O Everest voltou aos holofotes. Mas, desta vez, a polêmica não envolve engarrafamentos na trilha nem cilindros de oxigênio. O burburinho gira em torno de um gás invisível, inodoro e nobre: o xenônio — agora utilizado por atletas e aventureiros como atalho fisiológico para encarar o ar rarefeito das grandes altitudes.
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Em maio de 2025, uma expedição britânica composta por quatro ex-soldados das forças especiais, incluindo o ministro Alastair Carns, atingiu o topo do mundo apenas cinco dias após saírem do Reino Unido. O feito ultrarrápido só foi possível graças a uma preparação não convencional: uso de barracas hipóxicas e inalação de gás xenônio em um laboratório na Alemanha, sob supervisão médica.
Parece ficção científica. Mas é real. E reacende uma questão vital: por que replicar artificialmente algo que seu corpo já sabe fazer naturalmente?
O que o xenônio faz?
O gás xenônio simula hipóxia (falta de oxigênio) no cérebro, ativando a via HIF-1α — a mesma que responde à altitude e ao esforço físico. Essa via desencadeia a liberação de eritropoietina (EPO), o hormônio que estimula a produção de glóbulos vermelhos e turbina o transporte de oxigênio no sangue. Mais oxigênio = mais performance.
A novidade: não é preciso subir uma montanha para ativar esse processo. É possível enganar o cérebro com uma substância química. E a fronteira entre tecnologia e trapaça, nesse ponto, começa a se embaralhar.
A Agência Mundial Antidoping (WADA) chegou a proibir o xenônio, mas depois recuou por falta de evidência conclusiva sobre impacto na performance. Hoje, ele vive em um limbo ético: não está na lista de substâncias proibidas, mas segue em monitoramento constante.
Mas seu corpo já faz isso. De graça.
Antes de recorrer ao laboratório, vale lembrar: o corpo humano tem sua própria farmácia interna. E o gatilho é a respiração.
Com os estímulos certos — como hipóxia, retenção de ar, frio e esforço físico intenso — é possível ativar os mesmos mecanismos bioquímicos que o xenônio artificialmente desperta.
Aqui está o que a ciência já comprova:
- Hipóxia Intermitente
Treinar ou expor-se a baixas concentrações de oxigênio por curtos períodos ativa a via HIF-1α e estimula a produção natural de EPO.
Jelkmann, W. (2011). *The Journal of Physiology
- Treinamento em Altitude ou Simulação
O método “Live High, Train Low” é usado há décadas por atletas. Hoje, existem máscaras, câmaras e protocolos para simular altitude — até em academias.
Levine & Stray-Gundersen (1997). Journal of Applied Physiology
- Apneias e Treinamento Respiratório
Práticas milenares como o pranayama e técnicas de freediving já exploravam o poder da retenção do ar muito antes da ciência validar seus efeitos fisiológicos.
Lodin-Sundström & Schagatay (2010). Scandinavian J. of Medicine
- Exercício Intenso e HIIT
Treinos que induzem hipóxia localizada também acionam a produção de EPO. Aqui, não é só o quanto você treina — é como você respira durante.
Montero et al. (2017). *European Journal of Applied Physiology*
O dilema: biohacking ou burla?
O uso do xenônio dividiu a comunidade do montanhismo. Reinhold Messner, o primeiro a escalar o Everest sem oxigênio suplementar, celebrou a inovação. Já a Federação Internacional de Escalada e Montanhismo criticou o uso do gás, chamando atenção para o risco de desvalorizar a experiência humana da montanha.
Guias como Guy Cotter e Garrett Madison levantaram uma dúvida incômoda: será que estamos tentando encurtar aquilo que mais nos fortalece?
A verdadeira tecnologia: você
Existe um poder silencioso dentro do seu corpo, à espera de ser despertado. Ele não depende de laboratórios, nem de substâncias inaladas. Apenas da sua disposição em se expor ao desconforto certo: o frio, a falta de ar, o esforço.
Falo da eritropoietina (EPO) — que não está só no cume do Everest, mas em cada célula ativada pela respiração consciente.
Enquanto muitos discutem a ética do xenônio, você pode respirar diferente. Treinar diferente. E descobrir que o maior atalho é a disciplina. A respiração. A coragem de ficar mais um segundo sem ar — e ver o que acontece por dentro.
Respire fundo. Sua EPO está ouvindo.
Nos vemos na montanha, na trilha… ou no tapete de Yoga.
Respire e Reaja Diferente
*Claudia Faria é praticante de Yoga há mais de 20 anos, escaladora e criadora do Método Yoga Adventure, que integra técnicas de respiração, meditação e biohacking para otimizar a performance mental e física em esportes de aventura. Já abriu uma via de 600 metros no maior monolito do Brasil em Pancas (ES), fez cume no El Capitan, em Yosemite. @yogaadventure.br | @claudiafaria.ya