Mais perto da natureza – e das pessoas

Corredor brasileiro que venceu ultramaratona no Chile ainda ajudou adversário

A Ultra Trail Torres del Paine (UTTP) é um evento endurance de corrida de montanha (ou trail run) que acontece na Patagonia Chilena (Província da Última Esperança), na imediações do Parque Nacional de Torres del Paine. Este ano em sua terceira edição, a prova  que aconteceu no dia 25 de setembro contou com a presença de corredores de 31 países, divididos nas distâncias de 15, 34 e 50 km.

Como sempre, o terreno acidentado e o clima hostil da região foram as maiores dificuldades do percurso:  trilhas técnicas, subidas e descidas fortes na montanha sob temperaturas abaixo de 5°C. Foi neste clima de incerteza que o corredor e preparador físico mineiro Fernando Nazário, de 35 anos, conquistou o bicampeonato na competição. Ele correu os mais de 50 km em 4h48min25s. Foi seguido pelo chileno Rodrigo Lara Molina (4h53min50s) e pelo brasileiro Pablo Simonetti, que ficou em terceiro com tempo de 4h54min45s. Nazário já havia sido campeão da prova em 2014, quando a distância era de 67 km (terminando com o tempo de 7h30min).

“Desta vez, parece que a prova foi mais dura”, diz Fernando. O clima e o novo trajeto forma grandes desafios, comparados aos outros anos.”

Até o quilômetro 20, o mineiro estava na quinta colocação geral. Ele manteve a estratégia, e também não descuidou da hidratação nem da alimentação. No quilômetros 27, já estava na segunda colocação. Assumiu a ponta quase no quilômetro 35 e, a partir de então, deu o máximo se si até a linha de chegada.

“Quero que, cada vez mais, as pessoas possam participar de provas como esta”, garante. “Buscando seus sonhos com saúde e integradas a natureza”. Enquanto Nazário se prepara para o próximo desafio (no fim de outubro ele enfrentará os 100 km da Indomit Costa Esmeralda, no sul do país), ele escreveu um relato de sua vitória heroica na Ultra Trail Torres del Paine. Leia a seguir:

“CHILE, PATAGÔNIA, PARQUE Nacional de Torres del Paine. Sétima maravilha do mundo, terceiro Ultra Trail de Torres del Paine e eu.

Um dia antes da competição, a natureza nos dá aquele presente: dia ensolarado, com possibilidade de visualizar todas as belezas naturais e as cores daquele lugar. O dia da competição foi igual, o que poderia ser um presságio, me mostrando que conseguiria a segunda vitória naquele lugar… ‘Esquece, é melhor não pensar muito’, eu dizia em voz alta.

Vamos para a largada. Como sempre, aquele frio intenso às 7 da manhã. E aquela vontade enorme de sair correndo e sentir, por meio do meu próprio esforço, um pouco mais de calor. Nesta terceira edição, por conta do trajeto diferente e por saber que não sou tão rápido em provas de 50k, tratei de estudar toda estratégia de hidratação e alimentação baseada em tempos específicos e na altimetria do percurso. Diante dos competidores que estavam ali, uma das chances de chegar entre os três primeiros colocados significaria ser impecável na estratégia. Largamos às 8h10min, um ritmo alucinante e eu em quinto lugar, muito mais rápido para o que planejava. Passamos os primeiros 10 km abaixo de 42 min. Eu queria extrair o meu melhor naquele momento, e meus adversários em suas condições essenciais seriam o meu referencial eu seguir em busca do meu melhor. Isso não significaria vitória a qualquer preço, mas sim a busca do ser humano em dar o melhor de si em total harmonia com aquela natureza que me cercava.

Corri em quinto lugar, visualizando o quarto e terceiro bem próximos. No quilômetro 15, com aproximadamente 1h04min de prova, fui o único a me hidratar e a abastecer a mochila com isotônico, pois sabia que o próximo ponto seria apenas no quilômetro 27.

Pela experiência que tenho nesta região da Patagônia, sabia que não ter uma estratégia bem definida poderia custar caro para almejar posições no pódio – e até mesmo para completar a corrida. Segui como tinha planejado, hidratando de 20 em 20 minutos (no máximo), com em torno de 200 ml de isotônico ou água. Também ingeria um sachê de gel de carboidrato a cada 30 minutos e uma cápsula de sal a cada uma hora.

Passei pelo quilômetro 20 com o tempo de 1h31min, e me aproximei do quilômetro 25 já encostando no chileno Emmanuel (então o segundo colocado). Perguntei se ele precisava de algo, e ele me disse que queria água. Entreguei a minha garrafa de isotônico a ele, falando que poderia ficar com ela. Continuei correndo forte, já em segundo lugar. Cheguei ao quilômetro 27 para abastecer minha mochila. Neste momento, vejo o brasileiro Pablo Gelabert Simonetti em primeiro lugar, partindo bem próximo. Rapidamente, consegui encostar nele e, juntos, fomos até o quilômetro 30, com o tempo 2h39min. Então iria começar o longo trecho de subida até o quilômetro 45. Me sentia bem naquela hora, e comecei a impor meu ritmo ladeira acima com toda a força, sem descuidar no entanto da alimentação e da hidratação. No final da subida, a natureza nos prepara uma linda paisagem, revelando lagos escondido, onde patos nadavam, enquanto os pássaros sobrevoavam a montanha. Fui tomado por uma energia boa. A certeza de que a minha esposa estaria de braços abertos me esperando na linha de chegada me deu muita força, e superei todas as dores recorrentes das câimbras sem olhar para trás. A poucos metros do final, me recordo de ter conversado com Deus. E, novamente, em um momento único de devoção, agradeci o presente e perguntei a Ele, com os olhos cheios de lágrima: ‘O que o senhor quer me ensinar desta vez?’

Agradeci àquelas pessoas presentes por toda a energia que me enviavam e pela torcida dos meus alunos, amigos e familiares, que acreditaram mais em mim do que eu mesmo. Mas eu mantive a confiança para lutar e buscar o meu bicampeonato naquelas terras patagônicas, fechando os 53 km da prova em 4h48min. Recebi o abraço que esperava da minha esposa e o carinho de todos que estavam ali. Naquele momento, os meus pés estavam firmes no chão e, a minha a alma, leve. O coração em paz e a cabeça nas nuvens… Eu havia conseguido. Não menos feliz pela vitória, mas radiante por saber que, só por ter chegado ali é algo mais valioso do que qualquer pódio. Fiz uma competição sem julgamentos, pois se eu conheço toda a grandeza da natureza e, junto a ela critico a todo o momento as minhas fraquezas, retiro de mim o poder do aprendizado superior. Mas quando penetro profunda e amorosamente em suas boas qualidades, eu assimilo essa força e, assim, busco energia para correr cada vez mais rápido e… Em paz.”







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