto desempenho desde cedo. Ela destacou-se em outros esportes como natação e corrida de aventura antes de brilhar no ciclismo de estrada e MTB. Marcella também é uma das precursoras da Lulu Five, equipe de treinamento que inspira outras mulheres a começar no esporte.

“O esporte na minha vida é um veículo de evolução. Eu aprendo a cada treino e a cada prova que corro e, até hoje, acho que tem muita coisa que preciso aprender, então quero continuar nesse caminho por muitos anos ainda”, destaca.

“Acho que o que me preenche no esporte mais são as buscas e as descobertas internas, não depende do resultado do pódio. Levei um tempo para entender isso, mas hoje é bem claro e essa descoberta me fez ressignificar muita coisa. Tenho muito prazer em seguir nesse caminho e acho que o segredo para continuar evoluindo está mais na consistência da prática do que no talento”, complementa Marcella, que neste ano mostrou na prática que depois da queda, o mais importante é levantar e seguir adiante.

Daniel Nascimento

Nossa maior promessa no cenário internacional das maratonas, com recorde em Seul

Cerca de 50 mil atletas, de 131 países, lotaram as ruas de Nova York no dia 6 de novembro para uma das maratonas mais esperadas do ano. E, depois de muito tempo, o Brasil voltou a ter um protagonista no evento: o paulista Daniel Ferreira do Nascimento, de 24 anos.

Alguns meses antes, Danielzinho, como é conhecido, havia conquistado o melhor tempo da história para um atleta não africano (2:04:51) ao terminar a Maratona de Seul em terceiro lugar. Na ocasião, ele também superou os recordes brasileiro e sul-americano da categoria, que pertenciam a Ronaldo da Costa desde 20 de setembro de 1998.

Em 2019, cansado de tratar de uma lesão no pé, Daniel Nascimento quase desistiu da carreira e foi trabalhar no corte de cana em Paraguaçu Paulista, sua cidade natal. Mas o atleta deu uma brilhante volta por cima e ressurgiu como uma das maiores promessas do atletismo brasileiro.

Na prateleira dos principais fundistas da atualidade, Daniel treina ao lado de grandes nomes no Quênia e frequentemente recebe elogios de lendas como Eliud Kipchoge, mesmo com apenas seis maratonas no currículo. Na mais recente delas, em Nova York, que todos os anos reúne um pelotão de elite de responsa, a vitória escapou de suas mãos por detalhes.

Logo no começo, Danielzinho assumiu a liderança e descolou do pelotão, com a milha (1,6 km) mais rápida da história da competição: 4 minutos e 20 segundos. Parecia que o brasileiro quebraria um novo recorde, mas no quilômetro 32 ele precisou abandonar a prova por causa da desidratação. Foi a edição mais quente de toda a história da Maratona de Nova York.

Logo após o evento, o fundista brasileiro tratou de tranquilizar os torcedores. “Infelizmente tem dias que as coisas não saem como a gente planeja e gostaria. Foram mais de cinco meses de trabalho e preparação para Nova York e, após uma boa primeira metade, acabei não resistindo na parte final da prova. Mais uma experiência, novos aprendizados, e a certeza de que seguirei trabalhando ainda mais para representar o Brasil sempre dando o meu melhor.”

Com muita lenha para queimar, Daniel ainda é considerado um atleta jovem para as maratonas, mas mesmo assim já é realidade nos principais palcos mundiais. Tudo indica que 2023 será outro ano de recordes para o brasileiro.

Vicky de Sá

Um fenômeno do ciclismo de ultra distância, ela é a rainha do BikingMan

Quando o Tour de France Femmes, a versão feminina da maior prova do ciclismo de estrada mundial, deu a largada no mês de julho em Paris, a paulista Vicky de Sá estava entre os espectadores ansiosos na Torre Eiffel para prestigiar a retomada histórica do evento, depois de um hiato de mais de 30 anos.

Especialista em gravel e longas distâncias, ela foi buscar inspiração para sua próxima aventura: um bikepacking de cinco dias pelos Alpes franceses, acampando pelo caminho. Para ela, os imprevistos de uma cicloviagem são a melhor maneira para se preparar para desafios como o BikingMan, uma das provas mais duras do ultraciclismo mundial, e que contou com sua participação pela segunda vez, depois de vencer entre as mulheres a edição brasileira de 2021.

“Acho que o cicloturismo nos ensina muita coisa. Precisamos nos adaptar quando as coisas dão errado, o que fortalece o lado psicológico. Em uma viagem de bike também precisamos planejar a parte logística de parada, de onde dormir, como comer, etc”, relata a atleta, que também é sócia do Fuga, clube que fomenta e difunde a cultura do ciclismo de estrada e gravel no Brasil.

No mês de setembro, quando a chuva e o frio começaram a castigar os ciclistas na segunda edição do BikingMan Brazil, Vicky estava mais do que preparada. Acostumada com as condições extremas da Serra da Mantiqueira, seu local de treinos, ela demonstrou uma gestão de esforço extraordinária para completar os 1.000 km de prova, com 19.300 de altimetria (equivalente a dois Everests), em apenas 87 horas.

Desta vez, ela só não fez a melhor marca entre as mulheres, como também conquistou o impressionante terceiro lugar no geral, dentre 68 atletas (90% deles da categoria masculina). “Com certeza não esperava esse resultado. Fiquei um pouco tensa quando vi os inscritos deste ano, porque tinha bastante gente forte”, conta a ciclista, que compartilhou a sua estratégia para alcançar o pódio.

“Nessa edição tivemos muita chuva e frio. A chuva não só tornou o frio fosse bem mais intenso, mas também levou a muitos problemas mecânicos. Eu tomei muito cuidado com a bike para evitar isso e deu certo. Também descansei bem, dormi todos os dias, o que foi muito bom. E me dediquei bastante, claro, tentando ser bem breve nas paradas para poder gastar meu tempo parada dormindo, e não comendo ou coisa assim. Foquei bastante na eficiência neste ano”, relata Vicky.

Para 2023, ela pretende viajar e pedalar ainda mais em um estilo que apelidou de “cronograma agressivo”, aproveitando cada dia ao máximo. Além disso, vai percorrer o Caminhos de Rosa no sertão de Minas Gerais e dedicar-se a outras competições de gravel. “Sou uma pessoa um pouco desorganizada, ainda não me planejei muito, mas essas são minhas maiores vontades para o próximo ano”, destaca a atleta.

Gabriel Tarso

Performance, atitude e coragem nas montanhas mais altas do mundo

Uma vida entregue às montanhas. Assim o montanhista e fotógrafo profissional Gabriel Tarso, 34 anos, define sua temporada repleta de conquistas e desafios. Após adiar vários sonhos por causa da pandemia, em 2022 ele viveu de tudo um pouco: alcançou o cume do Everest pela segunda vez, impactou milhares de pessoas com um protesto no topo da montanha mais alta do planeta; acompanhou o feito de Felipe Camargo no Petar; sobreviveu a uma avalanche tenebrosa no Manaslu, ajudou no resgate das vítimas; e foi da Patagônia ao Peru, onde escalou algumas das montanhas mais icônicas dos Andes.

“Foi um ano muito marcante e intenso em vários aspectos. Mas principalmente pelo segundo cume no Everest e o desastre no Manaslu, que foram coisas que mexeram muito comigo”, relata Tarso, que é natural de Cruzeiro, no interior paulista, e há mais de dez anos escala as principais montanhas do mundo para documentar o feito de grandes atletas. “Fiquei muito feliz de realizar tantos projetos depois de momentos difíceis para todo mundo com a Covid-19. Acho que isso um dia foi um sonho para mim e hoje estou vivendo de forma muito intensa. É um grande privilégio”, diz.

Em maio, Tarso foi ao topo do mundo pelo segundo ano consecutivo e aproveitou a oportunidade de estar nos holofotes para expressar o descontentamento com a gestão do país, levando a faixa de protesto “Fora Bolsonaro” ao cume do Everest. A atitude polêmica incomodou muita gente na comunidade esportiva, mas não abalou a convicção do montanhista. “Sinto que ao levar aquela faixa também consegui influenciar muitas pessoas de forma positiva, isso me marcou bastante”, revela o aventureiro, testemunha incansável dos horizontes mais altos do planeta. “Tive a chance de estar lá novamente e enxergar as mesmas paisagens de ângulos diferentes, com uma nova percepção daquilo tudo, do mundo, do que é aquela montanha. Foi uma expedição muito importante na minha carreira”, reforça.

Já em setembro, no final da temporada de escalada no Nepal, ele viveu o lado mais sombrio do montanhismo ao presenciar uma das maiores avalanches dos últimos tempos no Manaslu, a oitava montanha mais alta do mundo. O brasileiro estava a 7.100 metros de altitude quando foi surpreendido por uma enorme massa de gelo e rochas, escapando da morte por pouco. “Estávamos indo para o Acampamento 4 e a avalanche desceu com toda a força, nos pegando de surpresa. Quem estava acima de mim, ou um pouco mais à direita, acabou arrastado ou soterrado”, relembra Gabriel, que ao recuperar-se do susto encontrou forças para ajudar no resgate.

Ao lado de outros sobreviventes, escavando a neve com as próprias mãos, ele conseguiu salvar a vida do sherpa Dawa, mas também viu de perto a morte de outros colegas. “Neste caso, o Dawa teve o privilégio de ter a gente por perto. Infelizmente outros não tiveram a mesma sorte”, lamentou Tarso, que colocou em prática todo o sentimento de compaixão que envolve o universo da alta montanha. “Nas montanhas a gente vive esse companheirismo e tenho certeza que fariam o mesmo por mim. Não acredito em acaso, sinto que precisava estar ali para ajudar naquele resgate”, disse.

Sobre o que mais lhe inspira nas montanhas, Gabriel destaca que é a vontade de ir sempre um pouco mais além. “Aceitar essa inquietude que vem de dentro da gente pode ser muito positivo. E o montanhismo oferece esse pensamento de forma muito singela. Então é como se a gente chegasse na montanha e tivesse uma paisagem linda lá de cima, alta o suficiente para a gente enxergar outro cume e desejar uma nova rota, um novo lugar para conhecer… Acho que essa inquietude é o que me movimenta”, finaliza o fotógrafo.

Filipe Toledo

O caminho resiliente do novo campeão mundial de surf

filipe toledoForam muitas batalhas até o surfista prodígio de Ubatuba de 27 anos soltar da garganta o grito de campeão mundial nas areias da praia de Trestles, na Califórnia, no dia 8 de setembro de 2022. Ovacionado pelo público após a vitória contra um elétrico Italo Ferreira, o dono da lycra de número 77 da WSL não se sentia um estrangeiro carregado sobre as areias californianas. Desde 2014 morando em San Clemente com a esposa Ananda e seus filhos Koa [herói em havaiano] e Mahina [lua em havaiano], o surfista celebrou seu primeiro título mundial depois de nove anos de muita luta na Liga Mundial do Surf.

“Demorou muito, mas você sempre esteve nas cartas”, sentenciou o 11x campeão mundial Kelly Slater após o resultado do brasileiro. O The Goat [The Greatest surfer Of All Time, ou Maior Surfista de Todos os Tempos, em português] acrescentou que a velocidade e o reflexo de Filipinho são incomparáveis no surf profissional e que o brasileiro é um talento ‘freak’. “Mesmo que já o tenhamos visto fazer de tudo, sempre ficamos surpresos,” pontou Slater.

Enfim consagrado o campeão da temporada 2022, Toledo decretou: “Foi um alívio.” Não é para menos: foram muitos altos e baixos até esse dia de glória. Lesionado em 2016, levou dois anos e dois 10º lugares no ranking para voltar à boa forma. Em 2017, venceu os eventos de J-Bay, na África do Sul, e Trestles, na Califórnia. Em 2018 levou o bi no Rio (seu primeiro título na etapa veio em 2015) e venceu em J-Bay, assistindo Gabriel Medina conquistar o bi-mundial do terceiro posto no fim da temporada. Em 2019 conquistou o tri na etapa carioca e viu o duelo entre Medina e Ferreita pelo título mundial, catapultado pela vitória inédita de Ferreira, enquanto terminava em quarto lugar na temporada.

Nesse mesmo ano, identificou uma depressão que precisou tratar. Com ânimo resgatado, em 2021 venceu duas etapas (em Margaret River, na Austrália, e no Surf Ranch – a piscina de ondas do Kelly Slater) e triscou na taça, perdendo a final para Medina e selando o vice-mundial, até ali o melhor resultado da carreira.

O ano do título marcou sua temporada mais brilhante, composta por cinco finais em nove eventos e dois primeiros lugares, na etapa de Bells Beach, na Austrália, mais o tetra na etapa carioca. Chegou como líder isolado do ranking de 2022 às WSL Finals, a etapa final do circuito. Conquistou uma vitória suada contra o “boi brabo” Italo Ferreira demonstrando o excelente momento que vive seu surf; maduro e potente, e assim venceu as duas primeiras baterias, deixando o campeão olímpico com o vice.

“Ele ainda está superando essas crises de ansiedade e depressão. Muita coisa acontecia e as pessoas não sabiam. Acham que o atleta ganha rios de dinheiro e tem obrigação de vir aqui, ser feliz e ganhar campeonatos. Não é assim,” comentou o pai do campeão, Ricardinho Toledo, (ele próprio bicampeão brasileiro de surf).

O patriarca é seu treinador de longa data e o acompanha desde o início nas competições. A alimentação, outra parte crucial de sua rotina, fica sob responsabilidade da mãe, Mari Toledo, que não pode deixar faltar estrogonofe. Luiz Campos, o Pinga, conhecido como o homem por trás da Brazilian Storm – que lapidou Adriano de Souza, Italo Ferreira, Miguel Pupo, Jadson André, Caio Ibelli, e muitos outros – acompanha Filipe desde 2019 e é seu manager no Brasil, dando suporte técnico nos eventos.

Autodeclarado corinthiano fanático, talvez não imaginasse partilhar tantas similaridades com a torcida Fiel quando escolheu o número 77 em sua lycra de competição: 1977 foi o ano em que o meio-campista Basílio fez o gol da vitória do Timão sobre a Ponte Preta no Parque São Jorge, acabando com um jejum alvinegro de quase 23 anos no campeonato paulista. Tal e qual Basílio libertou a torcida com seu pé angelical, Filipinho descreveu sua vitória naquele 8 de setembro com uma palavra: “Alívio”.

Essa estrada pavimentada com sangue, suor, lágrimas e muito trabalho, chegou a uma via extasiada e acendeu no campeão a chama da vitória. “Amo surfar, amo fazer parte disso, amo essa adrenalina. Sem dúvida, vamos pelo bicampeonato. Estar bem colocado no ranking vai gerar uma vaga nas Olimpíadas. A meta no ano que vem é ficar dentro da equipe brasileira que vai para as Olimpíadas”, afirmou Filipinho em entrevista globo.com.

O ano de 2023 vem aí e mal podemos esperar pelos próximos gols. “Quem está perseguindo seus sonhos, continue porque vale a pena. É difícil, você cansa, tem muitos altos e baixos, mas você pode conseguir. Esse título é para o Brasil, para minha família e para todos vocês.”

Vini Sardi

Da vitória pessoal no skate, nasceu um projeto feito para todos

“O skate salvou a minha vida e hoje eu tento devolver um pouco do que ele me deu”. E como Vinícius Sardi, campeão do paraskate park no Circuito Brasileiro de Skate 2022, tem feito isso? Criando no Brasil a primeira associação de paraskate do mundo. Junto aos também paratletas Nando Araújo e Tony Alves, o paulista de 26 anos buscava uma instituição que representasse o paraksate legalmente e que desse mais força ao esporte no país. Após trabalharem juntos na organização de diversos eventos e campeonatos desde 2017 unidos pelo mesmo propósito, os três deram vida à Associação Brasileira Paraskate (ABPSK) em maio deste ano.

Vini, como é conhecido, nasceu sem as duas pernas e sempre foi fascinado por todo o universo do skate: desde criança gostava da cultura, das músicas e vídeos e, claro, era fã dos clássicos jogos do Tony Hawk. Mas foi somente aos 16 anos que ele passou a praticar a modalidade. “Na época, comecei a andar com as minhas próteses e elas quebraram, porque não eram próprias para skate ou para a prática de esportes em geral. Então passei a andar ajoelhado e tive muita facilidade”, conta o atleta. Na mesma época, o paulistano viu outro paraskater descendo a mega rampa do brasileiro Bob Burnquist. “Aquilo foi uma inspiração para mim e eu nunca mais parei de andar skate”, lembra.

Com poucos anos de prática, Vini decidiu participar de campeonatos. Em sua primeira disputa, ele conseguiu o 3º lugar na categoria de iniciantes. Naquela época, no entanto, ainda não existiam campeonatos voltados para PCDs (pessoas com deficiência). O skatista se juntou a outros paratletas e iniciou um movimento para criar mais espaços para a modalidade. Em 2021, Vinícius esteve na linha de frente da organização do ParaSkate Tour, o primeiro campeonato voltado exclusivamente ao público paraskatista no Brasil.

Depois da estreia do skate nas Olimpíadas de Tóquio em 2021, a modalidade teve um crescimento histórico em diversos sentidos – inclusive no paraskate. Apesar de ainda não fazer parte do programa paralímpico, Vini garante que a modalidade ganhou maior visibilidade depois dos Jogos no Japão. Um exemplo foi a inserção do paraskate no STU Open Rio, o Circuito Brasileiro de Skate, que é o maior campeonato do país – do qual o paulista saiu campeão no park.

Vini afirma que o maior objetivo da criação da Associação Brasileira Paraskate é torná-la uma modalidade dos Jogos Paralímpicos. A luta para que isso aconteça nas Paralimpíadas de Los Angeles 2028, no entanto, anda conturbada: a World Skate, órgão regulador mundial de patins e skate, perdeu o prazo para enviar documentos primários para a inscrição da modalidade. Mas Vini afirma que a ABPSK segue na luta para recorrer e resolver todas as burocracias a tempo.

Olímpico ou não olímpico, o paraskate permanece firme e cada vez maior, e Vini Sardi se orgulha do baita ano de 2022 que ele e a modalidade tiveram: criação da ABPSK, paraskate no STU e a conquista do lugar mais alto do pódio no maior campeonato do país. “Hoje eu tento devolver um pouco do que o skate me deu, tento sempre trabalhar na inclusão, trazendo mais pessoas com deficiência para o esporte e, através disso, mudar a vida delas. Fico muito orgulhoso com a proporção que o paraskate tomou e muito feliz de estar fazendo parte dessa história”.

Full Circle Everest

Quebrando barreiras na montanha mais alta do mundo

Philip Henderson soa exausto. “Eu estava ocupado”, diz ele, com voz falhando ao telefone. “Mas ocupado de um jeito bom.” Henderson, de 59 anos, líder da equipe do Full Circle Everest, está voltando para casa em Cortez, Colorado, depois de falar com os membros do Rotary Club da cidade vizinha, Durango. É fim de agosto, quase três meses desde que sua equipe ganhou as manchetes internacionais ao se tornar a primeira expedição composta totalmente por negros a chegar ao ponto mais alto do planeta.

Desde então, Henderson e seus companheiros de equipe receberam uma enxurrada de pedidos de entrevista. Ele tenta não recusar nenhum deles. “Se for uma solicitação presencial, você pode pagar a viagem? Se for uma apresentação online, procuro um membro da equipe cuja história vá tocar os ouvintes”, diz. “Se eles não podem pagar a viagem, às vezes posso usar os fundos da nossa ONG para mandar alguém.”

Para Henderson, essas viagens de palestras são quase tão importantes quanto a aventura em si e Full Circle Everest serviu de meio oara este fim: ele acreditava que uma expedição composta apenas por alpinistas negros poderia inspirar outras pessoas de cor a perseguirem seus sonhos. O mundo do alpinismo é predominantemente branco, com alguns poucos alpinistas negros que já alcançaram o cume do Everest. “A expedição aconteceu e terminou, mas não acabou”, diz Henderson. “Agora temos que conversar com as pessoas e contar nossa história. Devemos isso àquelas pessoas que nos seguiram o caminho todo.”

Quando fala para um público negro, Henderson enfatiza a importância da automotivação e como a inspiração para perseguir objetivos nas atividades outdoor deve vir de dentro. “Existem atividades ao ar livre que as pessoas negras nem sempre praticaram. Talvez seus pais tenham dito para não fazerem, ou a indústria tenha os ignorado”, diz ele. “Mas se há algo dentro de você dizendo, Eu quero fazer isso, então você deve fazer acontecer.”

Essa atitude ajudou Henderson ao longo de sua carreira na indústria outdoor; muitas vezes ele era a única pessoa negra na trilha. Ele foi instrutor da National Outdoor Leadership School por mais de vinte anos e guiou expedições de escalada em vários continentes.

Em 2012, ele se aventurou no Everest para tentar chegar ao cume. Ficou doente, e a doença o impediu de alcançar seu objetivo. Naquele ano, onze alpinistas morreram na montanha.

A experiência lhe ensinou o quão mortal o Everest pode ser. Para a escalada Full Circle Everest, Henderson permaneceu no acampamento base guiando a expedição via rádio, enquanto os alpinistas Manoah Ainuu, Eddie Taylor, Rosemary Saal, Demond Mullins, Evan Green, Thomas Moore e James Kagambi subiram a montanha com sherpas e um equipe de filmagem.

Outro alpinista, Fred Campbell, subiu até uma parte, mas voltou por causa do mal da altitude. Henderson diz que não conseguia dormir à medida em que a equipe subia.
“A certa altura, tínhamos sete pessoas na Zona da Morte”, conta. “Chegou uma ligação dizendo que Manoah estava no cume. Depois outro, e outro. É o Everest, então você sabe que sempre pode dar merda. Em algum momento foi tipo, puta merda, todo mundo chegou ao cume.”

Henderson continuará contando sua história até que a demanda diminua, mas ele acredita que o Full Circle Everest crescerá e já prevê expedições a outras montanhas. Quer atrair investimentos para projetos que tornem as atividades ao ar livre mais acolhedoras para os negros. “Pergunto às pessoas o tempo todo: ‘Como podemos sustentar este ímpeto?’ ”, diz Henderson. “Mais organizações estão falando sobre Black Lives Matter, diversidade e inclusão. Cabe a eles também praticar o que pregam. Somos apenas parte do movimento.”

Pattie Gonia

Criar um espaço seguro para todos os praticantes de atividades ao ar livre

Pattie Gonia é a persona drag de Wyn Wiley, defensor do meio ambiente e, em suas palavras, “homossexual profissional”. Em janeiro, Wiley fundou uma organização sem fins lucrativos chamada Outdoorist Oath, comprometida em proteger o planeta, promover a inclusão em espaços ao ar livre e inspirar aventura. Conversamos com Pattie para saber mais sobre o projeto e por que eles estão otimistas com o futuro inclusivo das atividades ao ar livre.

OUTSIDE: Você tem uma filosofia drag?

PATTIE GONIA: Minha filosofia drag é me divertir e ser gay ao ar livre. Drag é uma forma de arte queer onde as pessoas não apenas mudam o gênero, mas também personificam diferentes personagens e se inspiram na moda e, para mim, na natureza. Adoro usar a drag como playground para representar a beleza que vejo na natureza. Recentemente, fiz um projeto com a Audubon Society para a cotovia ocidental, a ave que representa Nebraska, meu estado natal, bem como Oregon, onde vivo atualmente. Um belo ecossistema trouxe o projeto à vida. Dois designers incríveis criaram este vestido, completo com envergadura de três metros. Eles usaram plantas das pastagens onde o pássaro vive para tingir os tecidos. Nos reunimos com ornitólogos queer para aprender sobre o comportamento queer em pássaros, juntamente com a ameaça de perda de habitat. Foi uma conjunção legal de moda, arte e ativismo.

Conte um pouco sobre o Outdoorist Oath.

O Oath [Juramento] foi criado porque eu, Teresa Baker (criadora do Outdoor CEO Diversity Pledge) e José González (fundador da Latino Outdoors) acreditamos que os indivíduos têm o poder de moldar o futuro das atividades ao ar livre. Temos muitas ferramentas que nos ensinam como tratar a natureza, mas temos muito poucas que nos ensinam a tratar uns aos outros. E assim, o Juramento espera ajudar os indivíduos a criar seu próprio plano de ação personalizado para gerar mudanças localmente. Se pudermos criar uma cultura que conecte as pessoas à natureza e mostre a elas pelo que vale a pena lutar, podemos ajudar as pessoas a verem que ser ambientalista pode fazer parte de sua vida cotidiana. No Juramento, são oficinas e modelos de educação. Neste momento, ministramos workshops online, mas estamos no processo de criar currículos que podemos colocar nas mãos dos educadores.

O que você está tentando ensinar às pessoas através desses workshops?

Acho que a gente tem que dar espaço para as pessoas errarem. A vergonha e o medo nunca funcionam como motivadores. Quero lugares cheios de relacionamentos e alegria – essas coisas fazem as pessoas quererem voltar e agir. É como um novo músculo. Não dá para ser bom logo de cara. Caramba, eu não era bom nisso. Ainda não sou bom. Não há receita de como fazer uma aliança.

Como tem sido este primeiro ano para a organização?

Recebemos um curso intensivo na área das organizações sem fins lucrativos, sobre como é difícil criar uma organização. É difícil nos bastidores, mas vale a pena porque essa comunidade é inacreditável. Educamos milhares de pessoas. Conseguimos arrecadar fundos suficientes para apoiar nossa equipe. Eu tenho muito respeito por qualquer pessoa no campo das ONGs. É uma área que exige muitos obstáculos a superar, e não é de admirar que não haja tanta diversidade.

Em que mais você tem trabalhado?

Já dei palestras em muitas universidades. Cheguei a visitar Outdoor Outreach, uma incrível organização sem fins lucrativos em San Diego que recebe comunidades sub-representadas nas atividades ao ar livre. E muito do meu esforço e energia foram focados no Brave Trails, que é um acampamento de verão para crianças queer que também oferece serviços de saúde mental o ano todo. Eles fazem acampamentos familiares para ajudar a ensinar os pais a aceitarem seus filhos. Além disso, eles instruem outros acampamentos sobre como ser inclusivos para a comunidade queer. Isso me faz pensar em quão melhor minha experiência nos acampamentos de verão poderiam ter sido se eu tivesse tido espaço como uma criança queer.

Você também relançou a plataforma Queer Outdoor and Environmental Job Board durante o verão. [Balcão de Empregos Ambientais e Ao Ar Livre para Queers] Você pode falar sobre por que isso foi importante para você?

Desde que criei a Pattie Gonia, tenho visto tantas pessoas queer que queriam um emprego na indústria das atividades ao ar livre, mas não sabiam onde era seguro trabalhar. Também vi muito interesse de marcas e organizações sem fins lucrativos que queriam contratar pessoas queer, mas não sabiam como encontrá-las. O balcão de empregos surgiu daí. No ano passado, lancei com uma planilha do Google. Era uma bagunça, mas era incrível, e queríamos que tivesse mais funcionalidade. Um web designer chamado Red Fong transformou isso em um site. Pagamos para uma pessoa queer fazer o que ela faz tão bem. Tem sido um projeto dos sonhos.

Algum outro projeto que te mantenha ocupado no dia-a-dia?

Isso pode parecer clichê, mas tenho me empenhado em me divertir ao ar livre, tenho usado meu tempo sem salto alto para me conectar com a natureza. Consegui isso com a corrida. Eu não tinha ideia de que gostaria de correr, mas gostei. Esse tem sido um projeto importante para mim este ano, porque é tão fácil focar na jornada viral de Pattie, mas no dia a dia eu fico com medo. Acabei de decidir que o medo e a dúvida sempre existirão, então também encontrarei uma alegria queer ao ar livre.

Como você espera que Pattie Gonia continue inspirando outras pessoas?

Nunca pensei que pudesse fazer a diferença neste mundo. Mas se eu pudesse ser o exemplo para qualquer coisa, seria para as pessoas perceberem que todo mundo tem um armário de onde sair, não importa qual seja. Todo mundo tem um par de botas para calçar, não importa quais sejam. E todos têm uma bela vida para viver, se puderem ser seus eus mais verdadeiros.

Kilian Jornet

O G.O.A.T das ultramaratonas quebra tudo e lança uma marca de tênis

No começo da temporada de ultramaratonas de 2022, o corredor catalão Kilian Jornet não competia em uma prova de 160 quilômetros desde 2018, quando abandonou a Ultra-Trail du Mont Blanc (UTMB) após uma reação alérgica a uma picada de abelha. Nos anos seguintes, Jornet, agora com 35 anos, teve dois filhos com sua parceira, a ultracorredora sueca Emelie Forsberg, e lançou sua própria marca de calçados e roupas de corrida, a NNormal. Mas a paternidade e o empreendedorismo não diminuíram sua velocidade: o melhor corredor de montanha de todos os tempos começou a temporada com uma vitória nos 160 quilômetros da Tjörnarparen Trail Ultra, na Suécia. Ele então conseguiu uma dobradinha audaciosa, vencendo a Hardrock 100 do Colorado, bem como a UTMB – e estabeleceu recordes nos dois eventos.

Annemiek van Vleuten

A primeira campeã do Tour de France Femmes

A ciclista holandesa Annemiek van Vleuten já era uma figura imponente no ciclismo profissional antes do Tour de France Femmes inaugural do último verão. Van Vleuten, 40, tem três títulos mundiais e venceu quase todas as principais provas do circuito feminino. Sua medalha de ouro no contra-relógio individual nas Olimpíadas de Tóquio aconteceu poucos dias depois de ela ter conquistado a prata na prova de estrada, tornando-a a única atleta em mais de uma década a medalhar em ambas as provas de ciclismo de estrada nos mesmos Jogos.

Ainda assim, em 23 de julho, Van Vleuten não conseguiu conter sua emoção depois de cruzar a linha de chegada no topo da escalada do Super Planche des Belles Filles no leste da França para conquistar sua vitória geral no Tour de France Femmes.

“Este é realmente um sonho que se tornou realidade, vencer de amarelo”, disse Van Vleuten, lutando contra as lágrimas. “Acabar aqui, em amarelo, solo, é o melhor.”
A alegria de Van Vleuten se deve à importância da estreia do Tour de France Femmes para o ciclismo. A corrida de oito dias começou nos Champs-Élysées em 24 de julho, ao mesmo tempo e no mesmo lugar da última etapa da prova masculina. A TV francesa registrou 2,3 milhões de espectadores por dia, com um pico de 5,1 milhões sintonizados na etapa final. Essas estatísticas fizeram do Tour de France Femmes a prova de ciclismo feminina mais vista do ano, com sobra.

Esses números também apagaram a ideia de décadas de que o ciclismo feminino não poderia gerar interesse suficiente para justificar seu próprio Tour. Houve várias tentativas de criar uma etapa em que as mulheres poderiam correr na prova masculina, que realizou sua 109ª edição em 2022, mas nenhum dos projetos superou os obstáculos financeiros e o sexismo.

Em 1984, os organizadores lançaram o Tour de France Féminin, a primeira versão feminina da prova, vencida por uma ciclista americana, Marianne Martin. Mas o evento foi cancelado após cinco edições, por falta de fundos. Nos anos seguintes, vários promotores franceses tentaram organizar grandes corridas femininas que replicavam as masculinas, entre elas o Tour Cycliste Féminin, o Grand Boucle Féminine Internationale e o Tour de l’Aude Cycliste Féminin.

Mas mesmo esses tiveram dificuldades em encontrar apoio financeiro e atrair cobertura de TV, um componente importante para os patrocinadores. Os críticos ridicularizaram o ciclismo feminino como chato e incapaz de se sustentar sozinho. Os fãs que assistiram aos eventos ao vivo, no entanto, e as mulheres que competiram, sabiam que a corrida era tão dramática e emocionante quanto a masculina. Mas houve poucos eventos e nenhuma maneira de transmitir para o mundo.

A virada começou em 2013, quando as ciclistas profissionais Marianne Vos, que é holandesa, e Emma Pooley, que é britânica, se uniram à advogada americana Kathryn Bertine para lançar o Le Tour Entier, um movimento para pressionar a dona do Tour de France, Amaury Sport Organisation, a criar um equivalente para as mulheres. O grupo circulou uma petição e produziu um filme, Half the Road. Em resposta, a ASO criou seu próprio evento, La Course by Le Tour de France, em 2014. Mas a corrida foi de apenas um dia, realizada no centro de Paris, e foi criticada por fãs e ciclistas pela curta duração.

Assim, a ASO mexeu no formato da corrida, adicionando um contra-relógio individual em um ano e levando-a para as montanhas no outro. No entanto, depois de oito edições, ficou claro que a ASO não tinha intenção de transformar La Course em uma corrida de várias etapas que durasse semanas. Não foi um Tour de France.
Van Vleuten venceu o La Course em 2017 e 2018, e sua primeira vitória aconteceu menos

de um ano depois que sua carreira quase terminou em uma terrível queda nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Depois de passar todas, exceto a americana Mara Abbott, Van Vleuten acelerou em uma descida sinuosa e calculou mal uma curva. Ela voou de sua bicicleta e caiu de cara no meio-fio, sofrendo uma concussão grave e três fraturas na coluna.
O momento foi fundamental.

No ano seguinte, ela evoluiu de ciclista de clássicos de montanha para a melhor escaladora pura do pelotão. “A virada foi a corrida antes do acidente – eu era a melhor escaladora do mundo naquele dia, e isso era algo que eu estava determinada a construir após o acidente”, disse Van Vleuten em uma entrevista em 2020 para a CyclingTips.

Ela foi igualmente impressionante no Tour de France Femmes. Depois de sofrer uma infecção intestinal no início da corrida – ela parou na terceira etapa e perdeu quase um minuto – ela se recuperou nas montanhas para assumir a liderança. Na etapa sete, ela lançou um ataque solo de 60 quilômetros, cruzando a linha mais de três minutos à frente da segunda colocada.

“Eu estava passando muito mal, e vencer aqui assim é inacreditável”, disse ela. “É lindo terminar aqui em solo. Incroyable.”

Van Vleuten também venceu o Giro d’Italia Femminile, o Ceratizit Challenge by La Vuelta e os campeonatos mundiais de ciclismo de estrada deste ano, tornando-a a ciclista de estrada mais bem-sucedida de qualquer gênero em 2022. Ela planeja se aposentar após a temporada de 2023. A única questão é quem vai calçar suas poderosas sapatilhas.

A Equipe que Descobriu o Endurance

Um grupo de cientistas e aventureiros procurou mais do que apenas um naufrágio

Em janeiro de 1915, o navio do explorador polar Ernest Shackleton Endurance ficou congelado na Antártida. O que aconteceu a seguir tornou-se lenda: Shackleton e sua tripulação assistiram o navio afundar lentamente, sobreviveram a um ano e meio encalhados no gelo e, finalmente, se auto-resgataram com uma jornada de 1300 quilômetros em botes salva-vidas abertos. Todos os 28 membros da equipe sobreviveram.
Agora, 106 anos depois, o naufrágio foi encontrado – e em condições notáveis – a uma profundidade de quase três mil metros no mar de Weddell. Uma equipe do Falklands Maritime Heritage Trust, liderada pelo geógrafo polar John Shears, localizou o navio com um veículo submarino autônomo em 5 de março, após um mês no mar.

A missão de encontrar o Endurance era completamente diferente da viagem de Shackleton na escuna de 144 pés. Uma expedição de 63 membros se juntou a uma tripulação de 45 marinheiros a bordo do S. A. Agulhas II, um navio quebra-gelo e de pesquisa polar sul-africano equipado com dois helicópteros, os materiais necessários para instalar um acampamento de gelo e dois veículos submarinos autônomos (AUVs) capazes de caçar os destroços. A equipe compreendia um nível surpreendente de conhecimento em vários campos: engenharia, geofísica, ciência médica, estatística, expedição polar, oceanografia e muito mais.

Em 2019, uma tripulação composta por muitos dos mesmos indivíduos partiu em um quebra-gelo equipado com um AUV para escanear o fundo do mar, mas perdeu o dispositivo no gelo à deriva. “O mar de Weddell é provavelmente o oceano mais difícil de se viajar em todo o mundo”, diz Lasse Rabenstein, geofísico e cientista-chefe que supervisiona a equipe de gelo marinho.

O gerente submarino Nico Vincent disse que operar um AUV nessas condições é extremamente desafiador, exigindo equipamentos de alta tecnologia e um grupo forte e experiente. “Navegar sob o gelo à deriva é mais difícil do que pousar na lua em 1969”, diz ele. Para muitos membros da equipe, esta era uma missão diferente de qualquer outra realizada antes. “Era ou sucesso em encontrar os destroços ou fracasso total”, diz Rabenstein. “Geralmente, quando você faz operações científicas, há um objetivo, mas é mais aberto.”

A expedição teria sido vitoriosa mesmo se eles não conseguissem localizar o navio. “A busca do Endurance era a tarefa principal”, diz Vincent. “Mas objetivos secundários também foram alcançados: glaciologia, meteorologia, pesquisa de engenharia marinha, educação para crianças e apoio da mídia.”

Enquanto procurava o navio, a equipe de Rabenstein coletou amostras de gelo marinho e entendeu melhor como navegar em um oceano congelado. Em um balcão de informações de gelo 24 horas, ele e sua equipe fizeram imagens de satélite atualizadas e previsões de deriva disponíveis para a equipe submarina, para ajudar a pilotar em situações de blackout e whiteout. Esses dados também ajudaram Rabenstein com sua própria pesquisa. “Minha empresa, Drift and Ice, está desenvolvendo software de navegação para navios de pesquisa no gelo. Aprendi muito sobre o que é necessário em softwares para navegar com segurança”, diz Rabenstein.

Enquanto isso, engenheiros usaram sensores para entender melhor como um navio reage à pressão do gelo, para otimizar as embarcações para futuras expedições. Representantes do serviço meteorológico sul-africano lançaram balões meteorológicos e escanearam a coluna de água, compartilhando dados com a comunidade de pesquisa.

Após localizar o Endurance, a equipe visitou o túmulo de Shackleton em Grytviken, Geórgia do Sul, para prestar suas homenagens. “Shackleton é mais importante para mim do que para as outras pessoas”, diz Rabenstein. “Ele nunca desistiu, mas também não foi ao limite. Todas as pessoas que ele levou em suas expedições sobreviveram. Outros exploradores polares não tiveram tanto sucesso. Ele era um verdadeiro herói.”







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