Frustrado com o trabalho, a ansiedade climática e o barulho do dia a dia, peguei meu stand-up paddle e parti para uma jornada de 1.930 quilômetros pelos cursos d’água da América do Norte. O que encontrei não foi apenas aventura, mas a prova de que a água tem o poder de acalmar a mente, conectar as pessoas e nos lembrar do que realmente importa
Não sei quem está mais perplexo: eu ou o cervo. É madrugada do Dia da Independência e estou carregando meu SUP inflável de 4,2 metros e três bolsas estanques pela River Street, em Troy, Nova York, arrotando bacon do buffet de café da manhã. O centro da cidade está úmido e deserto, apenas eu e o animal nos encarando em um estacionamento de hotel — dois peixes fora d’água.
Em poucos minutos, estou deslizando pelo Rio Hudson, aproveitando a maré vazante que facilitará minha passagem por esse estuário de 246 quilômetros até o Atlântico. Também quero evitar as horas de mais calor. Meu truque habitual para me refrescar — dois mergulhos por hora — não é recomendado hoje neste trecho do rio. Choveu demais para o sistema de esgoto dar conta. “Cuidado com os ‘flutuantes’”, me alertou um morador local.
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Estou celebrando o aniversário dos Estados Unidos quase três semanas após o início da minha jornada de 1.930 quilômetros, partindo de Ottawa, onde moro, e seguindo de volta para casa por Montreal, Nova York, Buffalo e Toronto. Angustiado com as mudanças climáticas apocalípticas e com os magnatas tóxicos da tecnologia, prestes a completar 50 anos e desmotivado com o trabalho de escritório, busquei uma espécie de redenção empunhando um remo. Como um paddleboarder obsessivo, eu já sabia como me sentia bem ao estar na água. Como jornalista, também já havia pesquisado os efeitos terapêuticos dos chamados “espaços azuis”, conversando com especialistas que estudam os benefícios psicológicos e fisiológicos do contato com ambientes aquáticos. Por que não testar essas teorias em mim mesmo?
Parecia uma boa desculpa para passar alguns meses remando, acampando e conhecendo outras pessoas atraídas pela água. Mas este está se tornando um dos verões mais quentes da história. Agora, depois de Albany, as nuvens e a fumaça dos incêndios florestais se dissiparam, o sol está escaldante e a correnteza, contaminada por E. coli, virou contra mim.
A água pode transmitir uma sensação de fuga e de infinitas possibilidades, mas também um sentimento de conexão com o ambiente, de conforto e pertencimento
Tonto, engulo eletrólitos mornos e barras energéticas insossas, tentando completar 66 quilômetros até uma marina cujo proprietário me autorizou a acampar. Motoqueiros aquáticos acenam, famílias fazem piqueniques na margem, águias planam sobre colinas verdes. Ao anoitecer, fogos de artifício explodem no céu—seguido por relâmpagos cortantes, trovões ensurdecedores e um vento rodopiante. Uma tempestade repentina avança do norte. Giro à estibordo em direção ao Catskill Creek e remar o mais rápido que posso até um grupo de barcos.
Amarrando minha prancha ao píer, corro para dentro de um prédio. Descubro que é um bar.
“Estamos fechados”, diz uma mulher contando dinheiro, sem levantar os olhos.
Observo três homens sentados nos bancos, com copos meio cheios à sua frente.
“Posso só pegar uma cerveja e esperar a tempestade passar?”
“O que você quer?”
Com um pint na mão, respondo a uma enxurrada de perguntas dos frequentadores. Logo depois, vêm os tapinhas nas costas e os high fives. Estou descobrindo que um dos bônus dos espaços azuis é a camaradagem. E talvez essa seja a minha necessidade mais essencial.
A ciência é clara: estar na natureza rejuvenesce nosso corpo e mente. Resumindo: ficamos mais ativos, menos ansiosos. E embora seja difícil diferenciar os efeitos dos espaços verdes e azuis, a água parece potencializar os benefícios.
As pessoas são mais felizes em regiões costeiras e marítimas, concluíram dois economistas ambientais britânicos após analisar mais de um milhão de registros no aplicativo Mappiness. Bairros próximos à água estão “associados a menores níveis de sofrimento psicológico”, afirma um estudo da Nova Zelândia. Respirar o ar marinho — inalar “compostos bioativos que podem ter origem em algas marinhas”, no linguajar da bióloga belga Jana Asselman — parece fortalecer nosso sistema imunológico. Oceanos, rios e até fontes urbanas também criam oportunidades de interação social, sugere uma revisão de literatura escocesa, estimulando “um senso de comunidade e apoio mútuo entre as pessoas”. E o melhor de tudo: o tempo passado na água, especialmente entre crianças, incentiva comportamentos “pró-ambientais”. Em outras palavras, nos faz cuidar melhor do planeta.
O espaço azul ativa nosso sistema nervoso parassimpático, explicou a psicóloga ambiental da Universidade da Virgínia, Jenny Roe, antes de eu partir de casa. Basicamente, esse sistema informa ao cérebro o que nosso corpo está fazendo e atua como um freio, reduzindo a resposta ao estresse. A água pode transmitir uma sensação de fuga e infinitas possibilidades, mas também um sentimento de conexão com o ambiente, de conforto e pertencimento.
A sensação de pertencimento é fácil de ignorar, a menos que você esteja na água. A água nos desacelera
Evolutivamente, isso faz sentido. Apenas olhar para um riacho ou uma piscina já é suficiente para reduzir a pressão arterial e a frequência cardíaca, concluíram dois pesquisadores de psicologia da Universidade da Califórnia, em Davis. Eles atribuem essa ligação, em parte, à habilidade dos nossos ancestrais de identificar com sucesso fontes de água potável em ambientes áridos. A ressalva, claro, é que, apesar de todos esses efeitos restauradores, a água também pode ser perigosa (enchentes, tempestades, afogamentos, doenças). E essa exposição—tanto aos benefícios quanto aos riscos—não é igualmente acessível para todos. Nem todos podem se dar ao luxo de passar o verão em um SUP.
O Catskill Creek está envolto em neblina quando solto minha prancha do píer pela manhã, mas em poucos minutos, o sol nascente começa a dissipá-la, e consigo distinguir as pernas finas das garças espreitando a água em busca do café da manhã. Pássaros cantam e gorjeiam na margem pantanosa; as altas gramíneas sussurram ao vento. A rotina matinal da natureza, a biomassa respirando.
Minha própria respiração entra no ritmo, e a distância passa facilmente. Em duas horas, paro para nadar ao lado de um farol histórico, onde uma placa com setas apontando para vários marcos informa que a Estátua da Liberdade está a 165 km de distância. O resto do meu dia segue um padrão familiar, quase primordial: remar, nadar, canto de pássaros, comer, beber, protetor solar, remar, nadar, protetor solar, pássaros, beber, comer, remar, nadar, remar. Estou focado em tarefas básicas e imediatas, e nenhuma das preocupações que me trouxeram até este rio parece importar. O espaço azul pode não ter erradicado minha angústia existencial, mas está me ensinando algumas coisas sobre equilíbrio e perspectiva. Sobre focar nas pessoas e nos lugares onde estou agora.
No início da noite, amarro minha prancha do lado de fora do Museu Marítimo do Rio Hudson, em Kingston, Nova York. Criado para preservar a história da região, o museu hoje busca conectar visitantes a essa bacia hidrográfica revitalizada e fomentar comunidades sustentáveis. “A sensação de pertencimento é fácil de ignorar, a menos que você esteja na água”, diz Lisa Cline, diretora executiva do museu, enquanto me mostra a escola de construção de barcos, onde vou passar a noite. “A água nos desacelera.”
Suas palavras ressoam. O fluxo de bebidas geladas, lanches caseiros, abraços, incentivos, brincadeiras, proteção e curiosidade genuína que tenho recebido nesta viagem, de um mosaico diverso de estranhos, pareceria improvável em terra firme. Talvez seja o ritmo mais lento ou as memórias ancestrais de seus perigos, mas tendemos a cuidar uns dos outros quando estamos perto da água. E, para mim, isso já é motivo suficiente para continuar remando.
*Dan Rubinstein é o autor do livro Water Borne: A 1,200 Mile Paddleboarding Pilgrimage, com lançamento previsto para junho de 2025.