Que ciclista nunca sonhou em pedalar na Itália, nos poéticos vilarejos da Toscana ou nas montanhas das Dolomitas? Mas o país é muito mais do que as atrações “populares” para quem curte bike – e bota “muuuuito mais” nisso. Preciosidades ciclísticas, como estradas desertas cercadas de plantações que circundam castelos medievais, estão ainda por serem descobertas pelos amantes da magrela em regiões menos conhecidas, entre elas a bellissima Emilia-Romagna.
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Situada no norte, com um trecho encravado na costa do Mar Adriático, Emilia-Romagna tem na capital, Bolonha, sua cidade mais famosa. Entretanto a região abriga outras comunas de fazer qualquer estradeiro ou mountain biker se emocionar. Sua fronteira sudeste com a Toscana garante que lá você também encontre sol quase o ano todo. Além disso um inverno bem mais ameno que no montanhoso extremo norte e paisagens de vegetação verde-cobre dignas de filme. Ou seja, a receita perfeita para pedalar na Itália e se surpreender.
E ainda tem o Adriático, colorindo com seu azul-escuro uma costa dramática, que se revela devagarzinho aos ciclistas mais curiosos que decidem deixar um pouco os urbanizados points de veraneio para explorar percursos menos movimentados.
Porém, mesmo nesses destinos mais manjados entre os locais, impressiona a pouca quantidade de turistas estrangeiros. Ou seja, apesar de ter gente por todos os lados assim que o inverno vai embora, locais como Riccione e Cattolica dão a sensação de se estar em uma produção de Federico Fellini, com senhoras animadas caminhando de mãos dadas com maridos falantes – e observá-los sem pressa é entender por que nós, especialmente de São Paulo, nos sentimos tão em casa por lá.
Aproveite a viagem
Em vez de torcer o nariz para as lojas abarrotadas de souvenires de gosto meio duvidoso, tire uma tarde para admirar os italianos em seu hábitat, fazendo o que sabem como nenhum outro povo: curtir a vida, aproveitar o sol, comer ótima comida e, claro, beber café digno.
Passamos uma semana pedalando (bastante!) pela região e seus arredores. Eis aqui alguns dos melhores lugares que exploramos em duas rodas – certamente uma das formas mais maravilhosas de se conhecer um pouco mais desse paraíso ciclístico que se chama Itália.
Granfondo de Riccione e a bike week
Para atrair cada vez mais ciclistas a pedalar na Itália e promover a bike como lazer e esporte, o governo da região de Riccione decidiu criar uma semana anual de celebração à magrela. Em 2019, a comemoração aconteceu em junho e teve campeonato de mountain bike XC, pedaladas com ex-ciclistas e personalidades famosas, etapas do Giro D’Italia sub-23 e até uma prova de critério de bike fixa no coração da cidade.
Uma das maiores vedetes do evento é o Granfondo de Riccione, que completou 21 anos. A prova possui percursos mais amigos, de 35 km e 105 km. Mas é no trajeto tradicional, de 145 km, que estão suas melhores surpresas. Com quase 2.500 metros de altimetria, o granfondo passa por serras e vilarejos medievais, além de cortar áreas agrícolas com campos de parreiras e outras plantações.
A cereja do bolo, entretanto, é mesmo Il Cippo, no Monte Carpegna. A duríssima subida de 6 km e 623 metros de altimetria tem média de inclinação de 10% – com vários trechos de 20%. Era ali que o mítico ciclista Marco “Pirata” Pantani treinava. Diz a lenda que ele amava tanto essa pirambeira que teria dito “Il Cippo me basta”; verdade ou não, a frase está pintada no asfalto de praticamente cada uma das 22 curvas casca-grossa dessa escalada surreal.
Ao longo do trajeto, foram colocados cartazes com ampliações de capas de jornais de época estampando fotos de astros como o belga Eddy Merckx fazendo careta e dando tudo de si no Carpegna. Os italianos são maravilhosamente dramáticos, e eles têm razão: pedalar no Il Cippo é um feito que você nunca mais esquecerá na vida.
Dica: No site riccionebikehotels.it, rede hoteleira por trás dos esforços locais para promover a região como destino de bike, clique em “Routes” para encontrar informações valiosas sobre percursos ciclísticos por lá.
Em cada rota, o site mostra o grau de dificuldade, distância, altimetria e o percurso no Garmin – quase todas com mais de 100 km e ideais para ávidos ciclistas de estrada. Mas, se você curte pedalar por lazer, pode fazer apenas uma parte dos trajetos.
Subida até Montefiore Conca
Localizada a 120 km de Bolonha, essa pequena comuna dentro da província de Rimini tem como ponto principal uma fortaleza do século 14 – mas o Montefiori Conca guarda vestígios de civilização de mais de 3.000 anos.
Com uma população de menos de 2.500 habitantes, o vilarejo é uma joia medieval. Se você optar por ficar hospedado em Riccione, o pedal de ida e volta até Montefiore Conca possui cerca de 50 km (mas você pode optar por trajetos mais longos), a maioria em percurso reto.
Não há muitos trechos íngremes, exceto uma serra de 6 km que exige que o esforço físico seja bem dosado do início ao fim. Um “presente” te espera quando se passa o pórtico que separa a cidadezinha da rocca (fortaleza) dos Malatesta, uma importante família da época.
Ali, meu amigo, como se diz na mundana comunidade dos bikers, é onde “o filho chora e a mãe não vê”, com cerca de 500 metros e uns 23% a 25% de inclinação. O jeito é engolir o choro, não pensar muito, apertar o pedivela e subir. Lá no alto, você será agraciado com uma vista espetacular.
Em um dos poucos cafés do lugar, peça um bom espresso para ter forças para o pedal na volta. Sorria: o retorno a Riccione é basicamente composto por descidas e retas, e de novo o visual coroa o pedal do dia com campos de vegetação amarelada e casinhas típicas.
Dica: Em dias bem quentes, típicos do verão italiano, leve bastante água, porque o comércio costuma fechar para a siesta. Mas se isso acontecer, tente achar uma alma caridosa para te informar se há alguma fonte milenar por perto (ou seja cara de pau e bata na porta de alguém, pois o calor forte pode levar à desidratação).
Via Panorâmica
Bem na divisa entre Toscana e Emilia-Romagna, fica a região de Marche, que abriga uma das estradas costeiras mais cênicas para quem ama pedalar, seja por performance ou apenas para curtir a vida.
Começando em Gabicce Mare, um destino praiano com ótimas opções de trekking na Reserva Natural de Monte San Bartolo, a Via Panorâmica finaliza em Pesaro, com vistas estonteantes.
Para cruzá-la, é preciso encarar um sobe e desce que deixará feliz quem curte escaladas, mas nada é puxado demais a ponto de desgastar aqueles mais a fim de curtir la dolce vita.
No mês de junho, o percurso se colore de amarelo quando as flores das plantas chamadas ginestras se abrem, soltando um cheiro doce, que lembra jasmim. Mesmo se você estiver no pique de treinar pesado, não deixe de fazer pausas para visitar os castelos que ficam na Via Panorâmica, como o Fiorenzuola di Focara.
A construção original foi bastante destruída durante um terremoto, mas partes da muralha e o portão principal sobreviveram. Outro castelo imperdível é o Gradara, erguido entre os séculos 11 e 15.
Suas muralhas se estendem por quase 800 metros e é permitido pedalar por seus pátios o que rende belas fotos – ainda mais se você estiver de capacete e ao lado da sua magrela amada.
Dica: A agência brasileira Italy Bike Tour (italybiketour.com.br) providencia guias e bikes de estrada ou elétricas para você pedalar por lá. A agência abriu recentemente em Gabicce uma simpaticíssima loja e ponto de encontro de ciclistas.
Ali o café é de graça, e o cap preto com detalhes de cores italianas deixa qualquer pedal bem mais elegante.
Piadina, seu quitute pós-pedal – Melhor que pizza, a piadina faz a festa dos ciclistas
Programou um pedal de 100 km por Emilia-Romagna e planeja fazer algumas paradas para abastecer? Sorte a sua! A mais famosa comida local é a piadina, uma espécie de sanduíche feito com uma massa mais fina e delicada que a pizza.
Os recheios são variados, porém o mais tradicional é o que leva rúcula e queijo squacquerone, típico dessa região. Tudo, claro, regado a azeite de excelente qualidade. Carboidrato na medida certa, com proteína deliciosa e gordura boa. Deixe as barras e géis em casa – em Emilia-Romagna, comer bem é parte importantíssima do treine pedalar na Itália (e da vida em geral).
Pesaro e a Bicipolitana
Reserve um dia para visitar um dos projetos de mobilidade envolvendo bike mais legais da Europa. A comuna de Pesaro não faz parte de Emilia-Romagna, mas fica bem pertinho, na vizinha Marche. Uns anos atrás, o governo local decidiu diminuir o papel dos carros na vida de seus cerca de 95.000 cidadãos.
Estreitando ruas e eliminando centenas de vagas para automóveis, foi criando uma incrível rede de ciclovias. Nela há ares e importância semelhantes ao metrô em grandes centros urbanos.
O projeto, que ainda não foi totalmente finalizado, não para de crescer e ganhou atrativos. Como estações para carregar bikes elétricas, oficinas mecânicas gratuitas ao longo de sua rede cicloviária e ônibus que agora transportam até seis magrelas.
A ideia toda recebeu um nome que merece um belo prêmio em sua corajosa tentativa de provar aos moradores que pedalar é uma das soluções para quem quer se locomover por Pesaro: Bicipolitana.
Cada trecho de ciclovia tem uma cor, assim como nos metrôs mundo afora, e placas sinalizando para onde vai cada uma se espalham por todos os lados. Pesaro fica à beira-mar, portanto a linha cicloviária que margeia a costa foi cercada de vegetação rasteira. Assim ela fica pretegida da invasão da areia que ali se acumulava com os ventos do inverno.
Pedale perto da praia, sem se esquecer de admirar simpáticos senhores indo comprar peixe fresquinho dos pescadores. Sem pressa, pare para tomar um sorvete e depois siga descompromissadamente alguma das placas sinalizando a Bicipolitana, só para ver onde vai dar.
Dica: Além de sede do projeto cicloviário mais bacana da Itália, Pesaro é também a terra natal de Rossini, o famoso autor da ópera O Barbeiro de Sevilha. A pequena casa onde o compositor nasceu hoje abriga um museu cheio de atrações musicais.
A Romagna oferece simpáticos bike-hotéis
Quer coisa mais chata do que se hospedar em lugares em que olham torto para seu maior amor, a bike? Em sua estratégia para atrair mais ciclistas do mundo todo, a região de Emilia-Romagna possui uma organização composta por hotéis do local amigos da bicicleta. Ou seja, nada de passar nervoso.
No site do Terrabici (terrabici.com), você encontra diversos endereços que não apenas recebem os ciclistas de braços abertos, como possuem área com bicicletário e mecânico, além de um cronograma quase diário de pedais pelas redondezas.
Em Riccione, um dos mais antigos bike-hotéis é o Dory, que há 20 anos foca seus serviços em quem ama bicicleta. Na sala reservada para as magrelas, há mimos como uma fonte para encher as garrafas de água. Tem também um staff que dá todas as informações necessárias para quem quer explorar a vizinhança em duas rodas.
Riccione a San Marino
O trajeto de Riccione até a refinada Reppublica di San Marino entrou para a história do ciclismo ao receber, em 2019, a etapa 9 do Giro d’Italia. Os galáticos ciclistas da Grande Volta italiana fizeram um espetacular contrarrelógio individual. Foram 35 km e cerca de 730 metros de altimetria acumulada debaixo de uma tempestade épica.
Para chegar a San Marino – um microestado europeu, assim como Mônaco e o Vaticano –, é preciso encarar subidas poderosas. Isso por que a sofisticada república se localiza estrategicamente no alto do Monte Titano, de onde se pode vigiar todo o vale.
Portanto, se possível, tente dormir por lá para ter tempo de conhecer o enclave, que possui uma das maiores rendas per capita do continente. O lugar exala história: já havia gente por ali por volta dos anos 300, e sua Constituição data de 1600.
Suas duas mais conhecidas fortalezas, a Rocca Guaita e a Torre Cesta, merecem a visita – de preferência sem sapatilha de bike. Lá o chão é escorregadio, o caminho superíngreme, e pedalar pela multidão nessas condições requer habilidade de Peter Sagan.
As atrações (que figuram na bandeira da república) oferecem vistas estonteantes da Cordilheira dos Apeninos. Dê-se de presente um almoço ou jantar em um dos restaurantes que cercam a praça principal. Muitos com janelas panorâmicas e massas caseiras feitas diariamente por duas senhoras da região. De sobremesa, peça o clássico tiramisu.
Dica: Se estiver com “bala na agulha”, hospede- se uma noite no Grand Hotel San Marino, no centro histórico. Você se sentirá em um filme italiano de época, pela mobília elegantemente clássica e staff absurdamente educado. Na baixa temporada, a noite ali costuma custar a partir de US$ 100.
* A jornalista Erika Sallum viajou a convite do Departamento de Turismo de Emilia-Romagna