Olhares da escuridão

PROFUNDEZAS BRASILEIRAS: A passagem circular evidencia a dobra geológica que formou este salão na Laje Branca, em Iporanga (SP) (Foto: Kevin Downey)

Por Bruno Romano

FOTÓGRAFOS DE CAVERNAS são como caçadores de tesouros. A diferença é que eles carregam na bagagem lentes e equipamentos de proteção e têm como armas o olhar inspirado e a experiência para se safar dentro de buracos onde muita gente nem sequer entraria. Também há algo fundamental: o valor do “tesouro” só se torna real quando compartilhado. É por essas e outras manias em comum que um grupo de experientes espeleólogos do Brasil e do exterior se reuniu para experimentar um mês intenso de viagem, entre julho e agosto deste ano, desbravando quase 6 mil km de estrada e 30 sistemas de cavernas entre os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Bahia, dando vida ao projeto Luzes na Escuridão.

BELEZA ESCONDIDA: As águas do rio Peruaçu refletem a vegetação que nasce nas claraboias da Lapa do Janelão, em Itacarambi (MG) (Foto: Michel Renda)
BELEZA ESCONDIDA: As águas do rio Peruaçu refletem a vegetação que nasce nas claraboias da Lapa do Janelão, em Itacarambi (MG) (Foto: Michel Renda)

O feito, por si só, é pioneiro. “Eu mesma demorei mais de 20 anos para conhecer todas essas regiões que visitamos ao longo de dois meses”, conta a espeleóloga Leda Zogbi, idealizadora do encontro. O potencial da expedição está justamente no resultado da corajosa empreitada. Reunir tantos fotógrafos de ponta nas mesmas cavernas proporciona um material muito rico. “Cada um enxerga de forma totalmente diferente o mesmo ambiente, o que é fantástico”, resume Marcelo Andrê, que acumulou as funções de fotógrafo e cinegrafista de um making of da jornada. Mostrar os bastidores e a rotina da exploração de cavernas é uma das ideias do projeto, que tem nos planos a publicação de livros e a criação de uma exposição itinerante pelo país.

TOUR SUBTERRÂNEO: A caverna de Torrinha, na Bahia (Foto: Mü Widmer)
TOUR SUBTERRÂNEO: A caverna de Torrinha, na Bahia (Foto: Mü Widmer)

“Foi a forma que encontramos para ampliar a divulgação disso no próprio Brasil, caso contrário as imagens iriam para os países de origem dos fotógrafos e acabariam apenas publicadas em revistas e calendários internacionais”, explica Leda. O acervo inclui trabalhos de profissionais referência no tema como os franceses Michel Renda, precursor e especialista em fotos de cavernas em 3D, e Philippe Crochet, um dos mais experientes do grupo. “A atmosfera da viagem foi muito amistosa e, mesmo que trabalhássemos duro todos os dias, buscando as melhores imagens, tudo era feito de forma tranquila”, conta Phillipe. “Graças à organização, nós podíamos nos concentrar apenas em tirar as melhores fotos”, continua o francês, que considerou as visitas às grutas do Janelão (MG) e dos Brejões (BA) como as mais impressionantes.

Para o espelólogo brasileiro Daniel Menin, a expedição fotográfica não foi somente uma imersão nas cavernas mais importantes do país como também nas técnicas e nos olhares de alguns dos mais consagrados fotógrafos do assunto do mundo. “Chamou atenção como equipamentos ‘caseiros’ complementam as mais sofisticadas câmeras em um conjunto que funciona perfeitamente nesses ambientes adversos, gerando imagens belíssimas”, relata Daniel. Na visão de Philippe, um fotógrafo de caverna dá a sua própria interpretação daquele ambiente. “É um trabalho extremamente pessoal, mas que só existe graças ao empenho em equipe”, diz. Nas investidas, há sempre alguém disposto a servir de referência na imagem, para ajudar a dar dimensão ao lugar, ou para segurar flashes, missão que se multiplica em galerias maiores.

Caverna em Laje Branca (SP) (Foto: Philippe Crochet)
Caverna em Teminina (SP) (Foto: Philippe Crochet)

Em um país que possui atualmente mais de 10 mil sistemas cadastrados no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV), órgão que apoiou a jornada do Luzes na Escuridão, ir a campo revela toda a beleza desses cenários, porém também traz uma urgente necessidade de atenção à preservação. O Cecav, ligado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), só atua em áreas de preservação sob responsabilidade do órgão federal, já as cavernas fora de parques nacionais têm gerenciamento local. A fragmentação da gestão, aliada a ameaças de vandalismo, falta de controle de visitantes e de guias capacitados, além de atividades de mineração, colaboram com a degradação de ambientes naturalmente muito frágeis. “Ao retornar a alguns lugares após mais de 15 anos, me espantou ver verdadeiros crimes contra a natureza”, conta Leda. “Precisamos pensar em uma solução para recuperar e preservar algumas das cavernas mais belas do Brasil e do mundo”, completa a espeleóloga.

Caverna em Laje Branca (SP)
Caverna em Laje Branca (SP) (Foto: Mü Widmer)

Em meio ao prazer de trabalharem com o que gostam junto de colegas de talento, os fotógrafos e espeleólogos também refletiram sobre o tema. “Fotografias dão mais visibilidade às belezas escondidas dos olhares da grande maioria das pessoas, e trazer isso à luz é uma maneira de desvendar o que a natureza possui. Sem as fotos, esses tesouros permanecem escondidos, portanto mais distantes de serem protegidos”, acredita Daniel. “É importante que os brasileiros saibam da existência desses lugares”, continua Philippe. “Escondê-las não é um bom caminho, pelo contrário: mostrá-las com a melhor luz, em fotos de qualidade, é o primeiro passo em um rumo de preservação, para determinar exatamente como e o que pode ser visitado, com a devida proteção”, conclui.







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