No Parque Nacional Dzūkija, na Lituânia, perder-se entre os pinheiros enquanto se procura cogumelos é um acontecimento tão comum que tem até uma palavra própria: “nugrybauti”.
Para uma nação tão obcecada pela coleta, as florestas do Parque Nacional Dzūkija, no sul da Lituânia, têm um apelo especial. A apenas uma hora de carro da capital, Vilnius, o parque – o maior do país – é coberto por densas florestas de pinheiros, ocultando um mosaico de pântanos, brejos de amieiros-negros e áreas alagadas. É uma paisagem protegida que abriga uma surpreendente abundância e variedade de cogumelos comestíveis.
O guia Tom Baltušis, dono da empresa de turismo Dzūkijos Uoga, sabe bem disso. “Na Lituânia, temos uma palavra específica para essa sensação: nugrybauti, que significa estar perdido na floresta enquanto se caça cogumelos”, disse em depoimento à BBC.
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Forragear alimentos sempre foi um pilar da vida local, uma prática que, antes uma necessidade, agora se tornou um passatempo querido e moldou os hábitos, a culinária e a economia da região ao longo dos séculos.
Atualmente, estima-se que as 300 variedades de cogumelos comestíveis de Dzūkija atraiam micófilos do mundo inteiro a esse tranquilo canto do Báltico, unindo-se aos moradores na busca por alguns dos maiores, mais raros e mais saborosos fungos da Europa, em intermináveis extensões de floresta intocada.
Um refúgio para fungos
A composição do solo única de Dzūkija foi moldada há milhares de anos, quando geleiras da Era do Gelo deixaram vastos depósitos de areia na região. O solo úmido e bem drenado resultante fornece o ambiente ideal para a proliferação de extensas redes fúngicas (micélio) subterrâneas, que trocam nutrientes com os milhões de pinheiros do parque em um processo chamado ectomicorriza.
“É um paraíso para os cogumelos, mas esse solo arenoso e infértil tornou a agricultura impossível por aqui”, explica Baltušis. “Podemos cultivar apenas um punhado de culturas, então a principal fonte de alimento e renda sempre foi a floresta. Durante séculos, as famílias caçavam, colhiam frutas silvestres e coletavam cogumelos, que não apenas serviam para alimentá-los, mas também eram vendidos para regiões vizinhas.”
Comércio histórico de cogumelos
Resquícios do florescente comércio de cogumelos de Dzūkija ainda podem ser encontrados em vilarejos isolados como Zervynos, onde os moradores costumavam coletar, secar e curar os cogumelos da região para enviá-los a chefs e à elite soviética em Vilnius, Varsóvia e São Petersburgo. O Parque Grūtas, localizado 40 km a oeste, exibe monumentos da era soviética colecionados por Viliumas Malinauskas, o “Milionário dos Cogumelos” da Lituânia, cuja empresa exportava os cogumelos de Dzūkija para toda a Europa, tornando-o um dos homens mais ricos do país nos anos 1990.
Hoje, os vários carros parados ao longo da estrada, com capôs carregados de caixas de madeira, sinalizam o mais modesto comércio de cogumelos de Dzūkija. “A coleta já foi uma questão de sobrevivência. Agora, é simplesmente um estilo de vida”, diz Agnė, uma vendedora de beira de estrada.
Destino para micófilos
“A abundância e variedade de cogumelos, junto com a bela paisagem natural, é o que atrai entusiastas do mundo todo”, diz Regina Baltušienė à BBC, que coadministra a Dzūkijos Uoga com seu parceiro Tom.
Especialistas em ecoturismo, eles lideram excursões de coleta a partir de sua propriedade rústica, oferecendo orientação especializada para encontrar os melhores cogumelos selvagens de Dzūkija. “Muitos visitantes da Lituânia ficam fascinados com essa atividade de lazer”, diz Tom. “Em um mundo cada vez mais globalizado, está se tornando difícil encontrar tradições tão específicas de uma região, mas a coleta de cogumelos oferece a oportunidade perfeita de vivenciar a cultura e a natureza de Dzūkija simultaneamente.”
Do solo à mesa
Com a chegada da temporada de cogumelos no fim de agosto, os moradores de Dzūkija aproveitam para incorporar os fungos do parque – secos, curados, triturados ou em pó – nos pratos mais populares do país, antes que o frio de dezembro ponha fim à coleta.
O saboroso cogumelo bavarykas é recheado em cepelinai (bolinhos de massa de batata); enquanto a grybų sriuba (a onipresente sopa de cogumelos lituana) e o kugelis (pudim de batata) ganham os abundantes porcini e boletus de Dzūkija. Russulas fritas na manteiga, lactários e cogumelos-parasol, com seu sabor característico semelhante ao da carne, são aperitivos populares.
Coleta livre
“Aqui, todos podem colher cogumelos e frutas silvestres livremente, exceto em áreas e territórios protegidos pelo estado”, diz Regina. As leis do país sobre o “Direito de Acesso à Natureza”, baseadas no princípio do “direito de todo homem” – o conceito legal que defende que a natureza deve permanecer aberta a todos para atividades recreativas – permitem que os cidadãos acessem recursos naturais, como os cogumelos e frutas silvestres de Dzūkija, mesmo em propriedades privadas, desde que respeitem a privacidade dos proprietários.
“Na Lituânia, os proprietários de florestas são obrigados a permitir que qualquer pessoa colha cogumelos em suas terras”, acrescenta ela.
A próxima geração
“A coleta de cogumelos faz parte da vida e da identidade dos moradores de Dzūkija, que aprendem a prática desde a infância, identificando cada espécie com a ajuda de seus pais e avós”, explica Regina. Centros educacionais na cidade de Varėna, conhecida como a “Capital dos Cogumelos” de Dzūkija, e o Festival Anual do Cogumelo da cidade fazem parte dos esforços para manter vivas as tradições do parque, ensinando as novas gerações sobre a importância cultural e os benefícios da coleta.
“Se nossa tradição de coleta de cogumelos não for preservada, a região perderá sua identidade e as futuras gerações perderão em dobro”, afirma Regina. “Tanto um maravilhoso passatempo quanto os deliciosos pratos feitos com os cogumelos selvagens recém-colhidos de Dzūkija.”