Padrões emergem a partir de um banco de dados com mais de 100 fatalidades em corridas de trilha
Em março de 2023, durante uma prova de trail run nas montanhas próximas a Tucson, no Arizona (EUA), tropecei em uma pedra. Estava descendo um trecho íngreme e técnico da trilha um pouco mais rápido do que o habitual. Tinha um voo para pegar. Não sei exatamente por quanto tempo fiquei no ar — talvez um segundo —, mas pareceu uma eternidade. As consequências foram sérias — perdi os dentes da frente, tive ferimentos profundos no rosto que depois exigiram cirurgia plástica —, mas poderiam ter sido muito, muito piores.
Lesões em corredores são lamentavelmente comuns, afetando entre 20% e 80% dos praticantes, segundo uma estatística frequentemente citada (ainda que de forma questionável). Mas, na maioria das vezes, trata-se de dores nos joelhos, tendões inflamados e coisas do tipo: incômodos, mas não ameaças reais à vida.
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Corrida em trilha, no entanto, é diferente. A natureza do terreno — e o fato de essas trilhas frequentemente passarem por ambientes remotos — significa que as coisas podem dar seriamente errado. No mês passado, durante o Outside Festival, entrevistei no palco Hillary Allen, autora do livro Out and Back (ainda sem tradução em português), que narra sua queda de 45 metros de uma crista durante uma corrida de montanha na Noruega. Os ferimentos dela foram muito piores que os meus, mas ela também conseguiu dar a volta por cima. Nem todo mundo tem essa sorte.
Um novo estudo publicado no periódico Wilderness & Environmental Medicine faz uma análise abrangente dos piores cenários na corrida em trilhas, com o objetivo de identificar os principais riscos e como corredores e organizadores de provas podem minimizá-los. Pesquisadores da Universidade de Pretória, na África do Sul, em parceria com colegas de Portugal e França, vasculharam registros de notícias online sobre eventos fatais ou catastróficos ocorridos durante corridas em trilha. Eles identificaram 127 casos — quase todos nos últimos 15 anos —, dos quais 104 resultaram em morte.
Os principais dados do estudo são apresentados na figura abaixo, que divide os incidentes fatais nas categorias mais comuns:
Frio e Hipotermia
De longe, a causa mais comum de morte entre corredores de trilha é o frio e a hipotermia. Isso não chega a surpreender, especialmente considerando que muitos desses corredores se aventuram em regiões montanhosas, onde o clima pode mudar rapidamente.
É tentador sair para correr levando o mínimo possível, deixando de lado roupas quentes — principalmente quando o tempo parece favorável. Afinal, correr mantém o corpo aquecido. Mas o que acontece se, por exemplo, você torce o tornozelo? Ou se perde? Ou se o tempo muda drasticamente? Aí você está suado, cansado e com pouca roupa. Nessa situação, é possível entrar em estado de hipotermia mesmo com temperaturas acima de zero — um fenômeno às vezes chamado de “hipotermia do trilheiro”. Nos anos 1990, por exemplo, quatro soldados da elite dos Rangers do Exército dos EUA morreram de hipotermia durante um treinamento… na Flórida.
A solução aqui é óbvia, mas fácil de ignorar ou justificar: leve roupa suficiente para o frio. Muitas provas de trilha já estipulam equipamentos obrigatórios mínimos — e faz sentido adotar o mesmo cuidado em treinos. No novo levantamento, 64% das mortes ocorreram durante corridas organizadas de trilha, e o restante em treinos ou atividades recreativas. Ambos os cenários envolvem riscos. (Por outro lado, quando um corredor desaparece, quase sempre é durante treinos ou corridas informais, e não em competições.)
Quedas
A segunda causa mais comum de morte em corridas de trilha são traumas causados por quedas. Esse também é um risco específico das trilhas — e algumas são mais íngremes, técnicas ou expostas do que outras.
Não sei exatamente o que dizer sobre isso, porque “tenha cuidado” parece um conselho vazio. Parte do encanto de correr em trilhas é justamente escapar das ruas e calçadas lisas e previsíveis — o terreno acidentado faz parte do atrativo. E, ao aceitar isso, o corredor assume certo nível de risco. Qual seria o “nível certo” de risco? Não sei. Mas, depois da minha queda em Tucson, passei a ser muito mais cauteloso em situações em que um erro pode ter consequências graves.
Parada cardíaca
Em terceiro lugar no gráfico aparece a parada cardíaca — um risco geral associado à prática de exercícios (ou, na verdade, à própria vida), e não algo específico da corrida em trilhas. Na maioria dos casos, mortes desse tipo durante o exercício estão ligadas a doenças cardíacas pré-existentes ou anomalias genéticas no coração. Os pesquisadores sugerem a realização de exames cardíacos como forma de detectar esses problemas com antecedência. No entanto, a utilidade — e especialmente o custo-benefício — desse tipo de triagem é tema de um longo debate entre cardiologistas. O mais importante é: se você tem qualquer dúvida sobre sua saúde cardíaca, procure um médico antes de se aventurar nas montanhas.
Causas menos comuns
As demais causas de morte são relativamente raras. Homicídios e acidentes com veículos são trágicos, mas poderiam acontecer em qualquer lugar. Ataques de animais, raios e afogamentos talvez sejam um pouco mais frequentes em trilhas remotas ou áreas montanhosas do que em ambientes urbanos, mas os dados mostram que são casos extremamente incomuns. Se estiver em região com ursos, leve spray de pimenta específico e corra em grupo; se houver tempestade, evite cristas expostas; pense duas vezes antes de atravessar rios com correnteza forte. São conselhos válidos em qualquer contexto.
O risco ao escrever sobre mortes na corrida em trilha é passar a impressão de que essa atividade é extremamente perigosa — da mesma forma que os noticiários dos anos 1980, ao falar de sequestros de crianças, fizeram muitos pais acreditarem que ruas de subúrbios estavam infestadas de criminosos. Mas, considerando os números — os pesquisadores citam dados que mostram que 1,7 milhão de pessoas participaram de corridas em trilha entre 2013 e 2019, com um crescimento médio de 12% ao ano —, a corrida em trilha é, sim, uma atividade bastante segura.
Ainda assim, os dados apontam para duas lições simples: leve um agasalho e preste atenção onde pisa.
Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside