Por Stephanie Pearson
Quando o capitão Dan Blanchard – um barbudo enxuto de 58 anos que fundou a agência UnCruiseAdventures – quer acompanhar uma das viagens pelo Alasca do Safari Endeavour, navio de 232 pés, ele costuma montar uma barraca no convés para ter onde dormir. Os cinco navios de Dan que realizam expedições no Alasca, cujas capacidades variam de 22 a 84 passageiros e que servem de luxuosos basecamps flutuantes para itinerários de até 21 noites, são tão populares que sua faturação no estado subiu de US$ 6 milhões, em 2010, para US$ 33 milhões, em 2016.
O sucesso de Dan reflete o assombroso crescimento da indústria de cruzeiros da região. Em 2016, um milhão de passageiros, (cerca da metade dos visitantes que o estado norte-americano recebe anualmente) viajaram de navio, gerando uma atividade econômica de US$ 2 bilhões. No Parque Nacional de Glacier Bay, 95% dos 485.000 visitantes chegaram ao local a bordo de uma embarcação. Historicamente havia cerca de três vezes mais navios grandes, de mais de mil passageiros, no Alasca do que barcos menores como o de Dan. Essa tendência ainda predomina, entretanto à medida que a procura aumenta navios de todos os tamanhos são cada vez mais numerosos e permanecem cada vez mais tempo na região.
A demanda é tão grande que a Princess Cruises anunciou recentemente que, em 2017, aumentaria em 15% sua frota de navios com destino ao Alasca. A Holland America está alterando a rota de uma embarcação para que se torne seu sétimo navio em operação na região. E a Seabourn afirmou que está retornando ao 49o estado norte-americano pela primeira vez após mais de uma década. Em agosto passado, mil passageiros chegaram a pagar US$ 120 mil para passar 32 dias a bordo do Crystal Serenity – navio de 820 pés e 13 andares –, enquanto ele navegava pela Passagem do Noroeste, de Anchorage, no Alasca, até Manhattan, em Nova York.
O mercado de cruzeiros turísticos no Alasca está tão aquecido quanto o próprio destino em si: partes do estado estão esquentando duas vezes mais rápido que o resto dos Estados Unidos; e em alguns lugares o Ártico se encontrava 20oC mais quente que o normal no último mês de novembro. “O que estamos vivenciando é a última oportunidade de fazer turismo na região como ela é hoje”, diz Scott Gende, pesquisador do Serviço Nacional de Parques Nacionais dos Estados Unidos, que vive em Juneau, a capital do estado. “As pessoas querem ver os glaciares antes de que eles derretam e os ursos polares antes de que se extingam.” A não ser que você seja um canoísta experiente ou tenha acesso a um iate particular, viagens de cruzeiro são a única forma de se conhecer grande parte do remoto litoral do Alasca.
É uma viagem polêmica e regada a duras ironias, considerando-se que provavelmente a indústria de cruzeiros seja uma das principais responsáveis pela aceleração do processo de falecimento desse pedaço planeta. Fica difícil estipular a quantidade de emissões desse setor, e elas variam muito de acordo com o tipo de combustível utilizado. Entretando, em 2012, a Organização Marítima Internacional estimou que navios de cruzeiro e balsas de passageiros produziram 78 milhões de toneladas de dióxido de carbono. De acordo com um estudo realizado pelo grupo, grandes embarcações de cruzeiro queimam de 225 mil a 270 mil litros de diesel por dia. Em um dia típico do verão passado no Parque Nacional de Glacier Bay, uma tonelada de dióxido de enxofre foi emitida pelos navios de cruzeiro.
Em 2015, foi implementada uma nova regulamentação para grandes navios nos Estados Unidos e no Canadá, mas, em vez de usar combustíveis mais limpos para cumpri-la, muitas linhas de cruzeiros têm instalando uma tecnologia que retira o enxofre das chaminés dos navios. Isso evita sua emissão na atmosfera, mas dilui o poluente e o despeja no oceano (no caso, claro, dos navios que operam legalmente).
Em dezembro, o Departamento de Justiça norte-americano descobriu que a Princess Cruises tinha emitido resíduos ilegalmente e alterado a emissão de poluentes falsificando registros. A companhia foi considerada culpada por conspiração, obstrução da justiça e violação do Act to Prevent Pollution from Ships e pagará uma multa de US$ 40 milhões. Três de cada cinco navios da Princess citados no caso haviam navegado em águas do Alasca.
Segundo Scott, apesar dos problemas ambientais, as comunidades portuárias do Alasca precisam dos visitantes que chegam em cruzeiros. “Eles trazem uma grande quantidade de dinheiro e de trabalho para os moradores da região.”
No que diz respeito ao tráfego de navios de passageiros, faz tempo que a costa do Alasca é alvo de uma regulamentação muito mais severa que a de outras costas dos Estados Unidos e de outros países, graças ao Programa de Acordo Ambiental de Navios Comerciais de Passageiros, que monitora as emissões de águas residuais, a qualidade do ar, o descarregamento de lixo e outras questões. No passado, essa vigilância não havia sido necessária no litoral do Ártico, em grande parte porque poucos navios faziam escala em portos tão setentrionais como os de Nome ou Kotzebue. Porém, à medida que o gelo marinho derrete, têm ficado mais fácil organizar viagens ao Ártico. A Crystal Cruises, por exemplo, está planejando sua segunda jornada pela Passagem do Noroeste, em agosto. Como resposta, Scott, em parceria com a Wildlife Conservation Society, está à frente de um esforço para a criação de um guia de diretrizes e boas práticas para cruzeiros no Ártico e na rota marítima do Norte, cuja conclusão está prevista para antes do verão nos Estados Unidos.
“Esperamos mudar as atividades dos cruzeiros que perturbam mamíferos marinhos ou caçadores nativos”, diz Scott.
O fato de que as vagas do primeiro cruzeiro da Crystal Serenity tenham se esgotado e levado a empresa a oferecer um novo pacote para o próximo verão indicam que há muita demanda; mas até agora nenhuma outra grande linha de cruzeiros planeja uma expedição pela Passagem do Noroeste. “Essa viagem vem sendo desenvolvida faz três anos”, diz John Stoll, vice-presidente da Crystal Cruises. “Estabelecemos um padrão ‘ouro’ na atenção aos detalhes e na preparação da viagem, e tomamos todas as medidas possíveis para proteger o meio ambiente.”
A organização de defesa ambiental Friends of the Earth deu à Crystal uma classificação não muito boa em seu Cruise Ship Report Card (uma espécie de nota baseada no impacto ambiental de cada cruzeiro emitida pela ONG). “Eles fazem a coisa certa ao usar uma fonte de combustível menos poluente, diz Marcie Keever, diretora de projetos da Friends of the Earth. “Mas ainda não atualizaram a tecnologia de águas residuais, e nos preocupa bastante que um navio dessas dimensões navegue pela Passagem do Noroeste.”
Como no caso de Dan, a crescente consciência sobre os inconvenientes de uma viagem em um mega-navio de cruzeiros contribuiu com o crescimento da empresa. “A maioria das pessoas que viaja conosco não gosta de navios grandes”, diz ele.
“Pequenos navios de cruzeiro costumam ter melhores condutas no que diz respeito ao meio ambiente”, afirma Elizabeth Becker, autora de Overbooked: The Exploding Business of Traveland Tourism. “Eles pagam melhores salários, em geral contam com cientistas a bordo e são detalhistas na hora de mostrar aos passageiros como respeitam o ecossistema.”
Mesmo assim, todas as viagens de navio causam um impacto considerável à natureza, ainda mais a regiões tão delicadas quanto o Alasca. A organização Friends of the Earth não avaliou ainda as expedições de pequenas embarcações como as de Dan, mas o Safari Endeavour queima cerca de 22.500 litros de diesel por semana. “Temos que ser sinceros com nós mesmos”, diz Dan. “Se a região estivesse infestada de gente como nós, seríamos um problema e tanto.”