Um detalhe curioso nas tentativas de Eliud Kipchoge de correr uma maratona em menos de duas horas foram os carros elétricos que marcaram o ritmo. Na corrida Breaking2 da Nike, em 2017, foi usado um Tesla. No Desafio INEOS 1:59, onde Kipchoge quebrou a barreira, foi utilizado um Audi e-tron equipado com um controle de cruzeiro especialmente desenvolvido, ficando a menos de um metro durante toda a distância da maratona. “Não haverá emissões saindo do carro para incomodar os corredores”, gabou-se um dos engenheiros da INEOS antes da corrida.
Seria isso apenas um capricho, como as fitas aerodinâmicas que os corredores do Breaking2 colaram nas panturrilhas? Ou será que um pouco de poluição no ar realmente te deixa mais lento? Alguns estudos tentaram responder a essa pergunta ao longo dos anos, mas os resultados não foram claros, em parte porque é difícil obter medições precisas da qualidade do ar no percurso da corrida. Porém, um novo estudo de uma equipe da Universidade de Brown, nos EUA, liderada por Elvira Fleury e Joseph Braun, oferece uma resposta mais definitiva: isso importa.
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Fleury e Braun usaram um “modelo de aprendizado de máquina espaço-temporal” para produzir estimativas detalhadas de como o material particulado fino estava distribuído no ar em cada marca de quilômetro ao longo dos percursos de nove maratonas importantes nos EUA, de 2003 a 2019. O modelo integra leituras de sensores de ar próximos com dados de satélite, clima, topografia e outros fatores.
O material particulado fino —também conhecido como PM2.5 ou, mais familiarmente, fuligem — refere-se a partículas com menos de 2,5 micrômetros de diâmetro, produzido por motores de combustão interna, incêndios florestais e outras fontes. Essas partículas são fáceis de inalar e podem passar dos pulmões para a corrente sanguínea, causando inflamação e danos oxidativos que aumentam o risco de doenças cardíacas, diabetes e outras condições.
Quando você corre, respira mais ar do que o normal e o faz pela boca, o que evita a filtragem nasal (os pelos), que normalmente capturam algumas partículas. Isso pode causar uma série de problemas, incluindo a constrição dos vasos sanguíneos que fornecem oxigênio aos músculos — uma péssima notícia para maratonistas.
O modelo da máquina mostrou que os níveis de PM2.5 variaram amplamente de lugar para lugar e de ano para ano. Em algumas ocasiões, os níveis em Boston e Chicago chegaram a 20 microgramas por metro cúbico, enquanto em outros anos ficaram entre 2 e 3 microgramas por metro cúbico. Outras cidades, como Nova York, Houston e Los Angeles, apresentaram intervalos semelhantes. O estudo, publicado na revista Sports Medicine, combinou esses dados de poluição com 2,5 milhões de tempos de conclusão de maratonas, ajustando para outros fatores, como calor e umidade.
Como a poluição do ar afeta maratonistas?
Antes de explorar os resultados, vale a pena considerar o que seria esperado. De forma superficial, há duas grandes tendências a levar em conta. A mais óbvia é que corredores mais lentos ficam expostos por mais tempo, então seria esperado que a perda total de tempo aumentasse proporcionalmente ao tempo de conclusão. Por outro lado, corredores mais rápidos tendem a respirar mais intensamente, o que os faz inalar mais partículas por respiração e alojá-las mais profundamente no sistema respiratório — o que, inversamente, pode levar a um impacto menor no tempo de conclusão.
A questão mais importante, no entanto, é se há ou não algum efeito. No geral, maratonistas homens em uma determinada posição percentil de conclusão foram 32 segundos mais lentos para cada aumento de 1 micrograma por metro cúbico nos níveis de PM2.5; entre as mulheres, a redução foi de 25 segundos. Isso pode parecer um impacto modesto, mas sugere que, em anos com baixa poluição, como a Chicago Marathon de 2019 (cerca de 3 microgramas por metro cúbico), os tempos médios podem ser até oito minutos mais rápidos do que em anos de alta poluição, como 2011 (cerca de 20 microgramas por metro cúbico). Mesmo que isso seja uma superestimativa — baseada na comparação mais extrema encontrada — os resultados indicam uma diferença em minutos, não milissegundos.
Os gráficos abaixo mostram o percentil de conclusão no eixo horizontal, com o primeiro lugar à esquerda e o último à direita. A mudança no tempo de conclusão por micrograma por metro cúbico de PM2.5 está no eixo vertical. O gráfico A mostra os corredores homens, e o gráfico B, as mulheres. Em ambos os casos, o padrão é semelhante. Os corredores mais rápidos sofrem um impacto relativamente pequeno; aqueles na média (entre 4:00 e 5:00 em muitas corridas) e ligeiramente acima da média são os mais afetados; e os corredores mais lentos sofrem menos impacto.
O que explica essa curva? É difícil dizer. Pode ser uma competição entre os dois fatores mencionados anteriormente: um tempo de exposição menor protege os corredores mais rápidos, enquanto a respiração menos intensa protege os corredores mais lentos, mas os corredores intermediários acabam sendo os mais prejudicados.
Há também muitas outras possibilidades. Talvez corredores mais bem treinados sejam menos afetados pelo desconforto respiratório. Talvez os efeitos anti-inflamatórios de uma alta aptidão aeróbica ofereçam alguma proteção contra os impactos negativos da poluição. Ou talvez você realmente se adapte ao ar poluído se treinar regularmente nesse ambiente. Há indícios para todos esses efeitos, mas eles ainda são especulativos.
O que isso significa na prática?
A ideia de que a poluição do ar prejudica o desempenho atlético certamente não é nova — basta lembrar do alvoroço causado quando atletas dos EUA usaram máscaras de proteção ao chegarem em Pequim para as Olimpíadas de 2008. O que é diferente neste caso é que os efeitos estão aparecendo mesmo em níveis muito modestos de poluição do ar. O padrão de segurança atual da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA) para exposição de 24 horas a PM2.5 é de 35 microgramas por metro cúbico, bem acima dos níveis observados em qualquer uma das corridas analisadas. O padrão anual foi reduzido no ano passado de 12 para 9 microgramas por metro cúbico. De todos os anos de corrida analisados, 61% estavam abaixo desse padrão mais rigoroso de 9 microgramas por metro cúbico—e, ainda assim, esses níveis de poluição impactaram os tempos de corrida.
Uma lição disso é que, se você está buscando bater seu recorde pessoal em uma grande maratona e tem um carro de apoio privado, pode valer a pena optar por um veículo elétrico. De maneira mais ampla, adicione a qualidade do ar à longa lista de fatores a considerar ao escolher uma corrida ou avaliar seu desempenho depois.
*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside USA